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ARTIGO
A queda do PIB
FERNANDO J. CARDIM DE CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A divulgação da taxa de
crescimento do PIB brasileiro no terceiro trimestre de 2005
surpreendeu menos pela direção
do movimento que retrata que
pela intensidade.
Há muito tempo que muitos
vêm apontando a natureza perversa das políticas macroeconômicas aplicadas pelo governo Lula, que se defendia dizendo que o
deslanche do "espetáculo do crescimento" em 2004 provava que
seus críticos estavam errados.
As autoridades de governo ignoravam dois fatos importantes:
o primeiro, elementar, é que políticas econômicas têm efeito defasado no tempo, isto é, as políticas
de hoje impactam os fatos de
amanhã; o segundo, de que parte
importante do crescimento da
economia brasileira nos últimos
anos se explica muito mais pelo
contexto internacional extraordinariamente benigno que pela eficiência das políticas do governo.
O contexto externo benigno, na
verdade, contribuiu (e ainda o
faz) precisamente para mascarar
inadequações gritantes das políticas, especialmente as de juros e de
câmbio, neutralizando grande
parte dos efeitos danosos sobre as
exportações líquidas do país.
A queda do PIB, mesmo sendo
maior do que se esperava, não
chega a ser uma catástrofe senão
para o freqüentemente delirante
discurso político do governo federal. Ela deveria, contudo, acender uma luz amarela, advertindo
as autoridades de que a persistência nos caminhos escolhidos poderá implicar custos cada vez
mais altos.
Iniciemos por um virtual fato: a
economia brasileira crescerá em
2005. Um crescimento que já se
anunciava medíocre mesmo antes do anúncio da queda do PIB.
Crescesse o Brasil à taxa prevista
em setembro pelo FMI (Fundo
Monetário Internacional), por
exemplo, insuspeito de animosidade contra o governo brasileiro,
muito pelo contrário, de 3.3%.
Ainda assim, estaríamos na rabeira do crescimento latino-americano, à frente só do México entre
as economias de peso na região.
A comparação com os países
asiáticos, por exemplo, é humilhante. O fato é que praticamente
todos os países emergentes têm
crescido a taxas significativas nos
últimos anos, em grande parte
graças ao crescimento do comércio exterior, puxado pela China e
pelos Estados Unidos, e pela ausência das crises financeiras que
tantos danos criaram nos anos 90
e que geravam movimentos bruscos de capitais, instabilidade cambial e elevações dramáticas de taxas de juros.
O Brasil crescerá, mas crescerá a
uma taxa medíocre, desperdiçando mais um ano do raro período
de calmaria internacional. O desempenho do PIB no terceiro trimestre piorou as expectativas, e
os primeiros dados a respeito do
últimos trimestre não têm sido
animadores. Uma taxa de crescimento acima de 3% em 2005 parece estar cada vez mais distante.
O governo Lula repete, assim, o
padrão "stop-and-go" (isto é, a
sucessão de períodos de crescimento baixo e de crescimento um
pouco mais elevado), característico do período FHC. Esse padrão é
danoso ao país no longo prazo,
pois não anima investidores a aumentar sua capacidade de produção senão marginalmente.
Os dados do IBGE são expressivos: apenas no segundo trimestre
de 2005, entre os últimos quatro,
os investimentos cresceram. O
aumento de 4.7% no segundo semestre, tão comemorado pelo governo, foi uma exceção, não a regra. Surpreendente teria sido o
contrário! O governo federal parece acreditar que empresários investem quando a economia está
"em equilíbrio"!
Esta é uma teoria peculiar: é
muito mais natural se supor que
empresários invistam quando a
economia está "em desequilíbrio", isto é, quando a demanda
promete ser maior que a oferta,
estimulando-os exatamente a aumentar sua capacidade de produção. Ao procurar sistematicamente sufocar a demanda, a política monetária e a política fiscal do
governo não contribuem para o
investimento, mas para o declínio
da economia.
Não é preciso nos alongarmos
sobre a natureza das políticas monetária e fiscal. A primeira é voltada exclusivamente para o combate de uma inflação basicamente
de custos por meio do estrangulamento da demanda (via elevação
das taxas de juros). É uma política
estreita, cega para os efeitos danosos que cria sobre a produção e o
emprego.
Já a política fiscal é apenas um
resíduo: especialmente os investimentos públicos, elemento essencial para o crescimento da economia, são extraordinariamente sacrificados, ensanduichados entre
o gasto com o serviço da dívida
pública e a incapacidade do governo de controlar e racionalizar
seus gastos correntes.
O crescimento da economia foi,
até agora, garantido em 2005 pelo
crescimento do consumo privado. Nada haveria de errado nisso,
não fosse a expansão do consumo
largamente apoiada em expansão
das dívidas dos consumidores,
por meio de mecanismos como o
crédito consignado.
Este último tem sido apresentado como uma grande conquista
social do governo federal, mas é
um mecanismo extremamente
perverso e perigoso. Perverso
porque tira das famílias o direito
de alocar sua renda entre o serviço de suas dívidas e seus outros
gastos, escolha que todos os outros devedores na economia têm.
Argumenta-se que é um mecanismo de inclusão social porque o
crédito se torna mais barato, esquecendo-se que o crédito é excepcionalmente caro no país porque as taxas básicas de juros são
excessivamente altas e porque o
"spread" bancário é extorsivo.
Cobra-se menos pelo crédito consignado, mas ainda assim cobram-se taxas superiores a 30%
ao ano, o que é um escândalo.
Além de perverso, o crédito
consignado é perigoso: famílias se
endividam para comprar bens, ao
invés de fazê-lo com a expansão
de sua renda. A inadimplência
tem subido e subirá ainda mais se
o emprego e a renda caírem com o
esfriamento da economia.
O governo se confronta agora
com o resultado de suas escolhas.
É de esperar agora a safra de discursos diversionistas, atribuindo
a queda do PIB à crise política, às
aves de mau agouro ou ao que seja.
A oposição também não tem o
que comemorar, já que, como generosamente sempre lembra o
ministro Palocci, essa política era
a sua também quando era governo. Já o povo brasileiro só pode lamentar a pobreza das alternativas
que lhe são oferecidas.
Fernando J. Cardim de Carvalho
é professor titular do Instituto de
Economia da UFRJ
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