|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
O Vogue, e o fim de uma era
Na fase pré-Ipanema, nos
gloriosos anos 50, nenhum
local marcou mais o Rio de Janeiro do que a boate Vogue. Sua
história é importante por ter sido um marco nas relações sociais, políticas e empresariais do
período.
Foi fundada por Max Stukart,
o Barão, nobre austríaco cujo
pai foi chefe de polícia da Áustria Imperial. Depois, Max foi
da Força Aérea austríaca. Com
a Segunda Guerra, passou por
Paris, onde criou a boate Tour
Paris, considerada a mais refinada da cidade.
Com a Guerra comendo solta,
deixou Paris e veio parar no Rio,
para ser diretor artístico do Copacabana Palace, trazido pelos
Guinle.
Nos anos 30, quando o jogo foi
reaberto, julgava-se que o Copacabana ficaria sozinho. Aí entrou um empreiteiro mineiro
atrevido, Joaquim Rolla, que
alugou o Cassino da Urca, no
fim do mundo, e entrou na loucura total do showbusiness. Em
breve, o Cassino da Urca dominaria a noite, seguido do Cassino Atlântico, aberto pelos Bianchi, enquanto o Copacabana
continuava a receber apenas a
sociedade carioca mais reservada.
A febre dos cassinos plantou
um deles até em Icaraí, Niterói,
que tinha o apelido de Necrotério. Como era mais barato, só
recebia clientes que estavam pela hora da morte.
A guerra expulsava para a cidade europeus e americanos endinheirados, querendo viver intensamente, apesar da posição
estupidamente xenófoba da Comissão de Estrangeiros que impediu muitos artistas, cientistas
ou simples pessoas que fugiam
da morte nos campos de concentração de entrar no país.
Um dos vetados, por suspeita
de ser comunista, foi um certo
pintor basco, de nome Pablo Picasso, segundo relato que me foi
feito por Aloysio Salles, homem
de vastos contatos com o mundo
político e social da época.
Proibido o jogo, em 1946, o Barão resolveu fundar o Vogue, associado a Dom Duarte Atalaia,
nobre português, dono do prédio. Era o início de uma era.
Em pouco tempo, revolucionou a vida noturna carioca. Para abrilhantá-la, foi buscar na
Europa duas figuras que se tornaram lendárias no Rio. A primeira, o pianista Sacha Rubin,
um turco metido a francês que
tocava piano com um copo de
uísque do lado e um cigarro invariavelmente estacionado no
canto da boca. A segunda, o chefe de cozinha Gregoire Belinzanski, um russo branco que introduziu três pratos clássicos na
cozinha brasileira: o estrogonofe, o frango à Kiev e o picadinho
à brasileira.
Para competir com o Vogue,
Carlos Machado, arrendatário
do Casablanca, resolveu fundar
uma nova boate e deu sociedade
a Sacha. Na rua Padre Antonio
Vieira, foi criado o Sacha's.
Mas o Vogue permaneceu absoluto, tendo como maior estrela o negro norte-americano
Louis Colle. Era uma casa eclética, em que se apresentavam Silvio Caldas, Ângela Maria, Josephine Premisse, Leny Eversong,
Edu da Gaita. No final da noite
chegavam Vinicius de Moraes,
seu tio, o delegado Melo Morais,
Antonio Maria, Elisete Cardoso.
Havia os bebuns típicos, como
Valter Quadros, editor de "O
Sombra". E playboys internacionais, como Ali Khan. Havia
os maîtres Costa e Milton.
O Vogue não era mero local de
recreação, mas ponto obrigatório de troca de informações, em
que se confabulavam sobre operações cambiais, financeiras,
advocacia administrativa e prevaricação.
No dia 14 de agosto de 1956,
acabou-se a era Vogue. Um incêndio consumiu o prédio. Nele,
morreram o jornalista Raul
Martins e Warren Hayes, um jovem cantor norte-americano,
ainda estudante em Nova York
e que fora contratado pelo Barão para uma rápida temporada no Vogue. Namorava a atriz
Diana Morel. Ficou no nono andar do prédio pedindo socorro.
Atirou-se ao solo, assim como
Raul. Quando o incêndio foi extinto, encontraram em um
quarto, mortos abraçados, o casal Valdemar e Glorinha Schiller, recém-casados.
Pouco tempo depois, Brasília
começaria a ser construída, e o
mundo oficial foi se mudando
para lá, esvaziando gradativamente o Rio de Janeiro. A cidade ainda brilharia nos anos 60,
nos ventos da bossa nova e de
Ipanema. Mas o Rio influente,
internacional, espalhou-se e se
perdeu pelo país com as cinzas
do Vogue.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
Texto Anterior: Artigo: Pnad mostra declínio da pobreza Próximo Texto: Retrato do Brasil: Miragens e o que ninguém reparou sobre a pobreza Índice
|