São Paulo, quinta-feira, 05 de janeiro de 2006

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COMENTÁRIO

Bom motivo para comemorar

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O mundo entrou na era da baixa inflação. Nos EUA, há não mais de um ano a grande preocupação era com o efeito inverso, a deflação. O Brasil, com certo atraso, parece também ter aprendido a domar os preços e trazer a taxa de inflação para níveis "civilizados".
Por algum tempo, economistas sugeriram que economias menos desenvolvidas fatalmente teriam que conviver com taxas de inflação mais altas. O motivo? As economias em desenvolvimento precisavam enfrentar desequilíbrios que os países centrais não haviam enfrentado. Gargalos, restrições externas, crises cambiais. Tudo conspirava para que o comportamento dos preços fosse mais instável nas economias subdesenvolvidas. Daí, a conclusão de que era "normal" conviver com inflação alta caso esses países quisessem crescer.

Sem tolerância
A tolerância com a inflação acabou. A alta descontrolada de preços corrói o poder de compra da moeda. O problema, no entanto, não é apenas este. Há diversos tipos de detentores de moeda. No Brasil, por exemplo, havia os mais pobres, que, com o papel moeda na mão, viam o valor do salário derreter com as taxas estratosféricas de inflação. E havia as classes média e alta, que, longe do papel moeda, possuíam depósitos financeiros, que mantinham relativamente a salvo da inflação. Assim, a inflação machucava muito mais o bolso dos pobres. Não à toa, a relativa estabilidade também iniciou um processo, ainda que muito lento, de melhora na distribuição de renda.
Planejar em tempos de inflação também não era fácil. Qual o preço a que os empresários venderão seus produtos? Qual será a taxa de inflação do próximo ano? Com preços tão instáveis, qual o comportamento da taxa de câmbio, que, na verdade, é o preços das outras moedas em relação à moeda nacional? Sem horizonte previsível, os investimentos tendem a minguar. Grosso modo, a taxa de investimento tende a melhorar em um país que foge do descontrole de preços -consideradas todas as demais condições constantes.
O governo planejava, de certo modo. Mas planejava contando com a inflação, ou com a corrosão que ela geraria nas despesas públicas. As contas se equilibravam sempre "a posteriori". As receitas de impostos eram indexadas. As despesas, não. A estabilização, é verdade, gerou um grande problema. O Estado brasileiro precisou ajustar suas contas, deixando de fazê-lo à custa de uma ilusão monetária.
Os preços de uma economia refletem o valor relativo dos bens e serviços comercializados no país. Preços instáveis distorcem os preços relativos, dificultam o planejamento das famílias, do governo, dos empresários. Distorcem investimentos -no Brasil, durante muito tempo, investimento era sinônimo de investimento imobiliário, o único bem cujo valor relativo parecia mais ou menos estável para os brasileiros.
Há quem discuta o custo de ter baixado a inflação. Quem ache que o governo, ao adotar as metas de inflação em 1999, poderia ter adotado uma trajetória mais suave de queda. Que, frente a choques, o Banco Central deveria ter sido mais flexível e evitado ter comprometido tanto crescimento para controlar os preços.
Mas, críticas à parte -e algumas delas fazem sentido-, não há porque não comemorar o fato de os brasileiros terem se livrado do fantasma da inflação.


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