São Paulo, Sábado, 04 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

A fritura de Malan

Acabou-se o tempo político do ministro da Fazenda, Pedro Malan. Na quinta, pessoas do círculo mais próximo a FHC ajudaram na ampliação das críticas do ministro do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho, contra ele. Antes disso, seu comportamento já havia sido alvo de críticas fortes no âmbito da própria Câmara do Desenvolvimento -ou o nome que se dê à reunião semanal que ocorre entre FHC e os ministros da Fazenda, do Desenvolvimento, da Integração Nacional, Agricultura e presidentes do Banco do Brasil e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), coordenados pela Casa Civil.
Em uma das últimas reuniões, foi levada à Câmara proposta de tirar empresários inadimplentes junto ao fisco da lista do Cadim (o cadastro dos devedores da União). A inclusão nessa lista automaticamente impede os empresários de tomar empréstimo junto a bancos oficiais e vender para o governo. A Câmara acordou que se deveria acabar com esse índex.
No meio da semana, Malan por conta própria soltou uma portaria que se limitava a impedir que a inclusão na lista fosse motivo para a não-concessão de crédito oficial. Na reunião seguinte da Câmara, foi severamente admoestado por Clóvis Carvalho e o ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente, que criticaram o fato de ter agido por conta própria, atropelando o consenso da Câmara e tomando medida que consideraram insuficiente para sanar a questão.
É apenas um capítulo a mais na lista de decisões que emperram na Fazenda por conta da falta de comando de Malan. O caso mais acintoso é o da regulamentação dos planos de saúde, que está desde outubro do ano passado na gaveta do superintendente da Superintendência de Seguros Privados (Susep) -uma demora não apenas escandalosa em si, mas tremendamente negativa para a imagem do governo, dada a repercussão que cercou a lei dos planos de saúde. Mas, no caso do Cadim, a crítica foi do grupo central de poder.
No fundo, o que ocorre é que Malan já cumpriu o papel que lhe foi atribuído por FHC. Nesses quatro anos, por conta de uma visão torta de análise política, atribuiu-se a Malan poder político, ambição na carreira, ligações com ACM e PFL etc.
Tratava-se de amplo exagero, típico de um certo tipo de análise brasiliense. Malan nunca deu provas concretas de apego ao poder nem de se prestar a manobras políticas de facções aliadas. Eventualmente, recebia apoio de ACM apenas por questão tática da parte deste, como um anteparo a José Serra, mas jamais deixou de ser FHC.
Deu a FHC a liberdade que este queria para rebater a influência do PSDB e de outros grupos de apoio e poder dar trombadas econômicas sozinho, sem ser incomodado. Na época, essa postura reativa e amorfa era enaltecida por Malan e seu chefe como necessária para acabar com o nível de adrenalina que sempre cercou a política econômica. O desafio era restabelecer a previsibilidade -foi esta a fundamentação teórica para a inércia política que viu, dia após dia, aproximar-se o desastre dos juros e do câmbio sem tomar uma atitude proativa sequer.
Após a crise cambial, mudou a cabeça de FHC e do país. O presidente percebeu que ou tratava de governar ou não chegaria ao fim de seu governo e passou a valorizar outros paradigmas. Em lugar de enaltecer as posturas previsíveis, passou a cobrar ação, gerenciamento, resultados. E aí não havia mais espaço para Malan.
Como FHC é extremamente lento em seu processo de tomada de decisão, aparentemente está sendo auxiliado por seu corpo mais próximo de auxiliares, que dia após dia adiciona mais óleo à fritura de Malan.
O aparente recuo de Clóvis Carvalho nas críticas a Malan ameniza, mas não altera, a natureza da fritura. Demonstra apenas como esse estilo de FHC é desnecessariamente longo, custoso e cruel para com os próprios amigos.


E-mail: lnassif@uol.com.br



Texto Anterior: Letra capital - Oscar Pilagallo: Sen resgata a relevância da ética na economia
Próximo Texto: Criação & consumo - Marcelo Pires: Primo do homem das cavernas
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.