São Paulo, domingo, 04 de dezembro de 2005

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PAÍS DO "MENSALÃO"

Pirataria, contrabando e sonegação marcam centro comercial em SP visitado por 500 mil diariamente

25 de Março é o "paraíso" da ilegalidade

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O maior sucesso das vendas de Natal -as lojas da região da rua 25 de Março, no centro de São Paulo- é um retrato da ilegalidade e da corrupção do país. Diariamente, 500 mil pessoas passam pelas 350 lojas de rua e pelos 3.000 boxes das galerias e dos shoppings da região, alimentando a pirataria e o contrabando.
Fiscais da Receita Federal e da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo chegam a estimar que 90% dos produtos comercializados hoje na região sejam falsificados ou ilegais -entram de forma irregular no país para escapar da incidência de impostos.
A região da 25 de Março é considerada uma das mais problemáticas do Brasil quando o assunto é comércio ilegal, segundo a Folha apurou com fiscais e policiais. A sonegação fiscal é tanta que nem sequer arriscam fazer estimativas de perdas de arrecadação para o Estado e para a União.
Fiscais admitem que a repressão ao comércio ilegal na região da rua 25 de Março é difícil de ser realizada, basicamente por três motivos: 1) o esquema de chegada e de distribuição dos produtos é bem protegido; 2) proibir esse comércio é uma ação perigosa; 3) a represália só pode ser executada em parceria entre servidores de órgãos públicos e policiais.
A Fazenda paulista informa que 3.638 lojas de 25 ruas que integram a região da 25 de Março estavam inscritas em seu cadastro de contribuintes até setembro. Esses estabelecimentos declararam faturamento de R$ 955,4 milhões de janeiro a setembro deste ano -o que gerou o pagamento de R$ 41,7 milhões de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) nesse período.
Desses estabelecimentos, 950 informam que são microempresas. Faturam até R$ 150 mil por ano. Outros 155 declararam que são de pequeno porte e têm faturamento entre R$ 150 mil e R$ 1,2 milhão por ano. Usufruem, dessa forma, de benefícios fiscais.
"Esse número de micro e pequenas empresas provavelmente não é real. Elas podem estar "maquiando" resultados. Só se declaram micro e pequenas empresas para ter benefícios fiscais por meio do Simples [Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte]", afirma Antonio Carlos de Moura Campos, diretor-adjunto da Deat (Diretoria Executiva da Administração Tributária) da Secretaria da Fazenda paulista.
O faturamento anual ao redor de R$ 1 bilhão na região é considerado pequeno pelos fiscais. Na véspera do último feriado, dia 14 de novembro, a estimativa é que 1 milhão de pessoas tenha circulado pelas lojas da região. Se cada uma tivesse gasto R$ 10, em um só dia os lojistas teriam faturado R$ 10 milhões. Uma grande rede paulista de brinquedos -que sozinha fatura por ano R$ 250 mil- estima que as lojas da região faturem R$ 10 bilhões por ano.
Isso porque as lojas da região não são especializadas somente em confecções, bijuterias, brinquedos e quinquilharias, como ocorria há alguns anos. O local também oferece produtos de maior valor -como máquinas fotográficas, DVDs, produtos de informática e eletroeletrônicos.
Atraídos pelos preços, em média até 50% menores do que os de lojas de shoppings tradicionais, os consumidores não se importam em abrir mão de notas fiscais (sejam eles de classes de maior ou de menor poder aquisitivo), mesmo que isso signifique adquirir produto sem garantia. "Vale a pena comprar na 25. Os preços daqui são muito mais baixos", diz a lojista B.M., 29, que vem do interior paulista para comprar na região.
Um casal de classe média que comprava no shopping 25 de Março na última quinta afirma que não sente vergonha de adquirir produtos pirateados ou contrabandeados. "Se eu não compro, outro vai comprar", diz a professora, que, apesar de dizer que não tem vergonha, preferiu não se identificar.
E, entre os consumidores, há até quem defenda os ambulantes. Dona Maria (ela não revelou o sobrenome), 63, ao ouvir ambulantes ilegais avisando os colegas sobre a fiscalização -"olha o rapa, olha o rapa"-, gritava: "Deixa eles trabalharem. É melhor vender na calçada do que roubar".

Abastecimento
As mercadorias vendidas na região chegam ao país por quatro rotas internacionais, apurou a Folha com fiscais que integram o grupo de "inteligência" dos fiscos estadual e federal. Estima-se que 75% dos produtos venham da China, 20% dos EUA e 5% de outros países.
A região da 25 de Março deve ser um dos próximos alvos da Operação Sagitário -que começou anteontem no Stand Center, na avenida Paulista-, com objetivo de combater o comércio de produtos ilegais. No total, 1.520 fiscais da Receita e da Fazenda, policiais federais e militares, além da Guarda Civil Metropolitana, vão participar da operação, que não tem prazo para terminar.
Outro problema da região é a mão-de-obra irregular. Levantamento feito pelo Sindicato dos Comerciários de São Paulo a pedido da Folha mostra que 70 lojas da região empregam 1.339 pessoas -das quais 196 estavam sem registro. "Vamos acionar os fiscais do trabalho", diz Ricardo Patah, presidente da entidade.

Fenômeno
As 25 ruas que integram o comércio da 25 de Março são consideradas um "fenômeno de vendas" por lojistas. Apesar de o local não ter infra-estrutura, ser considerado "sujo" e de difícil circulação (ruas estreitas e tráfego intenso), consegue atrair multidões.
"Aquilo ali é um fenômeno. Ruas como a João Cachoeira e a Oscar Freire estão se revitalizando para atrair mais público e aumentar o faturamento das lojas. A 25 é um caso à parte. O público lá só cresce, sem os lojistas fazerem nada", diz Felippe Naufel, presidente do Conselho de Ruas Comerciais da Fecomercio SP.
O comércio na região da rua 25 de Março cresce, na avaliação de Naufel, porque a compra de produtos piratas e ilegais virou hábito. "O consumidor precisa ter consciência de que comprar produtos ilegais é nocivo para o país."
Para Flávio Rocha, presidente do IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo), o comércio ilegal deve ser combatido a partir de uma forte campanha de esclarecimento. "A partir de 2006, vamos lançar a campanha "País legal só com nota fiscal". Só assim é possível mudar esse hábito."


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