São Paulo, Segunda-feira, 04 de Outubro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA
Migalhas e tostões

JOÃO SAYAD
Somos pequenos, mirrados, pães-duros.
Economizamos migalhas, brigamos por tostões.
Pensamos como calouros da Escola de Fuzileiros, acreditamos no manual, obedecemos qualquer regra com medo do castigo.
O Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a cobrança de contribuição previdenciária sobre os servidores inativos. Estava prevista a arrecadação desse imposto entre R$ 700 milhões e R$ 3 bilhões para 2001.
Não sei explicar as razões da decisão do STF. Mas consigo deduzir: os aposentados têm direito de receber de volta e integralmente um pagamento que fizeram durante todos os meses durante 30 anos. Reduzir esse pagamento seria equivalente a dar um calote na dívida interna, a declarar moratória na dívida externa.
Não há razões para pânicos ou chiliques. A decisão do STF evita a arrecadação de, no máximo, R$ 3 bilhões. Não é nada para quem produz R$ 900 bilhões todos os anos, arrecada impostos de R$ 180 bilhões, tem dívida de R$ 450 bilhões sobre a qual paga todos os anos R$ 90 bilhões de juros, ou seja, R$ 7,5 bilhões de juros por mês.
A contribuição sobre os inativos não é nada. Representa, no máximo, 2% da arrecadação total, ou 4% do pagamento dos juros. O Banco Central consegue economizar essa quantia com facilidade e daqui a pouco.
Mesmo assim, o mercado financeiro reagiu. As taxas de juros e o dólar subiram. Por quê?
O mercado reagiu porque sabia que o mercado ia reagir.
O mercado reage como o jurado do concurso de Miss Brasil que tem que votar não na mulher que acha mais bonita, mas na mulher que todos vão achar mais bonita. E todos os jurados se comportam da mesma forma: um processo de adivinhação de terceiro grau.
O governo sofre uma derrota política e, deselegantemente, acusa o STF de ter reagido contra o teto salarial de R$ 10 mil contra os R$ 12 mil pretendidos. Vinte por cento de diferença para juízes, desembargadores, membros dos tribunais do país todo. Os 20% fazem tanta diferença assim?
Foi derrota dolorosa a troco de migalhas e moedinhas.
É fácil entender tantos desastres e tanta inabilidade política.
Estamos vivendo sob a ditadura dos tesoureiros e da máxima "de grão em grão a galinha enche o papo".
Cada grão tem um custo diferente -inconstitucional neste caso, cruel e absurdo no outro, politicamente desastroso no outro.
Não importa. O governo vai cobrando de velhinhos e velhinhas, tirando metade das cestas básicas dos esfomeados, cancelando uma bolsa de estudo no exterior, atrasando um pagamento aqui, evitando outro acolá. Que obstinação! Que perda de tempo para os juízes, para os talentos do governo, para jornalistas! Quanto tempo e dinheiro gasto à toa!
Não é de estranhar que a popularidade do presidente Fernando Henrique Cardoso esteja baixa. Nem que o país vá mal. A tarefa de recolher trocados não entusiasma. Talvez nem o FMI concorde com essa sovinice miúda.
Um pouquinho mais de crescimento, por intermédio de gastos ou redução de impostos, arrecadaria mais do que a morte de todos os inativos.
Essa é a política econômica atual: agachados no chão, olhos apertados e lupas, estamos procurando moedinhas perdidas embaixo dos móveis ou nas calçadas. Uma política micha, obcecada com bobagens.
Com essa orientação, todos fazem pronunciamentos políticos desastrosos: não existe desemprego, aposentados deveriam trabalhar mais, o FMI não pode ajudar a pobreza, a culpa é do Congresso, a culpa não é do Congresso.
Ai que saudades da grandeza do Juscelino!



João Sayad, 53, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney) e autor de "Que País é Este?" (Editora Revan), escreve às segundas nesta coluna. E-mail: jsayad@ibm.net




Texto Anterior: Petróleo sobe 130% no ano
Próximo Texto: Fisco: Fazenda de SP cria ouvidoria
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.