São Paulo, domingo, 04 de dezembro de 2005

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ARTIGO

Pnad mostra declínio da pobreza

SONIA ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA

As informações recém-divulgadas da Pnad 2004 mostram uma redução inequívoca da pobreza e da indigência, considerando, nos dois casos, os conceitos que são relevantes para essa avaliação: a renda familiar ou domiciliar per capita.
A proporção de pobres cai de 35,6% em 2003 para 33,2% em 2004, o que corresponde a 57,7 milhões de pessoas pobres nesse último ano, enquanto a proporção de indigentes passa de 10% para 8%, significando 13,9 milhões de indigentes em setembro de 2004.
Para chegar a esse resultado, utilizaram-se 23 linhas de pobreza e 23 linhas de indigência diferenciadas, de modo a levar em conta a diversidade de custo de vida entre áreas urbanas e rurais, assim como entre as regiões brasileiras. Como exemplo, a linha de pobreza mais alta, relativa à metrópole de São Paulo, foi de R$ 250,79, enquanto a mais baixa referiu-se às áreas rurais de Minas Gerais e do Espírito Santo, de R$ 69,75 (valores por pessoa/mês).
Os cerca de dois pontos percentuais a menos em ambas as proporções são o melhor resultado verificado desde o Plano Real, quando houve uma conjunção propícia de fatores permitindo uma redução drástica da proporção de pobres de 44,1% para 33,2%.
Os resultados favoráveis verificados em setembro de 2004 para as famílias situadas na base da distribuição de rendimentos foram determinados essencialmente por dois fatores.
Por um lado, houve uma robusta criação de postos de trabalho (mais 2,7 milhões), que beneficiou diretamente os mais pobres. Isso porque essa criação de postos de trabalho ocorreu concomitantemente a uma redução forte do contingente de pessoas ocupadas que não recebem nenhum rendimento e que anteriormente estavam envolvidas em atividades não-remuneradas, em geral no âmbito do grupo familiar.
Por outro lado, verificou-se um aumento grande do volume de transferências de renda, tanto da Previdência Social como dos novos programas focalizados nas famílias mais pobres. No que concerne aos mais pobres, seja participando do mercado de trabalho ou recebendo benefícios da Previdência, a preocupação do governo em garantir algum aumento real do salário mínimo -2,25% entre setembro de 2004 e setembro de 2005- certamente contribuiu positivamente para a melhoria da sua renda.
É importante destacar que esses resultados favoráveis quanto à pobreza e à indigência se deram simultaneamente a uma virtual estagnação do rendimento médio do trabalho, que, no entanto, encobre mudanças distributivas favoráveis aos mais pobres.
Assim, para o mesmo salário médio para o conjunto de ocupados com rendimento, os mais pobres tiveram algum ganho, em detrimento daqueles com rendimentos mais elevados, que, ao contrário, fizeram face a perdas.
Esse não deixa de ser um resultado surpreendente, levando em conta a forte expansão da ocupação e os reconhecidos problemas de escassez de mão-de-obra qualificada, que acabam elevando o "prêmio" pela posse de qualificação (medida em anos de estudo), operando, naturalmente, no sentido do aumento da desigualdade.
A redução da desigualdade de rendimentos do trabalho, assim como a evolução favorável aos mais pobres dos benefícios previdenciários e assistenciais, certamente levou a uma redução da desigualdade da renda domiciliar como medida pela Pnad.
É razoável afirmar que garantir a continuidade da redução da pobreza e da indigência é mais fácil do que garantir uma tendência sustentada de redução da desigualdade. O crescimento econômico desejado traz consigo tendências inerentes de aumento da desigualdade no curto prazo via mecanismos de oferta e demanda de mão-de-obra no mercado de trabalho.
Para compensar os efeitos distributivos adversos dessas tendências, é necessário recorrer a transferências de renda maciças, para as quais existem limitações operacionais e orçamentárias evidentes.
A solução da questão crítica da desigualdade brasileira depende, mais do que a redução da pobreza e da indigência, de reformas estruturais, que, pelas dificuldades institucionais e políticas que envolvem, dependem de um esforço continuado no médio e longo prazos.


Sonia Rocha é economista


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