São Paulo, segunda-feira, 04 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Uma nova substituição de importações

FERNANDO J. RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Toda a história de desenvolvimento da economia brasileira a partir do início do século 20 está ligada à chamada "substituição de importações". O processo ganhou fôlego nos anos 1930, como reação à crise gerada pela Grande Depressão, e consolidou-se após a 2ª Guerra, tornando-se uma estratégia deliberada de desenvolvimento. O modelo perdurou até o final dos anos 80.
Nos anos 90, dois fatos induziram à abertura comercial. Primeiro, diversos diagnósticos que identificavam o fraco desempenho econômico do país com o esgotamento do processo de desenvolvimento baseado na substituição de importações. Segundo, a conjuntura internacional extremamente favorável, com forte expansão dos fluxos de comércio e farta disponibilidade de capitais para financiar os países chamados "emergentes", como o Brasil.
Após décadas de elevado protecionismo, o quantum importado multiplicou-se por quatro entre 1990 e 1998 e o país passou a registrar grandes déficits comerciais, que chegaram a quase US$ 7 bilhões em 1997. As discussões sobre as importações voltou à cena, pois a economia brasileira parecia estar voltando a viver um drama que a acompanha pelo menos desde o século 19 e que já havia provocado estragos consideráveis, como a crise da dívida externa que deu início à "década perdida" dos anos 1980. Antigamente, esse drama era chamado de "escassez de divisas" e foi o que motivou a adoção da substituição de importações. Hoje é "vulnerabilidade externa".
Após alguns anos e algumas crises, verifica-se agora que o país passou, de fato, por um novo processo de substituição de importações. Isso pode ser confirmado pela queda das importações como proporção do consumo aparente. Segundo cálculos da Funcex, o coeficiente de penetração das importações, relativo ao total da produção industrial (inclusive a indústria extrativa mineral), passou de 14,1% em 1998 para 11,6% em 2003. A queda distribuiu-se por todos os setores industriais, com exceção de três: equipamentos eletrônicos, material elétrico e farmacêutica e perfumaria.
Esse processo não guarda, porém, muitas semelhanças com o que ocorreu entre 1930 e 1990. Embora sua origem tenha sido o velho problema da vulnerabilidade externa, a forma como se deu o processo foi totalmente diferente. Desta vez, não se lançou mão de medidas de política comercial ou industrial. O ajuste foi induzido por uma alteração macroeconômica fundamental: a desvalorização cambial, a partir de 1999.
É verdade que esse processo cobrou seu custo, via aumento da inflação e baixo crescimento doméstico. Contudo a inflação foi controlada, e o país voltou a crescer. Neste ano, as importações crescerão algo como 30% em relação a 2003 (taxa similar à que se verificará nas exportações), o que provocará nova elevação da participação das importações no consumo doméstico, sem nenhuma deterioração das contas externas.
A experiência recente traz três lições importantes. A primeira é que o país não teria grandes benefícios se decidisse adotar, novamente, um modelo clássico de substituição de importações. Na verdade, traria grandes prejuízos aos consumidores e aumento de custos e ineficiência ao setor produtivo, embora pudesse beneficiar alguns grupos específicos. Na verdade, substituir importações pode até ser necessário em períodos de ajuste da balança, mas o ideal é que o país possa importar o máximo possível, desde que os produtos sejam melhores e mais baratos que os nacionais e respeitando a restrição de divisas geradas pelas exportações, para evitar acúmulo de dívida externa.
A segunda lição é que mudanças de preços relativos são realmente capazes de produzir grandes mudanças na economia. A desvalorização cambial foi capaz de induzir uma profunda mudança da balança comercial brasileira e fazer com que as exportações crescessem mais de 10% nos últimos seis anos sem que fosse necessário recorrer a subsídios, incentivos fiscais ou protecionismo.
A terceira lição, e talvez a mais importante, é que não se combate a vulnerabilidade externa com protecionismo. Se fosse assim, o país já teria se livrado do problema. A única e efetiva maneira de romper essa barreira é alcançar um crescimento sustentado das exportações. Isso só se obtém com aumento da capacidade de produção e melhorias na eficiência produtiva que permitam à indústria doméstica abastecer os mercados externo e interno.


Fernando Ribeiro, 35, é economista da Funcex (Fundação Centro de Estudos do Comercio Exterior).

Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Argentina: Estatização ganha fôlego com Kirchner
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.