São Paulo, quarta-feira, 05 de janeiro de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

2005 - O ano do Rio

PAULO RABELLO DE CASTRO

O ano que começa mereceria se tornar um brado contra a violência, em todas as suas formas e expressões, incluindo as oficiais. Violência covarde contra cidadãos indefesos, violência contra mulheres e crianças -até dentro de casa- violência moral e persecutória contra minorias étnicas, religiosas e comportamentais. Violência contra a fauna e a flora. Agressão à propriedade privada. Arbitrariedades contra o cidadão contribuinte. Violência fiscal contra os consumidores. E, acima de tudo, a violência contra a vida.
O Brasil tornou-se um país homicida. Existe um tsunami de agressividade dentro de nós. A imensa tragédia dos tsunamis asiáticos, na semana passada, talvez tenha ceifado 150 mil vidas, trazendo horror e choque pelas dimensões cataclísmicas do fato. Pois, no Brasil, os homicídios assumem proporções de tsunamis, superando a marca de 50 mil assassinatos, com grande destaque para as capitais da violência, Rio, Recife e São Paulo, não necessariamente nessa ordem. Pouco importa quem seja o campeão desse fatídico concurso. O que interessa, além da enorme dor e do desconsolo das famílias e amigos das dezenas de milhares de vítimas, são as conseqüências econômicas da "percepção da violência" por parte dos que ainda ficaram vivos. Estatisticamente, por cabeça ou habitante, o Rio não é a cidade mais homicida do Brasil. Mas é a cidade que, de longe, mais tem expulsado pessoas e empresas com medo de morrer. É a sensação invasiva de insegurança, a morte espreitando a qualquer momento, em qualquer lugar, até porque a configuração urbana da cidade do Rio, entremeada por morros e encostas, propiciou a sua ocupação desordenada -embora pacífica por muitas décadas-, até que o coquetel explosivo do tráfico de armas e de drogas, mesclado ao desemprego estrutural de uma economia urbana totalmente decadente, mais a angústia de posse por parte da juventude, agredida dia-a-dia, pelos apelos do consumo sofisticado de uma minoria, geraram a presente tragédia carioca da maior matança de adolescentes e jovens adultos de todos os tempos.
No Rio, morrerão neste ano, se nada diferente for feito, mais "soldados" do tráfico do que soldados no Iraque. É um escárnio contra os poderes instituídos, um deboche contra a máquina cara, pesada e emperrada das polícias e do Judiciário. É, sobretudo, uma denúncia permanente contra o nosso oba-oba generalizado, à busca de razões para ficar feliz sem motivo plausível. É melhor pensar direito. Em muitos setores e em várias regiões do país, como na área metropolitana do Rio, nada ocorreu, em 2004, no seu "PIB" regional ou local, que justifique carnaval fora de hora.
A insuspeita Firjan -Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro- lançou um "Grito do Rio", de indignação e revolta, conforme expressão textual do anúncio de duas páginas inteiras de jornal, no primeiro dia deste ano, não apenas pedindo paz (isso é ocioso, talvez até inútil) mas, sobretudo, exigindo providências contra o que os industriais fluminenses chamaram de "ditadura da violência". Dizem mais: "O Rio está muito ferido. E seu grito é ensurdecedor [...] a pergunta é: quem está ouvindo? [...] Porque o problema [...] é um problema do Brasil [...] resultado de décadas de omissão e conivência". E concluem: "A liberdade de expressão não está comprometida ainda. Mas a liberdade de ir e vir, para não dizer a própria liberdade de viver, estão cada vez mais ameaçadas. E essa é a maior violência que poderemos sofrer como povo, como Estado, como país, como nação".
Talvez fosse o caso de acrescentar que a violência no Rio é especial até nas suas origens institucionais. Houve uma dupla violência institucional contra o Rio, a primeira, por consentimento, em 1960, quando o Distrito Federal foi removido para Brasília, deixando a cidade órfã do seu "PIB" administrativo; a segunda, sem qualquer consulta popular, quando o Estado da Guanabara, em que se havia transformado o antigo DF, foi "casado à força" com o Estado do Rio, cuja bela capital -Niterói- também perdeu seu status.
Diferentemente da situação da cisão de um Estado em duas unidades federativas, com ganhos para ambos os lados, a perda da capital federal e, em seguida, a fusão a fórceps produziram no Rio um curto-circuito de sua vocação econômica e na vida institucional da cidade maravilhosa.
Por isso, embora tenha razão a Firjan em pedir o urgente investimento na modernização do aparelho repressor à violência no Rio, ir mais fundo na questão exigirá buscar um "que fazer?" para o Rio, que não apenas fortaleça sua vocação turística, como quer o ministro Mares Guia, do Turismo, mas pensar projeto mais radical, como um Distrito Financeiro Internacional, ou centro de pesquisas biomédicas, cidade do cinema e do audiovisual.
Qualquer alternativa parece longínqua hoje, pela sanha da violência que liqüida qualquer esperança, a mínima utopia, o menor sonho.
É, justamente, essa decadência moral do Rio que precisa ser estancada. Sendo uma cidade-símbolo, cara do Brasil, a morte do Rio deveria merecer do Executivo Federal e do Congresso Nacional, em 2005, atenção especial, em prol de sua própria ressurreição. Brasileiros começam a se levantar em favor de devolver ao hoje município do Rio seu status de cidade-Estado, como o foi, sob vários nomes, por 212 anos, de 1763 a 1975.


Paulo Rabello de Castro, 55, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - rabellodecastro@uol.com.br


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