|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LETRA CAPITAL
Sen resgata a relevância da ética na economia
OSCAR PILAGALLO
Editor de Dinheiro
As pessoas agem
motivadas apenas
pelo interesse próprio ou suas opções
são influenciadas
também por considerações de ordem ética?
Para a teoria econômica dominante, o que importa é apenas o
auto-interesse. Para Amartya Sen,
economista indiano que ganhou
o Nobel do ano passado, sentimentos como a solidariedade não
podem ser desprezados em análises econômicas, sob pena de incompreensão de parte dos estímulos que moldam a realidade.
Sen alinha-se à contracorrente
no livro "Sobre Ética e Economia", de 1987, que, mesmo publicado no Brasil 12 anos mais tarde,
mantém-se atual.
Para Amartya Sen, não há evidências de que a tentativa de maximizar os ganhos pessoais seja o
aspecto que melhor reflita o comportamento humano.
Não se trata de atribuir ao homem qualidades magnânimas.
Ou, como diz Sen, de "afirmar
que as pessoas sempre agirão de
maneiras que elas próprias defendem moralmente". Trata-se, simplesmente, de reconhecer que "as
deliberações éticas não podem ser
totalmente irrelevantes para o
comportamento humano real".
O fato de a teoria econômica subestimar a ética resulta de um
progressivo afastamento entre as
duas abordagens que, para Sen,
foi provocado por interpretações
equivocadas de filósofos e economistas. Portanto, é natural que ele
proponha a releitura de clássicos.
Sen remonta a Aristóteles (384
a.C.-322 a.C.). Lembra que o filósofo grego, para quem "a riqueza
não é o bem que buscamos, sendo
ela apenas útil e no interesse de
outra coisa", associa o tema da
economia aos fins humanos.
Na tentativa de estabelecer uma
linhagem de pensamento econômico que valoriza a ética, Sen cita
Karl Marx e procura resgatar
Adam Smith, que, para seus
"exaltados seguidores", seria o
guru do auto-interesse.
Ao escocês Smith (1723-1790) é
atribuído o primeiro trabalho de
peso sobre o "laissez-faire", que
estabelece os princípios da economia liberal, de mercado.
Mesmo assim, Amartya Sen não
abre mão de Smith. Estende-se
sobre a questão da fome epidêmica, cuja causa o autor de "A Riqueza das Nações" diz ser a escassez de alimentos. Sen, ele próprio,
ganhou notoriedade ao argumentar que a fome é, antes, consequência da má distribuição de
renda. Mas "desculpa" Smith,
afirmando que, afinal, ele não se
opôs à ajuda aos pobres com dinheiro público.
"A interpretação errônea da
postura complexa de Smith com
respeito à motivação e aos mercados e o descaso por sua análise ética dos sentimentos e do comportamento refletem bem quanto a
economia se distanciou da ética
com o desenvolvimento da economia moderna", escreve ele.
Sen contesta também o conceito de eficiência conhecido por
"otimalidade de Pareto", que tem
sido usado em favor da tese do
auto-interesse como único indutor de comportamento.
Ele se refere, embora não se
preocupe em contextualizar, ao
economista e sociólogo italiano
Vilfredo Pareto (1848-1923), que
estabeleceu os fundamentos da
economia do bem-estar social.
O ponto ótimo de sua teoria
corresponde àquele em que é impossível para um indivíduo melhorar de vida sem, com isso, prejudicar a vida do outro.
Nessa concepção, "se uma mudança for vantajosa para cada
pessoa, tem de ser uma mudança
proveitosa para a sociedade".
Amartya Sen retruca, porém, que
"identificar vantagem com utilidade nada tem de óbvio". Afirma
ele: "Não é verdade que qualquer
movimento que se desvie de um
estado ótimo de Pareto para outro não-ótimo deva reduzir a utilidade agregada".
Ou seja, seria possível que um
indivíduo, motivado por razões
éticas, abrisse mão de uma vantagem pessoal para que outro progredisse sem, com isso, ameaçar a
eficiência econômica. E ele faria
isso ao perceber que seria melhor
para o conjunto da sociedade. O
corolário é que, se a sociedade ganha, ele ganha também.
"Sobre Ética...", o primeiro trabalho de Sen a sair no Brasil, é um
livro híbrido, que fica no meio do
caminho entre a teoria e a prática.
Embora baseado em conferências, não é uma obra de divulgação. Mas também não chega a ser,
tampouco, uma formulação original (ele próprio se dedicara ao
assunto em trabalhos anteriores).
Talvez por isso seja um livro
que, apesar de acessível ao leigo,
não é de leitura fácil. Quanto à tradução, em geral flui, mas há tropeços que atrapalham o sentido,
como o de preferir "simpatia" a
"solidariedade" para a expressão
em inglês "sympathy".
De qualquer maneira, sua publicação no Brasil, num momento
em que cresce a oposição ao modelo liberal, é oportuna.
O livro, aliás, chega logo após
Sen ter sido alvo de um ataque
descabido do governo brasileiro
porque, criador do índice que
mede o desenvolvimento humano adotado pela ONU, ele alterou
a metodologia, o que acabou rebaixando a classificação do Brasil
e melhorando a da Índia.
Não é o tipo de debate em que
Sen entraria. Sua atenção está
mais voltada para o resgate da ética no mundo da economia, tarefa
que, ele sabe, não é fácil.
A OBRA
Sobre Ética e Economia -
Amartya Sen. Tradução de Laura
Teixeira Motta, com revisão técnica de Ricardo Doninelli Mendes.
Companhia das Letras. 143 páginas. R$ 19.
www.companhiadasletras.com.br
Texto Anterior: Opinião econômica - Joaquim Quintiliano da Fonseca Júnior: Um grande salto para o passado Próximo Texto: Luís Nassif: A fritura de Malan Índice
|