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OPINIÃO ECONÔMICA
Migalhas e tostões
JOÃO SAYAD
Somos pequenos, mirrados,
pães-duros.
Economizamos migalhas, brigamos por tostões.
Pensamos como calouros da
Escola de Fuzileiros, acreditamos no manual, obedecemos
qualquer regra com medo do
castigo.
O Supremo Tribunal Federal
julgou inconstitucional a cobrança de contribuição previdenciária sobre os servidores
inativos. Estava prevista a arrecadação desse imposto entre R$
700 milhões e R$ 3 bilhões para
2001.
Não sei explicar as razões da
decisão do STF. Mas consigo deduzir: os aposentados têm direito de receber de volta e integralmente um pagamento que fizeram durante todos os meses durante 30 anos. Reduzir esse pagamento seria equivalente a dar
um calote na dívida interna, a
declarar moratória na dívida
externa.
Não há razões para pânicos ou
chiliques. A decisão do STF evita
a arrecadação de, no máximo,
R$ 3 bilhões. Não é nada para
quem produz R$ 900 bilhões todos os anos, arrecada impostos
de R$ 180 bilhões, tem dívida de
R$ 450 bilhões sobre a qual paga
todos os anos R$ 90 bilhões de
juros, ou seja, R$ 7,5 bilhões de
juros por mês.
A contribuição sobre os inativos não é nada. Representa, no
máximo, 2% da arrecadação total, ou 4% do pagamento dos juros. O Banco Central consegue
economizar essa quantia com
facilidade e daqui a pouco.
Mesmo assim, o mercado financeiro reagiu. As taxas de juros e o dólar subiram. Por quê?
O mercado reagiu porque sabia que o mercado ia reagir.
O mercado reage como o jurado do concurso de Miss Brasil
que tem que votar não na mulher que acha mais bonita, mas
na mulher que todos vão achar
mais bonita. E todos os jurados
se comportam da mesma forma:
um processo de adivinhação de
terceiro grau.
O governo sofre uma derrota
política e, deselegantemente,
acusa o STF de ter reagido contra o teto salarial de R$ 10 mil
contra os R$ 12 mil pretendidos.
Vinte por cento de diferença para juízes, desembargadores,
membros dos tribunais do país
todo. Os 20% fazem tanta diferença assim?
Foi derrota dolorosa a troco de
migalhas e moedinhas.
É fácil entender tantos desastres e tanta inabilidade política.
Estamos vivendo sob a ditadura dos tesoureiros e da máxima
"de grão em grão a galinha enche o papo".
Cada grão tem um custo diferente -inconstitucional neste
caso, cruel e absurdo no outro,
politicamente desastroso no outro.
Não importa. O governo vai
cobrando de velhinhos e velhinhas, tirando metade das cestas
básicas dos esfomeados, cancelando uma bolsa de estudo no
exterior, atrasando um pagamento aqui, evitando outro acolá. Que obstinação! Que perda
de tempo para os juízes, para os
talentos do governo, para jornalistas! Quanto tempo e dinheiro
gasto à toa!
Não é de estranhar que a popularidade do presidente Fernando Henrique Cardoso esteja
baixa. Nem que o país vá mal. A
tarefa de recolher trocados não
entusiasma. Talvez nem o FMI
concorde com essa sovinice miúda.
Um pouquinho mais de crescimento, por intermédio de gastos
ou redução de impostos, arrecadaria mais do que a morte de todos os inativos.
Essa é a política econômica
atual: agachados no chão, olhos
apertados e lupas, estamos procurando moedinhas perdidas
embaixo dos móveis ou nas calçadas. Uma política micha, obcecada com bobagens.
Com essa orientação, todos fazem pronunciamentos políticos
desastrosos: não existe desemprego, aposentados deveriam
trabalhar mais, o FMI não pode
ajudar a pobreza, a culpa é do
Congresso, a culpa não é do
Congresso.
Ai que saudades da grandeza
do Juscelino!
João Sayad, 53, economista, professor da
Faculdade de Economia e Administração
da USP, ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney) e autor de "Que País é
Este?" (Editora Revan), escreve às segundas
nesta coluna. E-mail: jsayad@ibm.net
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