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PAÍS DO "MENSALÃO"
Pirataria, contrabando e sonegação marcam centro comercial em SP visitado por 500 mil diariamente
25 de Março é o "paraíso" da ilegalidade
FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
O maior sucesso das vendas de
Natal -as lojas da região da rua
25 de Março, no centro de São
Paulo- é um retrato da ilegalidade e da corrupção do país. Diariamente, 500 mil pessoas passam
pelas 350 lojas de rua e pelos 3.000
boxes das galerias e dos shoppings da região, alimentando a pirataria e o contrabando.
Fiscais da Receita Federal e da
Secretaria da Fazenda do Estado
de São Paulo chegam a estimar
que 90% dos produtos comercializados hoje na região sejam falsificados ou ilegais -entram de
forma irregular no país para escapar da incidência de impostos.
A região da 25 de Março é considerada uma das mais problemáticas do Brasil quando o assunto é
comércio ilegal, segundo a Folha
apurou com fiscais e policiais. A
sonegação fiscal é tanta que nem
sequer arriscam fazer estimativas
de perdas de arrecadação para o
Estado e para a União.
Fiscais admitem que a repressão
ao comércio ilegal na região da
rua 25 de Março é difícil de ser
realizada, basicamente por três
motivos: 1) o esquema de chegada
e de distribuição dos produtos é
bem protegido; 2) proibir esse comércio é uma ação perigosa; 3) a
represália só pode ser executada
em parceria entre servidores de
órgãos públicos e policiais.
A Fazenda paulista informa que
3.638 lojas de 25 ruas que integram a região da 25 de Março estavam inscritas em seu cadastro
de contribuintes até setembro. Esses estabelecimentos declararam
faturamento de R$ 955,4 milhões
de janeiro a setembro deste ano
-o que gerou o pagamento de R$
41,7 milhões de ICMS (Imposto
sobre Circulação de Mercadorias
e Serviços) nesse período.
Desses estabelecimentos, 950
informam que são microempresas. Faturam até R$ 150 mil por
ano. Outros 155 declararam que
são de pequeno porte e têm faturamento entre R$ 150 mil e R$ 1,2
milhão por ano. Usufruem, dessa
forma, de benefícios fiscais.
"Esse número de micro e pequenas empresas provavelmente
não é real. Elas podem estar "maquiando" resultados. Só se declaram micro e pequenas empresas
para ter benefícios fiscais por
meio do Simples [Sistema Integrado de Pagamento de Impostos
e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno
Porte]", afirma Antonio Carlos de
Moura Campos, diretor-adjunto
da Deat (Diretoria Executiva da
Administração Tributária) da Secretaria da Fazenda paulista.
O faturamento anual ao redor
de R$ 1 bilhão na região é considerado pequeno pelos fiscais. Na
véspera do último feriado, dia 14
de novembro, a estimativa é que 1
milhão de pessoas tenha circulado pelas lojas da região. Se cada
uma tivesse gasto R$ 10, em um só
dia os lojistas teriam faturado R$
10 milhões. Uma grande rede
paulista de brinquedos -que sozinha fatura por ano R$ 250 mil-
estima que as lojas da região faturem R$ 10 bilhões por ano.
Isso porque as lojas da região
não são especializadas somente
em confecções, bijuterias, brinquedos e quinquilharias, como
ocorria há alguns anos. O local
também oferece produtos de
maior valor -como máquinas
fotográficas, DVDs, produtos de
informática e eletroeletrônicos.
Atraídos pelos preços, em média até 50% menores do que os de
lojas de shoppings tradicionais, os
consumidores não se importam
em abrir mão de notas fiscais (sejam eles de classes de maior ou de
menor poder aquisitivo), mesmo
que isso signifique adquirir produto sem garantia. "Vale a pena
comprar na 25. Os preços daqui
são muito mais baixos", diz a lojista B.M., 29, que vem do interior
paulista para comprar na região.
Um casal de classe média que
comprava no shopping 25 de
Março na última quinta afirma
que não sente vergonha de adquirir produtos pirateados ou contrabandeados. "Se eu não compro, outro vai comprar", diz a
professora, que, apesar de dizer
que não tem vergonha, preferiu
não se identificar.
E, entre os consumidores, há até
quem defenda os ambulantes.
Dona Maria (ela não revelou o sobrenome), 63, ao ouvir ambulantes ilegais avisando os colegas sobre a fiscalização -"olha o rapa,
olha o rapa"-, gritava: "Deixa
eles trabalharem. É melhor vender na calçada do que roubar".
Abastecimento
As mercadorias vendidas na região chegam ao país por quatro
rotas internacionais, apurou a Folha com fiscais que integram o
grupo de "inteligência" dos fiscos
estadual e federal. Estima-se que
75% dos produtos venham da
China, 20% dos EUA e 5% de outros países.
A região da 25 de Março deve
ser um dos próximos alvos da
Operação Sagitário -que começou anteontem no Stand Center,
na avenida Paulista-, com objetivo de combater o comércio de
produtos ilegais. No total, 1.520
fiscais da Receita e da Fazenda,
policiais federais e militares, além
da Guarda Civil Metropolitana,
vão participar da operação, que
não tem prazo para terminar.
Outro problema da região é a
mão-de-obra irregular. Levantamento feito pelo Sindicato dos
Comerciários de São Paulo a pedido da Folha mostra que 70 lojas
da região empregam 1.339 pessoas -das quais 196 estavam sem
registro. "Vamos acionar os fiscais do trabalho", diz Ricardo Patah, presidente da entidade.
Fenômeno
As 25 ruas que integram o comércio da 25 de Março são consideradas um "fenômeno de vendas" por lojistas. Apesar de o local
não ter infra-estrutura, ser considerado "sujo" e de difícil circulação (ruas estreitas e tráfego intenso), consegue atrair multidões.
"Aquilo ali é um fenômeno.
Ruas como a João Cachoeira e a
Oscar Freire estão se revitalizando
para atrair mais público e aumentar o faturamento das lojas. A 25 é
um caso à parte. O público lá só
cresce, sem os lojistas fazerem nada", diz Felippe Naufel, presidente do Conselho de Ruas Comerciais da Fecomercio SP.
O comércio na região da rua 25
de Março cresce, na avaliação de
Naufel, porque a compra de produtos piratas e ilegais virou hábito. "O consumidor precisa ter
consciência de que comprar produtos ilegais é nocivo para o país."
Para Flávio Rocha, presidente
do IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo), o comércio ilegal deve ser combatido a
partir de uma forte campanha de
esclarecimento. "A partir de 2006,
vamos lançar a campanha "País
legal só com nota fiscal". Só assim
é possível mudar esse hábito."
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