São Paulo, domingo, 04 de dezembro de 2005

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MARCHA A RÉ

Presidente do BNDES afirma que Copom "errou na mão" e que IBGE não superestimou retração da economia

Mantega responsabiliza BC por PIB ruim

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Guido Mantega, responsabiliza o Banco Central pela queda do PIB (Produto Interno Bruto) de 1,2% registrada no terceiro trimestre deste ano em relação ao segundo.
Mantega cita especificamente o economista Afonso Bevilaqua, diretor de Política Econômica do BC, como o principal culpado pela adoção dessa política. "O que houve foi mesmo excesso de zelo do Banco Central, principalmente de alguns diretores, particularmente o Afonso Bevilaqua", afirmou Mantega.
Segundo Mantega, o IBGE também não superestimou a queda do PIB no terceiro trimestre, como afirmou Bevilaqua num encontro com analistas financeiros na quinta-feira, em São Paulo. "O IBGE é um instituto de estatística de padrão internacional respeitado no mundo todo", afirmou.
Nessa entrevista concedida por telefone no fim da tarde de sexta-feira, Mantega não escondia seu inconformismo com o que ele chamou de exageros do Banco Central. "O Banco Central errou na mão", diz ele.
Não é a primeira vez que o BNDES entra em atrito com o Banco Central. Durante a gestão de Carlos Lessa no BNDES, o banco travou uma guerra permanente com o BC. O último deles foi em novembro do ano passado, quando, em entrevista concedida à Folha, pouco antes de ser afastado do governo, Lessa fez duras críticas a Meirelles. Ele chamou de "pesadelo" a gestão de Meirelles e ainda o acusou de "regente" de uma orquestra para "desmontar" o banco.
Leia, a seguir, a entrevista com Mantega:
 

Folha - O Banco Central errou na dose?
Guido Mantega -
Antes de mais nada, é preciso entender o atual quadro. A economia brasileira reúne hoje condições que nunca conseguiu reunir ao longo dos últimos 20 anos, e isso graças a uma política econômica bem talhada e eficiente. Uma política que criou as condições para um crescimento sustentável. As condições, hoje, estão dadas para esse crescimento. A desaceleração que se deu agora no terceiro trimestre se deve a alguns exageros da política monetária. Essa política monetária excessivamente severa ou restritiva, que foi uma decisão exclusiva do Copom, foi a principal responsável por essa desnecessária desaceleração.

Folha - Não houve outros fatores, como a queda do setor agrícola?
Mantega -
Sim, houve outros fatores, como a desaceleração do setor agrícola, mas o seu peso é pequeno na economia. A economia brasileira não entrou em recessão. Ela está pronta para crescer e continua a crescer, apenas num patamar mais baixo. É como se fosse um automóvel que está correndo a um velocidade de 60 km/h, quando poderia estar andando a 80 km/h. A economia está com seus fundamentos sólidos, regras bem sinalizadas e pronta para alcançar o mais rapidamente o seu objetivo, que é o crescimento econômico. O papel da autoridade monetária foi o de pisar o pé no freio. Houve um exagero por parte do Copom.

Folha - O sr. acha que a crise política teve influência nessa desaceleração?
Mantega -
No BNDES não apareceu nenhum empresário dizendo que ia postergar investimento por causa da crise política. O problema mesmo foi o excesso de zelo do Banco Central. O Banco Central errou na mão. E não venham me dizer que não quero a inflação sob controle. Essa conquista tem que ser mantida, tanto quanto o equilíbrio fiscal.
O que angustia é que essa política monetária corre o risco de produzir um resultado menor na economia. Quando a desaceleração do crescimento ocorre por razões externas, como a crise de energia de 2001, aí não há o que fazer. Não há como o governo reverter um problema como esse num curto prazo de tempo. Hoje não há nenhum problema estrutural ou externo.
O que houve foi mesmo excesso de zelo do Banco Central, principalmente de alguns diretores, particularmente o Afonso Bevilaqua. E não foi falta de aviso de algumas autoridades no campo monetário, como Affonso Celso Pastore, que não é nenhum radical do PT, e de Sérgio Werlang, que foi o autor do "modelinho" que o Banco Central usa até hoje para fixar os juros. Em vários artigos, Werlang já vinha alertando que o BC tinha errado na dose.

