São Paulo, Domingo, 04 de Julho de 1999
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CONTAS PÚBLICAS

Impacto no déficit engaveta plano pelo qual o setor privado administraria aposentadorias de até R$ 1.255


Governo descarta "privatizar" o INSS

MARTA SALOMON
da Sucursal de Brasília O governo decidiu deixar a iniciativa privada de fora da administração do novo sistema de aposentadoria para os trabalhadores que ganham até o teto de contribuições e benefícios previdenciários do INSS, hoje em R$ 1.255,32. Até essa faixa, o sistema continuará integralmente público.
A decisão encerra uma acirrada discussão interna no governo e será submetida ao aval do Congresso Nacional logo depois do recesso parlamentar de julho, informou à Folha o ministro da Previdência, Waldeck Ornélas.
O modelo escolhido representa um freio na expectativa de um grande negócio no Brasil: a entrada dos fundos de previdência privada no mercado para trabalhadores que ganham menos de dez salários mínimos. A expectativa de crescimento do negócio cai drasticamente para cerca de 7%, segundo cálculo do ministério.

Dívida pública
A opção contrária à privatização foi tomada para evitar uma explosão da dívida pública do país. Ao passar pelo menos parte do negócio à iniciativa privada, a União perderia a principal fonte de financiamento dos benefícios da Previdência e teria de bancar a conta emitindo títulos públicos.
O pagamento dos atuais aposentados e da expectativa de aposentadoria dos trabalhadores que já contribuem para o sistema em vigor custaria a astronômica cifra de quase R$ 2 trilhões, cerca de duas vezes o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. O reconhecimento dessa dívida tornou insustentável o custo de transição para um sistema privado.
""Não adianta sonhar com um sistema que poderia ser ideal se a realidade não permite. A reforma profunda virá no próximo século", disse o ministro. Ele reconhece que a próxima etapa da reforma que o governo apresentará ao Congresso pode diminuir o déficit nas contas da Previdência, mas será incapaz de resolver de vez o problema.

Capitalização ""virtual"
O novo sistema escolhido pelo governo funcionará como uma conta individual de poupança: a aposentadoria passará a ser calculada de acordo com o que cada trabalhador contribuiu durante a vida. O cálculo levará em conta também a expectativa de sobrevida do trabalhador no momento de pedir aposentadoria, estimulando o adiamento do benefício.
No modelo adotado, chamado de capitalização escritural ou ""virtual", as contribuições pagas pelos trabalhadores continuarão financiando o pagamento dos benefícios de quem já está aposentado, como no atual sistema de repartição.
Essa fórmula já é adotada em países como a Itália, a Suécia, a Polônia e a Hungria, onde evitou o aumento da dívida pública.

Contribuições e benefícios
Segundo Ornélas, o modelo já detalhado em projetos de lei no ministério não imporá o aumento das contribuições dos trabalhadores à Previdência. Espera-se até que as contribuições dos empresários diminuam com o tempo.
Mas o valor do benefício também poderá cair com a regra das contas individuais. Segundo a Folha apurou, o valor vai depender da taxa de rendimento dos depósitos ainda a ser definida pelo governo. Para obterem benefícios melhores, os trabalhadores serão estimulados a adiar o pedido de aposentadoria.
Atualmente, o valor do benefício é calculado com base nos últimos 36 salários médios de contribuição. O cálculo não leva em conta o valor da contribuição durante toda a vida, como o novo sistema fará.
A capitalização virtual começou a ser analisada no ano passado pelo grupo de trabalho comandado pelo então presidente do BNDES, André Lara Resende, inicialmente adepto da entrada da iniciativa privada no negócio.
Na época, o Banco Central vetou o aumento da dívida pública (que já não é pequena) a ser provocado pela opção por um sistema puro de capitalização, como o que foi adotado no Chile.
A comissão acabou desfeita em dezembro do ano passado, sem chegar a um consenso sobre o melhor modelo a ser adotado no país.


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