São Paulo, domingo, 04 de dezembro de 2005

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MARCHA A RÉ

Avaliação é que, mesmo quando os dados forem revistos, ficará nítida a responsabilidade dos juros na retração econômica

Revisão do PIB pode reforçar efeito Selic

SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

JANAÍNA LEITE
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

Diferentemente do que acredita o Banco Central, uma revisão do dado divulgado na semana passada pelo IBGE, o qual apontou retração de 1,2% na economia no terceiro trimestre, poderá reforçar o papel dos juros para frear a atividade. E, ainda, evidenciar que a combinação de juros altos e contenção de gastos públicos pesa muito mais do que a crise política ou problemas metodológicos para cálculo da produção agrícola, como disseram diretores do BC.
Mesmo sem dar a mão à palmatória publicamente, a equipe econômica já se movimenta para inverter esse quadro, e a avaliação nos bastidores do governo é que, por mais que o PIB não tenha caído exatamente 1,2%, o resultado foi negativo, o que é ruim do mesmo jeito. O presidente Lula "engoliu o número a seco" e cobrou da equipe econômica uma "virada" imediata desse quadro.
Como não dá para contar apenas com a redução dos juros, que leva tempo para surtir efeito na economia real, nas próximas semanas deverá ser intensificada a liberação de recursos para setores estratégicos, como o da construção civil, que foi apontado como responsável por boa parte da queda na produção industrial.
O ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, já foi avisado: o presidente quer ver deslanchar os projetos que ele diz estarem prontos, à espera só de recursos. A recomendação é agir em vez de ficar debatendo se os números estão certos ou errados. Até porque a revisão do dado do terceiro trimestre ainda irá demorar.
Esse procedimento de rever periodicamente os números sobre atividade econômica divulgados pelo IBGE é prática comum em boa parte do mundo e tem uma relevância ainda maior em economias como a brasileira, que sofreu grandes modificações na estrutura produtiva nos últimos anos.
"No entanto, do mesmo jeito que o número negativo é revisado, o positivo também é", afirma Sérgio Werlang, ex-diretor de Política Econômica do BC e atualmente executivo do Itaú. "Assim, se o PIB do terceiro trimestre pode ser revisado e melhorar um pouco, o do segundo trimestre, quando houve uma alta de 1,4% na economia, irá piorar."
Segundo ele, diante dessa possibilidade, no final, a variação da economia estará em torno de zero e a conclusão "inevitável" será que o ritmo de crescimento em 2005 -que agora está sendo reestimado e deverá ficar perto dos 2,5%- é o compatível com juros reais na casa dos 13% ao ano, um dos mais altos do mundo. "De um jeito ou do outro, esse resultado do terceiro trimestre mostra simplesmente o efeito puro da política monetária", afirma Werlang.
A tese dos diretores do BC de que o dado reflete crise política e erros de cálculos na produção agrícola foi rebatida até dentro do governo. Para integrantes da equipe econômica, por mais que a queda de 3,4% na agricultura esteja inflada por questões metodológicas, a participação do setor no PIB total é de só 9,4%. Enquanto isso, a indústria, que não tem andado bem e caiu 1,2% no terceiro trimestre, responde por 36,8%.
A avaliação é que esse resultado é fruto do desempenho pífio da construção civil, responsável por praticamente 20% da produção industrial. "No acumulado do ano, o setor cresceu 0,7%. Até o fim do segundo trimestre, o crescimento da construção civil acumulado nos 12 meses anteriores era de 5,3%. Aí, despencou para 1,8%", diz a economista Sandra Utsumi, do BES Investimento.

Desastre
Para o presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), Paulo Safady Simão, o desempenho do setor em 2005 "está um desastre". Depois da perspectiva de forte crescimento, "vamos ter que suar para fechar o ano com um crescimento próximo de 2% na construção civil".
O problema, diz, está na contenção de gastos públicos. O ajuste fiscal paralisou os investimentos dos ministérios determinantes para o setor. Entre eles, cita, Transportes, com reforma e construção de estradas, e Cidades, com saneamento. "Se a crise política afetou, foi porque o governo ficou parado boa parte do ano preocupado em se defender", diz.
"O governo gastou muito pouco neste ano. Investimento em saneamento e recuperação de estradas foi uma vergonha. Portos e concessões estão amarrados, e as PPPs (Parcerias Público-Privadas) só vão acontecer em 2006", emenda. "A única coisa que andou, e com problema de gestão pública, foi o segmento imobiliário", completa. "Dos R$ 10 bilhões do orçamento do FGTS, só foram gastos R$ 4 bilhões."


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