São Paulo, domingo, 04 de dezembro de 2005

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ARTIGO

A queda do PIB

FERNANDO J. CARDIM DE CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A divulgação da taxa de crescimento do PIB brasileiro no terceiro trimestre de 2005 surpreendeu menos pela direção do movimento que retrata que pela intensidade.
Há muito tempo que muitos vêm apontando a natureza perversa das políticas macroeconômicas aplicadas pelo governo Lula, que se defendia dizendo que o deslanche do "espetáculo do crescimento" em 2004 provava que seus críticos estavam errados.
As autoridades de governo ignoravam dois fatos importantes: o primeiro, elementar, é que políticas econômicas têm efeito defasado no tempo, isto é, as políticas de hoje impactam os fatos de amanhã; o segundo, de que parte importante do crescimento da economia brasileira nos últimos anos se explica muito mais pelo contexto internacional extraordinariamente benigno que pela eficiência das políticas do governo.
O contexto externo benigno, na verdade, contribuiu (e ainda o faz) precisamente para mascarar inadequações gritantes das políticas, especialmente as de juros e de câmbio, neutralizando grande parte dos efeitos danosos sobre as exportações líquidas do país.
A queda do PIB, mesmo sendo maior do que se esperava, não chega a ser uma catástrofe senão para o freqüentemente delirante discurso político do governo federal. Ela deveria, contudo, acender uma luz amarela, advertindo as autoridades de que a persistência nos caminhos escolhidos poderá implicar custos cada vez mais altos.
Iniciemos por um virtual fato: a economia brasileira crescerá em 2005. Um crescimento que já se anunciava medíocre mesmo antes do anúncio da queda do PIB. Crescesse o Brasil à taxa prevista em setembro pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), por exemplo, insuspeito de animosidade contra o governo brasileiro, muito pelo contrário, de 3.3%. Ainda assim, estaríamos na rabeira do crescimento latino-americano, à frente só do México entre as economias de peso na região.
A comparação com os países asiáticos, por exemplo, é humilhante. O fato é que praticamente todos os países emergentes têm crescido a taxas significativas nos últimos anos, em grande parte graças ao crescimento do comércio exterior, puxado pela China e pelos Estados Unidos, e pela ausência das crises financeiras que tantos danos criaram nos anos 90 e que geravam movimentos bruscos de capitais, instabilidade cambial e elevações dramáticas de taxas de juros.
O Brasil crescerá, mas crescerá a uma taxa medíocre, desperdiçando mais um ano do raro período de calmaria internacional. O desempenho do PIB no terceiro trimestre piorou as expectativas, e os primeiros dados a respeito do últimos trimestre não têm sido animadores. Uma taxa de crescimento acima de 3% em 2005 parece estar cada vez mais distante.
O governo Lula repete, assim, o padrão "stop-and-go" (isto é, a sucessão de períodos de crescimento baixo e de crescimento um pouco mais elevado), característico do período FHC. Esse padrão é danoso ao país no longo prazo, pois não anima investidores a aumentar sua capacidade de produção senão marginalmente.
Os dados do IBGE são expressivos: apenas no segundo trimestre de 2005, entre os últimos quatro, os investimentos cresceram. O aumento de 4.7% no segundo semestre, tão comemorado pelo governo, foi uma exceção, não a regra. Surpreendente teria sido o contrário! O governo federal parece acreditar que empresários investem quando a economia está "em equilíbrio"!
Esta é uma teoria peculiar: é muito mais natural se supor que empresários invistam quando a economia está "em desequilíbrio", isto é, quando a demanda promete ser maior que a oferta, estimulando-os exatamente a aumentar sua capacidade de produção. Ao procurar sistematicamente sufocar a demanda, a política monetária e a política fiscal do governo não contribuem para o investimento, mas para o declínio da economia.
Não é preciso nos alongarmos sobre a natureza das políticas monetária e fiscal. A primeira é voltada exclusivamente para o combate de uma inflação basicamente de custos por meio do estrangulamento da demanda (via elevação das taxas de juros). É uma política estreita, cega para os efeitos danosos que cria sobre a produção e o emprego.
Já a política fiscal é apenas um resíduo: especialmente os investimentos públicos, elemento essencial para o crescimento da economia, são extraordinariamente sacrificados, ensanduichados entre o gasto com o serviço da dívida pública e a incapacidade do governo de controlar e racionalizar seus gastos correntes.
O crescimento da economia foi, até agora, garantido em 2005 pelo crescimento do consumo privado. Nada haveria de errado nisso, não fosse a expansão do consumo largamente apoiada em expansão das dívidas dos consumidores, por meio de mecanismos como o crédito consignado.
Este último tem sido apresentado como uma grande conquista social do governo federal, mas é um mecanismo extremamente perverso e perigoso. Perverso porque tira das famílias o direito de alocar sua renda entre o serviço de suas dívidas e seus outros gastos, escolha que todos os outros devedores na economia têm.
Argumenta-se que é um mecanismo de inclusão social porque o crédito se torna mais barato, esquecendo-se que o crédito é excepcionalmente caro no país porque as taxas básicas de juros são excessivamente altas e porque o "spread" bancário é extorsivo. Cobra-se menos pelo crédito consignado, mas ainda assim cobram-se taxas superiores a 30% ao ano, o que é um escândalo.
Além de perverso, o crédito consignado é perigoso: famílias se endividam para comprar bens, ao invés de fazê-lo com a expansão de sua renda. A inadimplência tem subido e subirá ainda mais se o emprego e a renda caírem com o esfriamento da economia.
O governo se confronta agora com o resultado de suas escolhas. É de esperar agora a safra de discursos diversionistas, atribuindo a queda do PIB à crise política, às aves de mau agouro ou ao que seja.
A oposição também não tem o que comemorar, já que, como generosamente sempre lembra o ministro Palocci, essa política era a sua também quando era governo. Já o povo brasileiro só pode lamentar a pobreza das alternativas que lhe são oferecidas.


Fernando J. Cardim de Carvalho é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ


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