São Paulo, segunda-feira, 04 de julho de 2005

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IMPOSTOS

No Brasil, 49% da arrecadação vem de tributos indiretos, diz IBPT

Tributação maior recai sobre consumo e salário

DA REPORTAGEM LOCAL

No Brasil, 76% da arrecadação provém da tributação que recai sobre o consumo e os salários. São tributos que, em geral, têm maior peso no rendimento dos mais pobres do que no dos mais ricos.
A média nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne as nações mais ricas do mundo) é de 50%. Os dados são de estudo inédito elaborado pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário).
Dissecando ainda mais os números, a surpresa é maior: no país, 49% dos valores recolhidos estão nos bens e serviços e acabam sendo transferidos ao consumidor -são os chamados tributos indiretos. Na União Européia, essa porcentagem é de 30%; na OCDE, de 24%; e, no Japão, de 19%. Nos EUA, só 16% da arrecadação tem origem no consumo.
O peso dos tributos diretos, no entanto, é maior nos países desenvolvidos. No Brasil, apenas 3% do que é arrecadado vem de impostos sobre o patrimônio, como IPTU, IPVA e imposto sobre as heranças. Nos EUA, a mesma categoria representa 11%.
O restante da configuração da arrecadação brasileira é o seguinte: 27% provêm dos salários, 16% de tributos que incidem sobre o capital e outras rendas (categoria da qual fazem parte o IOF e a CPMF), 2% do comércio exterior e 3% de outros tributos.
Para os especialistas, a opção brasileira por retirar da tributação indireta a maior parte de sua arrecadação é, na verdade, uma escolha guiada pelo comodismo. (A Folha procurou a Receita na semana passada, mas ela não quis se pronunciar sobre a reportagem).
"No Brasil, há uma grande voracidade arrecadatória, batendo recordes a cada período. O governo arrecada onde é mais garantido e mais fácil e deixa em segundo plano a justiça tributária", afirma Paulo de Barros Carvalho, professor titular de direito tributário da USP (Universidade de São Paulo) e da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
"O capital é difícil de tributar e, se for muito onerado, ele foge do país. O governo é pragmático e vai com toda a força onde é mais fácil pegar, que é o consumo e o salário. Onde não é possível arrecadar com tanta facilidade, o governo abre a mão, e é aí que está a injustiça", aponta o advogado Sacha Calmon, professor de direito tributário da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
O comodismo explica também por que quem é dono de empresa paga, como pessoa física, menos tributos diretos do que quem é assalariado na mesma faixa de renda. "A remuneração do trabalho é altamente regulada. O recolhimento é feito pelas empresas, e elas são extremamente penalizadas se não fazem isso bem-feito", lembra Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos).
A maior parte dos rendimentos tributados pelo IR, para quem é patrão ou trabalha por conta própria, por exemplo, são aqueles que aparecem nas declarações feitas pelos contribuintes. Para o assalariado, ao contrário, a regra é o imposto retido na fonte.
Luiz Antonio Caldeira Miretti, presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), ressalta que, no caso dos profissionais liberais que prestam serviços por conta própria, essa realidade muda se a maioria dos clientes é de pessoas jurídicas.
"Esses profissionais têm o imposto de renda retido na fonte, de acordo com a tabela, e ainda têm de pagar o ISS [Imposto Sobre Serviços] e a Previdência Social. Alguns acabam mais onerados do que o trabalhador com carteira assinada", avalia o advogado.
Segundo os dados do detalhamento da POF 2002/2003, quem atua por conta própria paga, em média, 5,71% em tributos diretos, ante 7,72% dos donos de empresa e 11,6% dos assalariados. Quem vive de aluguéis contribui, em média, com 7,2% da renda.

Trabalho para o fisco
Segundo o IBPT, em 2005 o contribuinte brasileiro trabalhou até o dia 20 de maio apenas para pagar tributos (diretos e indiretos) -são quatro meses e 20 dias. Na década de 1970, o período comprometido pela tributação era de dois meses e 16 dias. O cálculo é feito com base nas regras para cobrança de impostos, taxas e contribuições exigidas nas esferas federal, estadual e municipal.
É consenso entre os estudiosos que modificar o sistema não é fácil e que isso exigiria investimentos para aparelhar a estrutura governamental de fiscalização.
Segundo Barros Carvalho, da USP, o trabalho é o mais sacrificado mesmo nos países desenvolvidos. "Essa má distribuição, se é que serve de consolo, não é uma proeza do povo brasileiro, é mais ou menos uma constante mundial. Nos países mais adiantados, há uma organização maior, mas, no fundo, a injustiça é a mesma, só está mais disfarçada."
Para ele, só uma forte mobilização social pode produzir mudanças. Como exemplo de amadurecimento da sociedade brasileira, o jurista cita o recuo do governo no caso da medida provisória 232, que aumentava os tributos para algumas categorias. "O governo quer sempre arrecadar mais. Só a sociedade pode forçar recuos."
A sensação de que há pouca redistribuição também reforça a opção pela arrecadação indireta, que atinge alimentos básicos e remédios. "Somos de uma cultura em que o tributo não é visto como lastro para gerar bem-estar, mas simples encargo", diz Fernando Gaiger, do Ipea. (BRUNO LIMA)


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