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IMPOSTOS
No Brasil, 49% da arrecadação vem de tributos indiretos, diz IBPT
Tributação maior recai
sobre consumo e salário
DA REPORTAGEM LOCAL
No Brasil, 76% da arrecadação
provém da tributação que recai
sobre o consumo e os salários. São
tributos que, em geral, têm maior
peso no rendimento dos mais pobres do que no dos mais ricos.
A média nos países da OCDE
(Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico,
que reúne as nações mais ricas do
mundo) é de 50%. Os dados são
de estudo inédito elaborado pelo
IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário).
Dissecando ainda mais os números, a surpresa é maior: no
país, 49% dos valores recolhidos
estão nos bens e serviços e acabam sendo transferidos ao consumidor -são os chamados tributos indiretos. Na União Européia,
essa porcentagem é de 30%; na
OCDE, de 24%; e, no Japão, de
19%. Nos EUA, só 16% da arrecadação tem origem no consumo.
O peso dos tributos diretos, no
entanto, é maior nos países desenvolvidos. No Brasil, apenas 3%
do que é arrecadado vem de impostos sobre o patrimônio, como
IPTU, IPVA e imposto sobre as
heranças. Nos EUA, a mesma categoria representa 11%.
O restante da configuração da
arrecadação brasileira é o seguinte: 27% provêm dos salários, 16%
de tributos que incidem sobre o
capital e outras rendas (categoria
da qual fazem parte o IOF e a
CPMF), 2% do comércio exterior
e 3% de outros tributos.
Para os especialistas, a opção
brasileira por retirar da tributação
indireta a maior parte de sua arrecadação é, na verdade, uma escolha guiada pelo comodismo. (A
Folha procurou a Receita na semana passada, mas ela não quis se
pronunciar sobre a reportagem).
"No Brasil, há uma grande voracidade arrecadatória, batendo recordes a cada período. O governo
arrecada onde é mais garantido e
mais fácil e deixa em segundo plano a justiça tributária", afirma
Paulo de Barros Carvalho, professor titular de direito tributário da
USP (Universidade de São Paulo)
e da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
"O capital é difícil de tributar e,
se for muito onerado, ele foge do
país. O governo é pragmático e vai
com toda a força onde é mais fácil
pegar, que é o consumo e o salário. Onde não é possível arrecadar
com tanta facilidade, o governo
abre a mão, e é aí que está a injustiça", aponta o advogado Sacha
Calmon, professor de direito tributário da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro).
O comodismo explica também
por que quem é dono de empresa
paga, como pessoa física, menos
tributos diretos do que quem é assalariado na mesma faixa de renda. "A remuneração do trabalho é
altamente regulada. O recolhimento é feito pelas empresas, e
elas são extremamente penalizadas se não fazem isso bem-feito",
lembra Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística
e Estudos Sócio-Econômicos).
A maior parte dos rendimentos
tributados pelo IR, para quem é
patrão ou trabalha por conta própria, por exemplo, são aqueles
que aparecem nas declarações feitas pelos contribuintes. Para o assalariado, ao contrário, a regra é o
imposto retido na fonte.
Luiz Antonio Caldeira Miretti,
presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB-SP
(Ordem dos Advogados do Brasil), ressalta que, no caso dos profissionais liberais que prestam
serviços por conta própria, essa
realidade muda se a maioria dos
clientes é de pessoas jurídicas.
"Esses profissionais têm o imposto de renda retido na fonte, de
acordo com a tabela, e ainda têm
de pagar o ISS [Imposto Sobre
Serviços] e a Previdência Social.
Alguns acabam mais onerados do
que o trabalhador com carteira
assinada", avalia o advogado.
Segundo os dados do detalhamento da POF 2002/2003, quem
atua por conta própria paga, em
média, 5,71% em tributos diretos,
ante 7,72% dos donos de empresa
e 11,6% dos assalariados. Quem
vive de aluguéis contribui, em
média, com 7,2% da renda.
Trabalho para o fisco
Segundo o IBPT, em 2005 o contribuinte brasileiro trabalhou até
o dia 20 de maio apenas para pagar tributos (diretos e indiretos)
-são quatro meses e 20 dias. Na
década de 1970, o período comprometido pela tributação era de
dois meses e 16 dias. O cálculo é
feito com base nas regras para cobrança de impostos, taxas e contribuições exigidas nas esferas federal, estadual e municipal.
É consenso entre os estudiosos
que modificar o sistema não é fácil e que isso exigiria investimentos para aparelhar a estrutura governamental de fiscalização.
Segundo Barros Carvalho, da
USP, o trabalho é o mais sacrificado mesmo nos países desenvolvidos. "Essa má distribuição, se é
que serve de consolo, não é uma
proeza do povo brasileiro, é mais
ou menos uma constante mundial. Nos países mais adiantados,
há uma organização maior, mas,
no fundo, a injustiça é a mesma,
só está mais disfarçada."
Para ele, só uma forte mobilização social pode produzir mudanças. Como exemplo de amadurecimento da sociedade brasileira, o
jurista cita o recuo do governo no
caso da medida provisória 232,
que aumentava os tributos para
algumas categorias. "O governo
quer sempre arrecadar mais. Só a
sociedade pode forçar recuos."
A sensação de que há pouca redistribuição também reforça a
opção pela arrecadação indireta,
que atinge alimentos básicos e remédios. "Somos de uma cultura
em que o tributo não é visto como
lastro para gerar bem-estar, mas
simples encargo", diz Fernando
Gaiger, do Ipea.
(BRUNO LIMA)
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