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COMÉRCIO MUNDIAL
Chanceler brasileiro diz que pressão dos norte-americanos a países que integram o G20plus é "destrutiva"
EUA fazem ameaças pela Alca, diz Brasil
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O chanceler Celso Amorim criticou ontem com dureza as pressões dos Estados Unidos sobre
países que fazem parte do
G20plus, liderado pelo Brasil: "É
uma coisa muito lamentável,
muito destrutiva".
Amorim diz que os EUA não estão convencendo os países, "mas
fazendo ameaças, e todos sabemos o poder de fogo dos Estados
Unidos, em todos os sentidos".
A reação do chanceler tem como alvo principal, embora ele não
o tenha explicitado, a retirada da
Colômbia do G20plus, que o Brasil construiu para tentar obter a liberalização agrícola dos países ricos, na recém-fracassada Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio),
em Cancún.
O presidente Álvaro Uribe, depois de pressionado nos Estados
Unidos, acaba de anunciar a saída
da Colômbia do G20plus e o
apoio à proposta norte-americana de uma Alca (Área de Livre Comércio das Américas) abrangente.
Na reunião técnica da Alca que
terminou ontem em Port of Spain
(Trinidad e Tobago), colidiram
duas propostas: a do Mercosul,
que defende uma "Alca light", e a
dos EUA, que preferem uma "Alca ambiciosa", mas que exclua temas sensíveis para os norte-americanos como a legislação antidumping e a proteção agrícola.
Ajuda a Uribe
Ao falar do "poder de fogo" dos
EUA, é óbvio que Amorim está se
referindo ao Plano Colômbia, o
pacote orçado no total em US$ 7,5
bilhões do qual depende a sobrevivência do governo Uribe.
Mas dois países do G20plus
(México e Chile) também estão
defendendo uma "Alca abrangente", sem que se tenham tornado
públicas pressões norte-americanas.
Apesar da dura crítica, o chanceler brasileiro diz que prefere
acreditar menos nos documentos
postos à mesa pela delegação norte-americana em Port of Spain e
mais nas declarações de Robert
Zoellick, chefe do USTr, uma espécie de ministério do comércio
exterior norte-americano.
Zoellick, em recente entrevista
ao jornal "The Miami Herald",
admitiu que poderia haver um escalonamento na entrada em vigor
de certos pontos da Alca, como as
regras para investimentos.
Diz Amorim: "Também defendo uma Alca sem camisa-de-força
nem positiva nem negativa. Ou
seja, quem quiser adotar regras
para investimentos, por mais
abrangentes que sejam, que o faça, mas quem não quiser deve ter
liberdade para não adotá-las".
Só em Miami
O impasse acaba jogando mesmo para Miami, sede da próxima
Conferência Ministerial da Alca, a
quase impossível tarefa de desfazer o nó que está emperrando a
negociação para construir esse
conglomerado de 34 países.
A reunião em Port of Spain do
CNC (Comitê de Negociação Comercial), a principal instância técnica, deveria limpar ao menos
parte dos 7.000 pontos de divergência contidos no esboço de declaração final já preparado para
Miami.
Em vez disso, sobreviveram diferentes propostas de declaração
final, entre elas a do Mercosul e a
dos Estados Unidos.
A do Mercosul propõe o esquema batizado de "três trilhos", dos
quais o menos ambicioso é precisamente o da Alca.
Já a proposta norte-americana
se diz ambiciosa, mas elimina da
discussão na Alca os subsídios
concedidos aos produtores rurais
e a legislação antidumping, ou seja, os mecanismos para prevenir
ou punir a entrada de bens vendidos a preço de custo ou abaixo do
custo (o dumping).
A posição norte-americana de
tirar da pauta esses dois itens irritou países que vinham defendendo uma agenda ambiciosa para a
Alca.
Mesmo o Uruguai, que vem insistindo em um acordo com os
Estados Unidos, até passando por
cima do Mercosul, apresentou
documento em que diz que "os
resultados [da Alca] somente poderão considerar-se justos e equilibrados na medida em que se eliminem os subsídios à exportação
de produtos agrícolas, em todas
as suas formas, desde o primeiro
dia da vigência do acordo".
Direção oposta
A Venezuela, que chegou a ser
mencionada até em jornais brasileiros como favorável à proposta
norte-americana, foi na direção
oposta: Victor Alvarez, chefe da
delegação venezuelana, disse ontem que "a falta de vontade e de
criatividade para encarar as dificuldades e o recente efeito OMC-Cancún deixam clara a inviabilidade da data prevista, assim como
a necessidade de revisar o conteúdo da ampla proposta inicial".
Ou seja, os venezuelanos não
aceitam nem a agenda ambiciosa
nem a data de 2005, fixada para o
término da negociação da Alca.
Também os 15 países do Caricom
(Comunidade Caribenha) se
aproximam da posição brasileira.
"Há um sentimento geral entre
as delegações de que o atual ponto
morto nas negociações torna impossível completá-las em todas as
áreas", disse ontem o ministro anfitrião, Ken Valley.
Equivale a defender uma "Alca
light", como a batizou o chanceler
brasileiro Celso Amorim.
De todo modo, não houve em
Port of Spain uma tomada de votos para saber qual proposta tem
maioria, até porque processos negociadores comerciais não funcionam na base do voto, mas do
consenso.
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