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OPINIÃO ECONÔMICA
2005 - O ano do Rio
PAULO RABELLO DE CASTRO
O ano que começa mereceria
se tornar um brado contra a
violência, em todas as suas formas e expressões, incluindo as oficiais. Violência covarde contra cidadãos indefesos, violência contra mulheres e crianças -até
dentro de casa- violência moral
e persecutória contra minorias étnicas, religiosas e comportamentais. Violência contra a fauna e a
flora. Agressão à propriedade privada. Arbitrariedades contra o cidadão contribuinte. Violência fiscal contra os consumidores. E,
acima de tudo, a violência contra
a vida.
O Brasil tornou-se um país homicida. Existe um tsunami de
agressividade dentro de nós. A
imensa tragédia dos tsunamis
asiáticos, na semana passada, talvez tenha ceifado 150 mil vidas,
trazendo horror e choque pelas
dimensões cataclísmicas do fato.
Pois, no Brasil, os homicídios assumem proporções de tsunamis,
superando a marca de 50 mil assassinatos, com grande destaque
para as capitais da violência, Rio,
Recife e São Paulo, não necessariamente nessa ordem. Pouco importa quem seja o campeão desse
fatídico concurso. O que interessa,
além da enorme dor e do desconsolo das famílias e amigos das dezenas de milhares de vítimas, são
as conseqüências econômicas da
"percepção da violência" por parte dos que ainda ficaram vivos.
Estatisticamente, por cabeça ou
habitante, o Rio não é a cidade
mais homicida do Brasil. Mas é a
cidade que, de longe, mais tem expulsado pessoas e empresas com
medo de morrer. É a sensação invasiva de insegurança, a morte
espreitando a qualquer momento, em qualquer lugar, até porque
a configuração urbana da cidade
do Rio, entremeada por morros e
encostas, propiciou a sua ocupação desordenada -embora pacífica por muitas décadas-, até
que o coquetel explosivo do tráfico de armas e de drogas, mesclado
ao desemprego estrutural de uma
economia urbana totalmente decadente, mais a angústia de posse
por parte da juventude, agredida
dia-a-dia, pelos apelos do consumo sofisticado de uma minoria,
geraram a presente tragédia carioca da maior matança de adolescentes e jovens adultos de todos
os tempos.
No Rio, morrerão neste ano, se
nada diferente for feito, mais "soldados" do tráfico do que soldados
no Iraque. É um escárnio contra
os poderes instituídos, um deboche contra a máquina cara, pesada e emperrada das polícias e do
Judiciário. É, sobretudo, uma denúncia permanente contra o nosso oba-oba generalizado, à busca
de razões para ficar feliz sem motivo plausível. É melhor pensar direito. Em muitos setores e em várias regiões do país, como na área
metropolitana do Rio, nada ocorreu, em 2004, no seu "PIB" regional ou local, que justifique carnaval fora de hora.
A insuspeita Firjan -Federação das Indústrias do Estado do
Rio de Janeiro- lançou um "Grito do Rio", de indignação e revolta, conforme expressão textual do
anúncio de duas páginas inteiras
de jornal, no primeiro dia deste
ano, não apenas pedindo paz (isso é ocioso, talvez até inútil) mas,
sobretudo, exigindo providências
contra o que os industriais fluminenses chamaram de "ditadura
da violência". Dizem mais: "O
Rio está muito ferido. E seu grito é
ensurdecedor [...] a pergunta é:
quem está ouvindo? [...] Porque o
problema [...] é um problema do
Brasil [...] resultado de décadas
de omissão e conivência". E concluem: "A liberdade de expressão
não está comprometida ainda.
Mas a liberdade de ir e vir, para
não dizer a própria liberdade de
viver, estão cada vez mais ameaçadas. E essa é a maior violência
que poderemos sofrer como povo,
como Estado, como país, como
nação".
Talvez fosse o caso de acrescentar que a violência no Rio é especial até nas suas origens institucionais. Houve uma dupla violência institucional contra o Rio, a
primeira, por consentimento, em
1960, quando o Distrito Federal
foi removido para Brasília, deixando a cidade órfã do seu "PIB"
administrativo; a segunda, sem
qualquer consulta popular, quando o Estado da Guanabara, em
que se havia transformado o antigo DF, foi "casado à força" com o
Estado do Rio, cuja bela capital
-Niterói- também perdeu seu
status.
Diferentemente da situação da
cisão de um Estado em duas unidades federativas, com ganhos
para ambos os lados, a perda da
capital federal e, em seguida, a fusão a fórceps produziram no Rio
um curto-circuito de sua vocação
econômica e na vida institucional
da cidade maravilhosa.
Por isso, embora tenha razão a
Firjan em pedir o urgente investimento na modernização do aparelho repressor à violência no Rio,
ir mais fundo na questão exigirá
buscar um "que fazer?" para o
Rio, que não apenas fortaleça sua
vocação turística, como quer o
ministro Mares Guia, do Turismo, mas pensar projeto mais radical, como um Distrito Financeiro Internacional, ou centro de
pesquisas biomédicas, cidade do
cinema e do audiovisual.
Qualquer alternativa parece
longínqua hoje, pela sanha da
violência que liqüida qualquer
esperança, a mínima utopia, o
menor sonho.
É, justamente, essa decadência
moral do Rio que precisa ser estancada. Sendo uma cidade-símbolo, cara do Brasil, a morte do
Rio deveria merecer do Executivo
Federal e do Congresso Nacional,
em 2005, atenção especial, em
prol de sua própria ressurreição.
Brasileiros começam a se levantar
em favor de devolver ao hoje município do Rio seu status de cidade-Estado, como o foi, sob vários
nomes, por 212 anos, de 1763 a
1975.
Paulo Rabello de Castro, 55, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de
crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br
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