São Paulo, Sábado, 04 de Dezembro de 1999


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GLOBALIZAÇÃO
Países menos desenvolvidos sentem-se excluídos das decisões na OMC; só 30 entre 135 têm voz
Revolta dos pobres é ameaça em Seattle

CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Seattle

Uma revolta dos países pobres está colocando em risco a 3ª Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio), que deveria terminar ontem e convocar a Rodada do Milênio, novo e abrangente ciclo de negociações comerciais planetárias.
Tais países sentem-se excluídos do processo decisório, que, na prática, ocorre na chamada "green room".
É uma alusão à sala com esse nome que existe na sede da OMC em Genebra, na Suíça, para a qual é convocado periodicamente um grupo entre 25 e 30 países, os grandes atores do comércio internacional, para tomar decisões que depois são impostas aos restantes 135 países-membros da organização.

Esforço
Em Seattle, o sistema se reproduziu. Às 7h (13h em Brasília), cerca de 25 países, Brasil incluído, foram convocados para o "green room", em um esforço de última hora para tentar dissolver os inúmeros impasses que vêm sistematicamente bloqueando qualquer progresso na Conferência da OMC.
Os excluídos protestaram duramente. O Grula (Grupo Latino-Americano e do Caribe), formado por 33 países, emitiu comunicado condenando "a forma como estão sendo conduzidas as negociações".
O grupo ameaçava "não participar do consenso requerido para o cumprimento dos objetivos desta Conferência Ministerial" (todas as decisões na Organização Mundial do Comércio são tomadas por consenso, não por votação).

Divisão
O Brasil dissociou-se da manifestação do Grula.
Mas a OUA (Organização de Unidade Africana) assumiu posição rigorosamente idêntica: "Não há transparência nos procedimentos e os países africanos estão sendo marginalizados e, em geral, excluídos de assuntos de vital importância para nossos povos e seu futuro".
Como os latino-americanos, os africanos ameaçam não se somar ao consenso.
O comissário (espécie de ministro) europeu para o Comércio, Pascal Lamy, admitiu abertamente que os procedimentos adotados são incorretos.
"Com todo o acesso que tenho, por representar a União Européia, acho extremamente difícil participar do processo. Posso imaginar, portanto, a dificuldade de países que não têm tal acesso", diria Lamy, em entrevista coletiva na manhã de ontem.

Ameaça
A revolta dos pobres é uma ameaça à Conferência pelo seguinte: mesmo os participantes das reuniões da "green room" não conseguem pôr-se de acordo.
A reunião, iniciada às 7h, havia examinado apenas a terça parte do item agricultura até 12h (18h em Brasília). E mesmo a parte já examinada poderia ser reaberta, dependendo dos acordos e desacordos na discussão dos itens restantes da parte agrícola.
Ainda que se chegue a um acordo sobre agricultura e se passe, depois, aos demais itens, os países incluídos na "green room" terão que vender o documento por eles produzido aos mais de cem países excluídos.
Aí, o risco de impasse total cresce substancialmente, até porque, além de divergências em torno do conteúdo do documento, há um extremo mau humor, entre os excluídos, pela maneira como a Conferência acabou sendo organizada e conduzida.

EUA
O único elemento de distensão, ontem até a hora do almoço, era o fato de que Charlene Barshefsky, a responsável pelo comércio externo norte-americano e, como tal, presidente da Conferência, não repetiu a ameaça de agir unilateralmente, se não houvesse consenso.
Consenso, aliás, não há nem no mais restrito grupo de incluídos: por volta de 3h da madrugada (9h em Brasília), União Européia e EUA iniciaram um encontro bilateral para tentar resolver as divergências.
Ao final do encontro, Pascal Lamy, o comissário europeu para Comércio, admitia: "Temo que ainda haja algumas grandes brechas entre nós".
Em tese o prazo final para a Conferência iria até 18h (0h de hoje em Brasília). Mas até o chanceler brasileiro Luiz Felipe Lampreia já admitia a possibilidade, embora remota, de que a Conferência não terminasse no prazo.



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