São Paulo, Sábado, 04 de Setembro de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Um grande salto para o passado

JOAQUIM QUINTILIANO DA FONSECA JÚNIOR

O comercial do carro futurista que passa e deixa tudo com cara de passado ilustra com perfeição o que está acontecendo na discussão da reforma tributária. Só que no sentido inverso. Cada página virada do projeto de reforma do deputado Mussa Demes cria a sensação de que estamos inaugurando o passado e abandonando as boas perspectivas de futuro.
Depois da estabilidade da moeda, um sistema tributário equilibrado será o principal agente de promoção social da população brasileira. Passados cinco anos, a estabilidade tem seus efeitos parcialmente comprometidos pela abertura dos mercados, pela modernização tecnológica e pela adequação das empresas ao novo modelo competitivo, fatores com efeitos dramáticos na oferta de empregos. Escapar desse triângulo, que aponta para a crise, exige a realização de investimentos. E, nesse sentido, a reforma tributária, a revolução tributária será essencial para revigorar a capacidade de investimento das empresas.
Para quem espera uma revolução, o que nasceu, até agora, das discussões travadas em Brasília foi uma emenda muito pior do que o soneto. O que nasceu de meses de discussão foi um projeto que mantém toda a complexidade do atual sistema de pagamento de tributos e a mesma carga tributária estratosférica que tem sufocado a todos nos dias de hoje. Como no caso do comercial de TV, a situação apresentada é inversamente proporcional à frase de Neil Armstrong, ao pisar o solo da Lua: a proposta de reforma tributária em discussão é um pequeno passo para a sociedade brasileira e um grande salto para o passado.
A favor do projeto, registre-se, está a desoneração das exportações, mas isso é pouco para quem tem a expectativa de ver a casa em ordem. Vamos aos fatos. O impacto da carga tributária no bolso do consumidor brasileiro é tão violento que acaba servindo mesmo de estímulo à sonegação. E não é isso o que queremos. A premissa básica é a ampliação do universo de contribuintes, para que a arrecadação seja mantida nos níveis atuais, com redução da carga tributária para as empresas.
É bom lembrar que, quando pega um produto na prateleira de um supermercado, uma dona-de-casa está, na verdade, pagando por dois. Junto com a lata de massa de tomates vai um produto invisível, que representa, mais ou menos, 40% do valor expresso pelo código de barras: um pacote de tributos. Nem vale a pena discutir aqui se a dona-de-casa está realmente recebendo aquele produto que leva sem ver e sem querer, na forma de educação, saúde e segurança. O fato é que o Brasil vende impostos aos seus consumidores.
Ainda é tempo de evitar esse salto ao passado. O país tem revelado algumas surpresas no desenho do novo modelo tributário, entre elas a criação do imposto sobre transações financeiras. Goste-se dele ou não, é impossível deixar de reconhecer sua universalidade, sua simplicidade no recolhimento e sua confiabilidade. Não há brechas nem possibilidade de evasão. Num processo de revisão do sistema tributário, os países europeus têm se interessado pelo imposto brasileiro e são até capazes de implantar primeiro soluções que nós mesmos encontramos.
As contas mais rigorosas mostram que os impostos declaratórios, aqueles que pagamos com guias de recolhimento todos os meses, representam um custo para as empresas da ordem de 5%. Só para cuidar da arrecadação desses impostos e da fiscalização das empresas, o Estado perde cerca de 10% da receita.
O custo do imposto declaratório seria extinto com o imposto sobre transações financeiras. Para os que reclamam do modelo da nossa CPMF, bastaria que as aplicações financeiras não fossem tributadas, ficando a tributação restrita ao lucro auferido nas transações.
A reforma em gestação no Congresso tende a ser uma maquiagem do sistema atual, com a troca do atual ICMS, imposto declaratório e sonegado porque a alíquota está em torno de 17%, pelo IVA, que também será declaratório e também incidirá sobre o faturamento das empresas, além de estabelecer uma alíquota que faz inveja a qualquer outro tributo, na casa de 30% a 35%. O imposto calculado sobre o faturamento impõe outra situação penosa aos empresários. Com a inadimplência em alta, a empresa tem de pagar os impostos sem receber pelo produto que vendeu. Surge, assim, um imposto informal, a taxa de risco que o comerciante ou o industrial fica obrigado a embutir no preço do serviço ou produto.
O Congresso e o governo podem oferecer à sociedade brasileira dois caminhos. A desoneração das empresas e a simplificação dos impostos levam ao futuro e à possibilidade de lubrificar as engrenagens da economia brasileira. Maquiar o que temos hoje, dando novos nomes para fórmulas velhas, representará um salto para o passado.


Joaquim Quintiliano da Fonseca Júnior, 51, administrador de empresas, é presidente da Confederação das Associações Comerciais do Brasil (CACB).

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