São Paulo, quinta-feira, 05 de fevereiro de 2004

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ARTIGO

Ajuste nas Bolsas dos EUA não chegou ao fim

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

Será que o período de baixa nos mercados dos EUA enfim terminou?
A durabilidade e o vigor da recuperação da economia norte-americana (e mundial) dependerão pelo menos em parte de uma resposta positiva. Infelizmente, esse tipo de resposta só poderia ser dado por alguém que acredite em, se não seis, pelo menos quatro coisas impossíveis antes do café da manhã.
Se recordarmos a situação de quatro anos atrás, teremos que pensar em uma era de crença na "nova economia" e numa alta constante para os preços das ações. Pelos padrões do final dos anos 90, a era atual ostenta imensa moderação. Mas o adjetivo "moderado" só se aplica a ela sob esses padrões.
De 1881 em diante, as avaliações das ações nas Bolsas dos EUA só estiveram acima de seu patamar atual duas vezes: em 1929-30 e nos meses que marcaram o mais recente pico dos mercados. A questão que precisamos enfrentar é determinar se essas avaliações deveriam, assim, passar a ser encaradas como norma. E minha resposta é "não".
Assim, até que ponto os mercados estão vulneráveis agora, depois da ascensão de 46% no índice Standard & Poor's 500 (S&P 500) de seu marco de baixa em março de 2003 até agora?
Uma resposta encorajadora seria a de que resta muito a subir antes que o mercado volte ao pico atingido em 2000. Mas, na verdade, essa resposta é menos encorajadora do que gostaríamos, porque aquele pico foi excepcional. A relação entre preços e lucros das ações negociadas hoje em dia (a relação P/L) está mais ou menos duas vezes acima de sua média de longo prazo.
A relação P/L ciclicamente ajustada (a relação entre o valor do índice do mercado de ações e a média móvel dos lucros empresariais reais), que é o método de avaliação proposto por Robert Shiller, da Universidade Yale, está mais de 70% acima de seu ponto médio. A razão de valorização de ações (conhecida como Tobin's Q, em homenagem ao economista James Tobin), que representa a relação entre os mercados de ações e o custo de substituição dos ativos empresariais, oferece diagnóstico semelhante.

Avaliações irreais
Como argumentam o professor Shiller e Andrew Smithers, da Smithers & Co., de Londres, as avaliações de ações tendem a convergir para a média no longo prazo. Já que os mercados tendem a essa média, avaliações excepcionalmente elevadas significam que posteriormente é mais provável uma queda do que uma alta dos mercados.
O oposto se aplica a avaliações relativamente baixas. Já que as avaliações atuais são elevadas em termos históricos, é mais provável, argumentam os pessimistas, que os mercados caiam, em lugar de subir, nos anos vindouros.
De que maneira os otimistas rebatem esse argumento? A primeira coisa impossível que alegam é que está surgindo uma explosão de lucratividade, que terminará por validar os preços atuais.
É verdade que a proporção dos lucros empresariais em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) disparou. De fato, ela se aproxima de níveis vistos pela última vez em 1997. Mas esse é um indicador negativo, e não favorável.
As margens de lucros oscilam acentuadamente no curto prazo, mas os lucros tendem a subir de acordo com o PIB em prazos mais longos. Desde 1970, a relação entre lucros e PIB tem ficado em média em 8,4%. No terceiro trimestre de 2003, ela ultrapassou os 10,1%. Isso sugere que a relação entre lucro e PIB tem agora mais chance de cair do que de subir.
Além disso, como destaca Smithers, as margens de lucros estão apenas 4% acima da média no setor não financeiro, enquanto no financeiro elas superam a média em 32%. Se a recuperação for tão forte quanto os otimistas acreditam, as taxas de juros de curto e longo prazo vão subir, mas as primeiras subirão mais que as segundas. Essa combinação decerto prejudicará as margens de lucro do setor financeiro.
Um segundo argumento impossível é que o prêmio (ágio) de risco caiu, nas ações, a um patamar muito inferior ao nível histórico, o que justificaria, portanto, as altas avaliações ostentadas nas Bolsas hoje e a perspectiva de baixos retornos.

Custo e benefício
Esse argumento, usado amplamente antes que a bolha das ações estourasse, é essencialmente o de que as pessoas desfrutam de retornos elevados agora porque desejam retornos mais baixos no futuro. Os mercados, sob essa teoria, subiriam de uma vez, à medida que cai o prêmio de risco, e mais tarde passariam a gerar retornos baixos, em comparação com o padrão histórico.
A virada projetada sob esse argumento seria considerável. No longo prazo, os retornos reais ostentam média de cerca de 6,5%. Mas a relação P/L ciclicamente ajustada que temos hoje implicaria retorno real de menos de 4% no longo prazo.
O mesmo continua a valer se acrescentarmos um crescimento plausível para os dividendos, bem como índices plausíveis de recompra de ações, ao dividendo médio de 1,5% pago pelas empresas que compõem o S&P 500 atualmente.
Como apontaram Robert Arnott e Peter Bernstein, o crescimento dos dividendos não supera o do PIB per capita. Mesmo que possa haver otimismo quanto à tendência de crescimento da produtividade nos EUA (o que implica aumento no PIB per capita), esse fator, uma vez mais, sugeriria retornos reais de não mais de 4% sobre o investimento em ações.
Assim, o que pedem que aceitemos é que as pessoas que agora estão comprando no mercado o fazem por acreditar que seus retornos serão de apenas 4%, antes que paguem quaisquer dos custos. Esse é um conto de fadas para corretores de ações.

Prêmio de risco
Um terceiro argumento impossível está diretamente relacionado ao segundo. É o de que o prêmio de risco pode entrar em colapso sem afetar o custo do capital isento de riscos.
Imagine, por um momento, que o prêmio de risco de capital tenha caído. No entanto, ninguém está sugerindo que o produto marginal do capital despencou. Pelo contrário, muitos acreditam que tenha subido, acompanhando os ganhos de produtividade da economia.
Dessa forma, podemos considerar que, caso o prêmio tivesse caído acentuadamente, a taxa para o capital livre de risco deveria ter subido, para abrir o mercado para os fundos passíveis de investimento. Mas a taxa para o capital livre de risco não subiu. Com base na inflação esperada para o ano que vem, a taxa de juros para capital livre de riscos investido em títulos do Tesouro dos EUA é de apenas 2,5%.
Isso nos conduz a um quarto e último argumento impossível, o de que o retorno sobre o capital independe de seu custo.
Um mercado de ações em alta implica baixo custo para o capital acionário. Mas as expectativas confiantes sobre as boas perspectivas de crescimento econômico implicam alto retorno sobre o capital corporativo.
No entanto, as duas tendências precisam convergir. Podem fazê-lo de uma entre duas maneiras: por meio de um boom de investimento que reduza os retornos sobre o capital corporativo ou por meio de uma queda nos mercados de ações.
A primeira solução foi experimentada nos anos finais da bolha. Mas o investimento caiu quando os retornos caíram. O ajuste terá de ocorrer, portanto, pela segunda rota: uma queda nos mercados de ações.
E onde isso nos deixa? Preocupados, essa é a resposta.
O Federal Reserve (banco central dos EUA) ajudou a criar uma minibolha, para aliviar o impacto da explosão da megabolha. Isso não provê base segura para uma recuperação sustentada.
As avaliações das ações americanas não estão grotescamente altas desta vez. Mas continuam altas demais. A queda nos mercados ainda não acabou. E, até que acabe, não podemos nos sentir confiantes quanto à recuperação.


Tradução de Paulo Migliacci


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