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OPINIÃO ECONÔMICA
Pequenos sinais
PAULO RABELLO DE CASTRO
Olhe bem à sua volta. Atentamente. Se você estiver
num jardim, o de sua casa, ou de
uma praça ou parque, a observação atenta é um exercício que lhe
trará informações novas, sempre
muito interessantes. Você poderá
enxergar cores e formas mais
complexas e variadas. Um arbusto, por exemplo: veja o formato
das folhas. Observe como se agarram ao ramo. Olhando mais de
perto ainda, outros sinais vão ficando evidentes. As pequenas formigas subindo e descendo sem
parar. Os fungos depositados por
baixo das folhas. Aos poucos, todos esses pequenos sinais vão se
ampliando e formam um todo diferente, muito mais rico. Você
também terá ficado mais rico, de
informações e de material para
sua própria imaginação.
A economia também funciona
exatamente assim. O quadro geral é composto de uma imensa variedade de pequenos e grandes sinais, fractais de informação que
lhe trazem a notícia do mundo
quase invisível da vida anônima,
que mora dentro da moldura da
vida publicada, fotografada e comentada pela mídia. Porém a vida anônima é a única que existe,
pois a publicada é apenas o produto da nossa imaginação relacional.
Nesse sentido, a ênfase posta
nos pequenos sinais da economia,
o ajuste fino das relações econômicas individuais, o trato adequado na formação dos preços
não são apenas detalhes a mais.
Essa atenção, no final, é tudo. Os
preços representam sinais informacionais. Cada preço carrega
sua carga de mensagem do tipo
"compre-não-compre", "faça-não-faça". Nos preços estão embutidos os tributos, os custos do financiamento, até o risco político.
As reformas microeconômicas
propostas e veiculadas pelo ministro Palocci e sua equipe carregam o interesse e a atenção a todos esses pequenos sinais. Administrar o macro é estar atento às
microdecisões, ao que se passa na
vida anônima. Aliás, para certas
escolas do pensamento econômico, como a de Chicago, não existe
a diferença entre o mundo grande
(macro) e o mundo pequeno (micro). Tudo na economia provém
da matriz de decisões individuais
sobre as quais se incluem "políticas" econômicas de governo, que,
como bons ou maus jardineiros,
conseguirão estimular conjuntos
paisagísticos harmoniosos ou
produzir resultados catastróficos
ao fim de sua atuação.
Na área tributária, acumulam-se os exemplos negativos. As más
interferências na vida dos mercados reduzem as chances de sucesso do conjunto da economia. As
recentes mudanças da Cofins,
uma contribuição social que nada tem de sociável, trouxeram
mais distorções que vantagens, da
maneira como foram introduzidas, salvo para o governo, que
pensa ter lucrado pelo salto em
sua arrecadação. Mas o governo
também depende do ecossistema
econômico para sobreviver.
Quando este enfraquece, o goveno-parasita também se fragiliza e
morre.
Há outros aspectos na vida econômica brasileira que permanecem convenientemente esquecidos, embora tendo influência
marcante nas decisões individuais que formam o macróide
chamado PIB. Esses aspectos são
todos relacionados ao crescimento, pois representam a vontade
individual de acesso aos mercados, o desejo de posse legítima de
bens, o planejamento do futuro
familiar, requerendo instrumentos para acumulação de poupanças e capital empresarial.
Em todos esses campos -do
crédito, da posse e domínio imobiliário, bem como do mercado de
capitais-, nosso desempenho em
prover acesso geral às pessoas e
garantir a eficácia dos instrumentos tem sido para além de sofrível. Ainda outro dia, aprendi
que, para registrar em cartório
uma transação de imóvel rural,
tornou-se obrigatória, pela lei nš
10.267, de agosto de 2001, a identificação das coordenadas dos limites da propriedade pelo Sistema
Geodésico Brasileiro (até aí tudo
bem) e "com precisão posicional a
ser fixada pelo Incra" (aí complicou). Exige-se a aplicação do sistema GPS "autenticado" pelo Incra.
No frigir dos ovos, dois oficiais
de Registro de Imóveis de Cuiabá
me lamentavam o fato de não terem podido acolher um só registro de transação rural de imóveis
com mais de 1.000 ha, nos últimos
meses, exclusivamente por falta
da referência geodésica, a ser suprida pelo órgão do governo. A
partir de outubro, o limite de vedação de registro baixará para
imóveis acima de 500 ha, em todo
o Brasil. Num Estado como Mato
Grosso, onde o agronegócio abre
fronteiras de progresso para todos
os brasileiros, esse é apenas mais
um exemplo das crescentes dificuldades "microeconômicas" de
tentar empreender. São investimentos que, muitas vezes, deixam
de ser realizados pelas travas burocráticas erguidas sucessivamente pelo poder público parasitário.
Mas antes fosse só isso.
Na mesma cidade de Cuiabá,
será sempre muito mais simples, a
qualquer cidadão comum, invadir uma área e ocupá-la com um
barraco do que tentar obter acesso legal à propriedade de um pequeno lote regularizado, tamanhas são as travas legais e burocráticas para empreender, comprar ou retomar um imóvel popular.
Crédito, nem pensar. Por isso,
com a discreta ajuda do poder político, Cuiabá é hoje cravejada
por quase 80 áreas de invasão
fundiária urbana, o que teria feito um gestor imobiliário local exclamar, aflito, no título de sua
monografia de fim de curso:
"Cuiabá, uma grande invasão!".
Esse é apenas mais um entre milhares e milhares de outros casos
da desordem urbanística do país.
Claro está que todas essas impossibilidades vão, aos poucos, roubando a força e a beleza do conjunto macroeconômico chamado
Brasil, cujo imenso potencial segue sendo corroído, apesar dos
constantes alertas de tantos pequenos sinais.
Paulo Rabello de Castro, 55, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de
crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br
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