São Paulo, sexta-feira, 04 de agosto de 2006

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Arejando o debate econômico

NA ÚLTIMA segunda-feira, participei, na Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, de um debate sobre os rumos da política econômica no próximo governo. A chamada para o encontro, no convite que nos foi enviado, falava da oportunidade aberta pelas eleições presidenciais de outubro para discutir uma nova agenda para a economia. Não por outra razão, a questão do desenvolvimento foi o centro dos debates. O controle da inflação, felizmente, foi colocado no seu devido lugar e não foi o centro das intervenções de conferencistas e debatedores, como acontecia no passado.


O tamanho do Estado, os altos juros, a lentidão da Justiça e a burocracia ainda impedem nosso crescimento


Nesse encontro, fiz uma observação que me parece importante passar para o leitor da Folha. Disse que, além da oportunidade que uma eleição presidencial abre para esse debate, uma outra devia ser levantada: pela primeira vez, em muitas décadas, o presidente a ser eleito vai encontrar uma economia livre de alguns problemas estruturais que perseguiram seus antecessores por várias décadas. Essa nova realidade permite que seu governo se concentre em reformas que restaurem a racionalidade, a eficiência e a capacidade de crescer da economia brasileira. É sobre isso que eu gostaria de conversar hoje com meu leitor. Acredito que o objetivo maior de uma política econômica seja, via crescimento do emprego e renda, o de melhorar a vida dos brasileiros. Nos últimos anos, gastamos quase toda a nossa energia para sair de um verdadeiro inferno em que entramos no final da década de 70 do século passado. Antes do Plano Real, a política econômica procurava apenas evitar que afundássemos no atoleiro social e político da hiperinflação aberta. Depois de 1995, continuamos patinando na armadilha da fragilidade das contas externas, cujos choques periódicos contaminavam a inflação e os juros e não permitiam ao país crescer. Há mais de 25 anos, portanto, não tínhamos condições para organizar uma política econômica voltada para o crescimento sustentado. O resultado de toda essa luta defensiva foi um longo período de estagnação da renda real do brasileiro. O deputado Delfim Netto lembrou, no seminário da FGV, que, mantido o crescimento dos últimos anos, a renda do brasileiro dobraria somente depois de longos 80 anos. Realmente é um recorde às avessas entre as economias chamadas emergentes. A boa nova é que essa névoa escura e triste que envolveu a sociedade brasileira está se dissipando, apesar do pessimismo ainda reinante em muitos analistas que olham para o retrovisor. A inflação está controlada, e o país fez um brutal ajuste das contas externas, ajudado pelo vento de cauda da economia mundial. A prevalecer o ritmo atual de acumulação de reservas internacionais, a dívida externa líquida (pública e privada) estará praticamente eliminada em dois ou três anos. Mesmo considerando a esperada desaceleração da economia mundial e as ondas de volatilidade que podem acontecer, o risco de um choque cambial impactar a inflação como no passado é hoje muito menor. Finalmente, podemos olhar com confiança para o futuro. Para tanto, é necessário separar os problemas reais ainda existentes dos mitos construídos no passado e discutir alternativas para voltarmos a crescer. Os principais problemas que ainda impedem o crescimento, mesmo depois da estabilização de nossa moeda e da virtual eliminação da restrição externa, são o tamanho do Estado (carga tributária bruta próxima a 40% do PIB com uma estrutura de impostos irracional e perversa), a pequena -ou até negativa- contribuição dos gastos públicos elevados para a produtividade da economia, uma taxa de juros ainda incrivelmente alta para o mundo econômico de hoje e os obstáculos de ordem microeconômica (lentidão da Justiça, excesso de burocracia e baixa qualidade institucional em geral), que amarram o funcionamento eficiente das empresas e dos mercados. Do lado dos mitos, o principal é sem dúvida o de que não podemos viver com juros reais inferiores a 10% ao ano sem que a inflação volte a subir. Uma política econômica inteligente certamente será capaz de enterrá-lo definitivamente, inclusive usando o apetite dos investidores estrangeiros por títulos brasileiros denominados em reais como instrumento para trazer de forma sustentada os juros internos a níveis bem mais baixos.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 63, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
lcmb2@terra.com.br


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