Folha - Por que "modelinho"?
Mantega -
Eu falo "modelinho" porque o Alan Greenspan (presidente do Fed), que é a maior autoridade monetária do mundo, e basta ver a eficiência da política monetária nos Estados Unidos, diz que se deve usar sempre o bom senso para fazer política monetária. O próprio Greenspan defende que esses modelos de política monetária devem ser jogados fora. Eu estou com ele.

Folha - Quando o sr. acha que o Brasil vai crescer em 2005?
Mantega -
Nós temos hoje uma economia que apresenta condições excepcionais para o crescimento. Não se pode negar também que essas condições foram obtidas por uma política econômica com esforço do ministro Palocci. Nós poderíamos ter um crescimento mais robusto em 2005, mas vamos ter de amargar um crescimento abaixo de 3%, o que é uma pena.

Folha - O sr. concorda com o tese do Bevilaqua de que o IBGE pode ter superestimado a queda do PIB?
Mantega -
Eu não concordo com essa história de que o IBGE errou no cálculo. O IBGE é um estudo de estatística de padrão internacional respeitado no mundo todo e que pude atestar quando ocupei o Ministério do Planejamento [o IBGE é subordinado ao Planejamento].
É claro que os dados não são perfeitos, especialmente o dado trimestral. Os indicadores mais confiáveis são os anuais, mas, mesmo que sofra alguma correção, o resultado não se altera muito. De fato houve uma retração no terceiro trimestre, principalmente no setor agrícola. Desde o início do ano, sabia-se da estiagem, e o Banco Central tinha essas informações. No BNDES, por exemplo, o setor agrícola está tomando 50% menos financiamento do que no ano passado, mas já o crédito ao setor industrial aumentou.

Folha - O sr. acha que essa desaceleração continuará no quarto trimestre?
Mantega -
Em novembro, o BNDES liberou mais recursos do que em outubro. O que aconteceu no terceiro trimestre foi que se jogou um balde de água fria no crescimento econômico, que poderia ser maior. E eu volto a dizer: a responsabilidade foi do Copom, que fixou taxas de juros mais elevadas do que o necessário.

Folha - Mas a inflação não tinha que ser contida para se atingir a meta?
Mantega -
A grande questão é saber qual a taxa de juro necessária para manter a inflação sob controle. Ou seja, se com 10%, 15%, 20% ou 25% se consegue manter a inflação sob controle. Eu posso garantir que com uma Selic de 25% se consegue matar a inflação, mas não é o patamar adequado. O que se tem que achar é um patamar adequado para controlar a inflação e não sacrificar o crescimento.

Folha - O Banco Central defende a tese de que a economia brasileira só tem condições de crescer até 3,5%, o chamado produto potencial do país.
Mantega -
Essa conversa de que o Banco Central tem em mente um produto potencial de 3,5% de crescimento do PIB é totalmente equivocada. No BNDES, a gente conhece a produção. Nós conhecemos a capacidade produtiva de cada setor e eu posso garantir que o país tem condições de crescer acima de 4% ao ano.
O pior é que, se o Banco Central tinha em mente 3,5% de crescimento, nós não vamos crescer nem 3% neste ano. Até nisso eles erraram, apesar de no quarto trimestre nós voltarmos a crescer.

Folha - O sr. acha que esse erro do Banco Central pode comprometer a reeleição do Lula?
Mantega -
Não vai comprometer a reeleição de Lula no ano que vem. Nunca a situação esteve tão sólida, e isso é resultado de uma política econômica acertada que foi decidida pelo presidente Lula e posta em prática pelo ministro Palocci. Nunca as condições externas foram tão favoráveis. No ano que vem, esse erro que foi cometido na política monetária não se repetirá. O país vai crescer 5%.

Folha - O sr. não acha que a política econômica tem que mudar?
Mantega -
Não tem que mudar a política econômica. É só uma questão de graduação. O que houve foi um exagero do BC.

Folha - O sr. acha que a diretoria do BC tem de ser mudada?
Mantega -
Eu não tomo decisões no Banco Central.


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