|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Notas do caderno da faculdade
JOÃO SAYAD
Operários e industriais têm tido que negociar salários e emprego. As negociações são difíceis, o problema é sério e doloroso. Depois de tanto esforço e
sofrimento, os líderes dos dois
lados ainda têm que dar entrevistas e responder perguntas.
À guisa de cooperação, estou
oferecendo as notas de aula de
economia sobre o assunto. Não
ajudam em nada a negociação,
que, como todas as coisas do
Brasil atualmente, são levadas
a cabo visando aos interesses
particulares dos trabalhadores
e das empresas. Mas, para dar
entrevistas, acho que as notas
abaixo podem auxiliar.
"Podemos analisar várias medidas para aumentar o emprego, considerando diversas alternativas:
1 - No caso de uma economia
aberta, existem as seguintes alternativas:
a) desvalorizar o câmbio em
termos reais.
A desvalorização do câmbio
aumenta a rentabilidade das
exportações, faz as importações
mais caras e, como resultado,
aumenta o emprego nas empresas exportadoras e nas indústrias que competem com importações. Tende a reduzir o saldo
negativo do balanço de transações correntes. Por outro lado,
pode causar inflação ou crise
financeira.
b) reduzir o salário nominal.
É equivalente à desvalorização cambial, pois aumenta a
rentabilidade das exportações e
torna os produtos nacionais
mais competitivos com os importados.
Com câmbio fixo, é equivalente a reduzir o salário real. O
salário real não se reduz quando se consideram os preços dos
serviços públicos ou dos produtos domésticos, como habitação, segurança ou mesmo
transporte público.
Por outro lado, é preciso convencer trabalhadores que a redução dos salários nominais terá efeitos benéficos para que
aceitem a medida. É tarefa
muito difícil, pois estamos negociando um prejuízo imediato,
concreto e visível em troca de
benefício público, prometido e
abstrato.
Geralmente o processo de convencimento dos trabalhadores é
frustrado. Somente a recessão,
no caso de sociedades democráticas, ou o fechamento de sindicatos, no caso de sociedades autoritárias, tem conseguido obter
este resultado.
c) reduzir as taxas de juros
reais.
Não existem evidências empíricas convincentes de que a redução da taxa de juros aumenta o emprego. Isto só acontece se
empresários investirem mais
em novos equipamentos ou em
mais estoques. Apesar de a argumentação lógica ser muito
convincente, a evidência empírica é fraca.
d) Aumentar os gastos dos governos mais do que a arrecadação.
É equivalente a aumentar o
déficit público. Tem efeitos imediatos que podem ser compensados por aumentos na taxa de
juros que reduziriam os investimentos privados, o que não encontra apoio nas evidências
empíricas.
Nos anos correntes, a estratégia está praticamente excluída,
por razões políticas e teóricas.
Como se acredita que o déficit é
ruim, o aumento de déficit pode
gerar fuga de capitais. Com taxas fixas de câmbio, resulta em
redução de liquidez e diminuição do nível de atividade e emprego.
e) Diminuir os encargos sociais.
É equivalente a reduzir os salários reais. O resultado depende de como a perda das receitas
dos encargos afetará os gastos
públicos. Se deixarem de ser
gastos, tendem a reduzir o emprego.
f) aumentar a poupança.
Aumentar a poupança ou
consumir menos, só atrapalha.
Aumentar os investimentos,
ajuda. Investimento é diferente
de poupança. A melhor recomendação é deixar a poupança
em paz.
2 - Quando se consideram várias economias ao mesmo tempo, é preciso mais cuidado pois:
a) desvalorização cambial.
Não é mais remédio para o
desemprego. Se um país desvaloriza e aumenta o emprego,
outros países perdem o emprego. Se todos desvalorizarem ao
mesmo tempo, o emprego não
se altera.
b) reduzir o salário nominal.
Também não funciona quando se consideram todos os países ao mesmo tempo. A redução
do salário nominal pode reduzir o nível geral de preços, gerar
expectativas de que os preços
vão cair mais ainda e, como
resultado disto tudo, aumentar
as taxas de juros, a vontade de
guardar dinheiro em caixa e,
consequentemente, diminuir
ainda mais o emprego. O salário real pode cair ou não, depende de como os preços se
ajustem.
c) aumentar o déficit público.
Não tem contra-indicação enquanto existir desemprego.
Único problema é o mal-estar
político e a prevenção contra
gastos públicos e governos em
geral.
É preciso questionar a própria
pergunta. Por que aumentar o
emprego?
Não seria melhor trabalhar
menos, descansar mais? Se sobra mão-de-obra e produção,
poderíamos fazer como anunciam os franceses socialistas e
praticam os alemães sociais-democratas. Bastaria reduzir a
jornada de trabalho sem reduzir salários.
Um país não pode fazer isto
isoladamente. A menos que
possa ter grandes déficits em
transações correntes com financiamento garantido, como os
Estados Unidos. Ou que possa
desvalorizar o câmbio, o que é
problemático para muitos países como o Brasil."
João Sayad, 51, economista, professor da
Faculdade de Economia e Administração da
USP e ex-ministro do Planejamento (governo
José Sarney), escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@ibm.net
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|