São Paulo, quarta-feira, 05 de janeiro de 2005

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ARTIGO

Os riscos ao crescimento sustentado mundial

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

Começamos um novo ano marcado pela catástrofe. Precisamos socorrer os sobreviventes. Além disso, as palavras são inadequadas. Então vou falar sobre a economia mundial em 2005.
Em 2004, as economias da OCDE crescerão cerca de 3,6%, melhora saudável sobre os 2,2% de 2003 e o 1,6% em 2002. Os EUA lideraram com uma expansão prevista em 4,4%. Surpreendentemente, o Japão conseguiu 4%. Menos surpreendentemente, o Reino Unido atingiu 3,2%. Sem surpresa, a zona do euro continuou atrasada, com 1,8%. Mas até isso foi um grande avanço em relação ao miserável 0,6% de 2003.
O ano passado parece ter visto o mais rápido crescimento global em quase três décadas. A China, segundo a OCDE, cresceu 9,2%. A aposta do Brasil na ortodoxia parece estar recompensando, com o crescimento em 4,5%. A Rússia, animada pelos altos preços do petróleo, cresceu mais de 6%.
Que essa recuperação tenha ocorrido em uma economia mundial abalada pelo estouro da bolha de alta tecnologia, por atentados terroristas, guerras no Afeganistão e no Iraque e alta dos preços do petróleo é um testamento de resistência. Particularmente encorajador é o crescimento de 9,5% do comércio mundial.
Mas o mais importante é possivelmente a inflação baixa. Os bancos centrais estão confiantes em que um salto isolado dos preços do petróleo não vai alimentar uma espiral de preços e salários. O Banco do Japão e o BC europeu absolutamente não reagiram. O Fed e o Banco da Inglaterra continuaram com um arrocho comedido. Em termos reais, os preços do petróleo estão mais altos que em meados dos anos 70. Mas as conseqüências inflacionárias e, portanto, monetárias foram diferentes, felizmente.
E agora? A suposição convencional é que haverá um crescimento sustentado, embora mais modesto, neste ano: a OCDE prevê um crescimento de seus membros de 2,9%, com os EUA em 3,3%, o Japão em 2,1% e a zona euro em 1,9%. Ela prevê que o crescimento da China vai desacelerar para 8%, o do Brasil, para 3,6%, e o da Rússia, para 5,5%.

Seis riscos
Sabe-se muito bem que as pessoas que fazem previsões quase sempre assumem uma transição suave para um estado de equilíbrio. A pergunta mais interessante é o que poderia influenciar o resultado. Se ignorarmos novas visitas dos quatro cavaleiros do apocalipse, precisamos nos concentrar em seis riscos, positivos ou negativos.
O primeiro são os preços do petróleo. Há motivos para esperar níveis mais altos nas próximas duas ou três décadas do que nas últimas duas: a forte demanda de emergentes, notadamente a China e a Índia, é o principal. A economia mundial provavelmente também dependerá mais da produção da Opep, enquanto as reservas de outros lugares diminuem. Mesmo assim, conclui a OCDE de modo plausível que os preços foram exacerbados no ano passado e agora devem tender para baixo. Mas os mercados de petróleo estão muito tensos.
O segundo risco é o dólar. A moeda americana se encontra no que provavelmente será um mercado à espera de uma queda no longo prazo, comparável ao dos anos 70 e ao de 1985-95. O motivo é simples: seu financiamento externo excede o que o setor privado parece preparado para suportar, pelo menos com os preços atuais das ações americanas.
Muitos acreditam que o déficit de conta corrente americano precisa ser reduzido pela metade em relação ao PIB. Nesse caso, a pergunta é não apenas quão suave será esse ajuste mas também quão amplamente será compartilhado. Muito depende de se a China e outros países que intervieram para manter suas moedas baixas ante o dólar insistirão nisso. Infelizmente, acredito que o farão.
O terceiro são as perspectivas de demanda no Japão e, sobretudo, na zona do euro. Para que o déficit externo dos EUA seja ajustado em uma economia global em crescimento, as outras economias de alta renda devem exportar estímulo, em vez de importar. A demanda doméstica real tem se reforçado em ambas as áreas, no Japão e na zona do euro.
Infelizmente, a demanda interna continua fraca na Alemanha: foi cerca de 2% menor no ano passado do que em 2000. A OCDE espera que os investimentos aumentem. As atrações de investimento muito maior em uma economia de alto custo e crescimento lento devem ser limitadas.
O quarto risco é o ajuste para pôr fim ao boom dos preços de imóveis em algumas economias de alta renda. Os países com maiores aumentos nos preços de residências foram Espanha, Irlanda, Holanda, Reino Unido e Austrália. Mas os EUA também tiveram uma alta considerável.
Os preços florescentes da habitação foram felizmente um fator, e não o único, que sustentou os gastos familiares. Uma pergunta importante é se a estabilização dos preços, sem falar numa queda, reduzirá esses gastos.
O quinto risco é o momento da demanda chinesa. Em 2002-03, o crescimento das importações chinesas representou um quinto do crescimento do mercado americano de exportações e de um quarto a um terço para o Japão e a Austrália. A China viu uma desaceleração acentuada no crescimento dos empréstimos internos. A pergunta é até onde a expansão do investimento deve desacelerar e se o consumo privado pode compensar a redução. Uma desaceleração mais acentuada que a prevista é perfeitamente possível.
O último risco é a sustentabilidade de uma economia mundial aberta. A Rodada Doha precisa ser concluída assim que possível. Preocupações compreensíveis sobre as conseqüências de "exportar" empregos dos países de alta renda precisam ser enfrentadas com políticas criativas, e não com protecionismo. Reverter a tendência americana para os déficits de conta corrente cada vez maiores também ajudará a diminuir a pressão protecionista da maior economia do mundo.
O que tudo isso representa? A atual recuperação poderá muito bem se transformar em um crescimento sustentado e amplamente compartilhado. Mas, para que isso aconteça, os idealizadores de políticas devem ao mesmo tempo melhorar as políticas internas e sustentar a cooperação global. Um início desta, neste ano, deverá envolver a plena participação chinesa nas reuniões do G7. Com três membros da zona euro, o grupo está desatualizado. As instituições precisam se adaptar. A hora de o G7 fazer isso é agora.


Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves


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