São Paulo, segunda, 5 de janeiro de 1998.




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OPINIÃO ECONÔMICA
Notas do caderno da faculdade

JOÃO SAYAD

Operários e industriais têm tido que negociar salários e emprego. As negociações são difíceis, o problema é sério e doloroso. Depois de tanto esforço e sofrimento, os líderes dos dois lados ainda têm que dar entrevistas e responder perguntas.
À guisa de cooperação, estou oferecendo as notas de aula de economia sobre o assunto. Não ajudam em nada a negociação, que, como todas as coisas do Brasil atualmente, são levadas a cabo visando aos interesses particulares dos trabalhadores e das empresas. Mas, para dar entrevistas, acho que as notas abaixo podem auxiliar.
"Podemos analisar várias medidas para aumentar o emprego, considerando diversas alternativas:
1 - No caso de uma economia aberta, existem as seguintes alternativas:
a) desvalorizar o câmbio em termos reais.
A desvalorização do câmbio aumenta a rentabilidade das exportações, faz as importações mais caras e, como resultado, aumenta o emprego nas empresas exportadoras e nas indústrias que competem com importações. Tende a reduzir o saldo negativo do balanço de transações correntes. Por outro lado, pode causar inflação ou crise financeira.
b) reduzir o salário nominal.
É equivalente à desvalorização cambial, pois aumenta a rentabilidade das exportações e torna os produtos nacionais mais competitivos com os importados.
Com câmbio fixo, é equivalente a reduzir o salário real. O salário real não se reduz quando se consideram os preços dos serviços públicos ou dos produtos domésticos, como habitação, segurança ou mesmo transporte público.
Por outro lado, é preciso convencer trabalhadores que a redução dos salários nominais terá efeitos benéficos para que aceitem a medida. É tarefa muito difícil, pois estamos negociando um prejuízo imediato, concreto e visível em troca de benefício público, prometido e abstrato.
Geralmente o processo de convencimento dos trabalhadores é frustrado. Somente a recessão, no caso de sociedades democráticas, ou o fechamento de sindicatos, no caso de sociedades autoritárias, tem conseguido obter este resultado.
c) reduzir as taxas de juros reais.
Não existem evidências empíricas convincentes de que a redução da taxa de juros aumenta o emprego. Isto só acontece se empresários investirem mais em novos equipamentos ou em mais estoques. Apesar de a argumentação lógica ser muito convincente, a evidência empírica é fraca.
d) Aumentar os gastos dos governos mais do que a arrecadação.
É equivalente a aumentar o déficit público. Tem efeitos imediatos que podem ser compensados por aumentos na taxa de juros que reduziriam os investimentos privados, o que não encontra apoio nas evidências empíricas.
Nos anos correntes, a estratégia está praticamente excluída, por razões políticas e teóricas. Como se acredita que o déficit é ruim, o aumento de déficit pode gerar fuga de capitais. Com taxas fixas de câmbio, resulta em redução de liquidez e diminuição do nível de atividade e emprego.
e) Diminuir os encargos sociais.
É equivalente a reduzir os salários reais. O resultado depende de como a perda das receitas dos encargos afetará os gastos públicos. Se deixarem de ser gastos, tendem a reduzir o emprego.
f) aumentar a poupança.
Aumentar a poupança ou consumir menos, só atrapalha. Aumentar os investimentos, ajuda. Investimento é diferente de poupança. A melhor recomendação é deixar a poupança em paz.
2 - Quando se consideram várias economias ao mesmo tempo, é preciso mais cuidado pois:
a) desvalorização cambial.
Não é mais remédio para o desemprego. Se um país desvaloriza e aumenta o emprego, outros países perdem o emprego. Se todos desvalorizarem ao mesmo tempo, o emprego não se altera.
b) reduzir o salário nominal.
Também não funciona quando se consideram todos os países ao mesmo tempo. A redução do salário nominal pode reduzir o nível geral de preços, gerar expectativas de que os preços vão cair mais ainda e, como resultado disto tudo, aumentar as taxas de juros, a vontade de guardar dinheiro em caixa e, consequentemente, diminuir ainda mais o emprego. O salário real pode cair ou não, depende de como os preços se ajustem.
c) aumentar o déficit público.
Não tem contra-indicação enquanto existir desemprego. Único problema é o mal-estar político e a prevenção contra gastos públicos e governos em geral.
É preciso questionar a própria pergunta. Por que aumentar o emprego?
Não seria melhor trabalhar menos, descansar mais? Se sobra mão-de-obra e produção, poderíamos fazer como anunciam os franceses socialistas e praticam os alemães sociais-democratas. Bastaria reduzir a jornada de trabalho sem reduzir salários.
Um país não pode fazer isto isoladamente. A menos que possa ter grandes déficits em transações correntes com financiamento garantido, como os Estados Unidos. Ou que possa desvalorizar o câmbio, o que é problemático para muitos países como o Brasil."


João Sayad, 51, economista, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney), escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@ibm.net




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