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São Paulo, sábado, 04 de outubro de 2003

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COMÉRCIO MUNDIAL

Chanceler brasileiro diz que pressão dos norte-americanos a países que integram o G20plus é "destrutiva"

EUA fazem ameaças pela Alca, diz Brasil

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O chanceler Celso Amorim criticou ontem com dureza as pressões dos Estados Unidos sobre países que fazem parte do G20plus, liderado pelo Brasil: "É uma coisa muito lamentável, muito destrutiva".
Amorim diz que os EUA não estão convencendo os países, "mas fazendo ameaças, e todos sabemos o poder de fogo dos Estados Unidos, em todos os sentidos".
A reação do chanceler tem como alvo principal, embora ele não o tenha explicitado, a retirada da Colômbia do G20plus, que o Brasil construiu para tentar obter a liberalização agrícola dos países ricos, na recém-fracassada Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio), em Cancún.
O presidente Álvaro Uribe, depois de pressionado nos Estados Unidos, acaba de anunciar a saída da Colômbia do G20plus e o apoio à proposta norte-americana de uma Alca (Área de Livre Comércio das Américas) abrangente.
Na reunião técnica da Alca que terminou ontem em Port of Spain (Trinidad e Tobago), colidiram duas propostas: a do Mercosul, que defende uma "Alca light", e a dos EUA, que preferem uma "Alca ambiciosa", mas que exclua temas sensíveis para os norte-americanos como a legislação antidumping e a proteção agrícola.

Ajuda a Uribe
Ao falar do "poder de fogo" dos EUA, é óbvio que Amorim está se referindo ao Plano Colômbia, o pacote orçado no total em US$ 7,5 bilhões do qual depende a sobrevivência do governo Uribe.
Mas dois países do G20plus (México e Chile) também estão defendendo uma "Alca abrangente", sem que se tenham tornado públicas pressões norte-americanas.
Apesar da dura crítica, o chanceler brasileiro diz que prefere acreditar menos nos documentos postos à mesa pela delegação norte-americana em Port of Spain e mais nas declarações de Robert Zoellick, chefe do USTr, uma espécie de ministério do comércio exterior norte-americano.
Zoellick, em recente entrevista ao jornal "The Miami Herald", admitiu que poderia haver um escalonamento na entrada em vigor de certos pontos da Alca, como as regras para investimentos.
Diz Amorim: "Também defendo uma Alca sem camisa-de-força nem positiva nem negativa. Ou seja, quem quiser adotar regras para investimentos, por mais abrangentes que sejam, que o faça, mas quem não quiser deve ter liberdade para não adotá-las".

Só em Miami
O impasse acaba jogando mesmo para Miami, sede da próxima Conferência Ministerial da Alca, a quase impossível tarefa de desfazer o nó que está emperrando a negociação para construir esse conglomerado de 34 países.
A reunião em Port of Spain do CNC (Comitê de Negociação Comercial), a principal instância técnica, deveria limpar ao menos parte dos 7.000 pontos de divergência contidos no esboço de declaração final já preparado para Miami.
Em vez disso, sobreviveram diferentes propostas de declaração final, entre elas a do Mercosul e a dos Estados Unidos.
A do Mercosul propõe o esquema batizado de "três trilhos", dos quais o menos ambicioso é precisamente o da Alca.
Já a proposta norte-americana se diz ambiciosa, mas elimina da discussão na Alca os subsídios concedidos aos produtores rurais e a legislação antidumping, ou seja, os mecanismos para prevenir ou punir a entrada de bens vendidos a preço de custo ou abaixo do custo (o dumping).
A posição norte-americana de tirar da pauta esses dois itens irritou países que vinham defendendo uma agenda ambiciosa para a Alca.
Mesmo o Uruguai, que vem insistindo em um acordo com os Estados Unidos, até passando por cima do Mercosul, apresentou documento em que diz que "os resultados [da Alca] somente poderão considerar-se justos e equilibrados na medida em que se eliminem os subsídios à exportação de produtos agrícolas, em todas as suas formas, desde o primeiro dia da vigência do acordo".

Direção oposta
A Venezuela, que chegou a ser mencionada até em jornais brasileiros como favorável à proposta norte-americana, foi na direção oposta: Victor Alvarez, chefe da delegação venezuelana, disse ontem que "a falta de vontade e de criatividade para encarar as dificuldades e o recente efeito OMC-Cancún deixam clara a inviabilidade da data prevista, assim como a necessidade de revisar o conteúdo da ampla proposta inicial".
Ou seja, os venezuelanos não aceitam nem a agenda ambiciosa nem a data de 2005, fixada para o término da negociação da Alca. Também os 15 países do Caricom (Comunidade Caribenha) se aproximam da posição brasileira.
"Há um sentimento geral entre as delegações de que o atual ponto morto nas negociações torna impossível completá-las em todas as áreas", disse ontem o ministro anfitrião, Ken Valley.
Equivale a defender uma "Alca light", como a batizou o chanceler brasileiro Celso Amorim.
De todo modo, não houve em Port of Spain uma tomada de votos para saber qual proposta tem maioria, até porque processos negociadores comerciais não funcionam na base do voto, mas do consenso.


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