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São Paulo, quarta-feira, 05 de março de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Previdência: a reforma que queremos

PAULO RABELLO DE CASTRO

A cho que o ministro Ricardo Berzoini, da Previdência, resumiu o grito preso na garganta da maioria esmagadora dos brasileiros: "Chega de tantos privilégios!". Desde que o Brasil elegeu Collor, pensando com isso combater "os marajás", o diagnóstico das mazelas brasileiras segue sendo o mesmo: muitos pagando pela boa vida de uns poucos.
No momento em que tomou a palavra, no seminário promovido pela Bovespa e pela Abamec para discutir os rumos da reforma, o ministro deixou bem claro o objetivo central do governo: "Queremos uma Previdência Social mais justa", disse, acrescentando em seguida que considera o sistema atual regressivo, ou seja, os mais pobres pagam a conta dos mais ricos.
De fato, as alíquotas da Previdência do povão, que é o INSS, vão a mais de 30% sobre o salário básico. A Fipe, lá presente, calculou em 26% a alíquota efetiva sobre a folha salarial, em razão do teto de dez salários sobre a contribuição da parte dos empregados.
O economista do Ibmec Carlos da Costa, num trabalho inovador e informativo, foi mais longe. Calculou a perda de cada brasileiro que paga a alíquota previdenciária do INSS, ao comparar tudo o que recolhe ao instituto, em confronto com o que receberá no futuro. O jovem e destacado professor de finanças conseguiu demonstrar o que as pessoas sentem sem conseguir provar: que o sistema é injusto para quem dele participa do início ao fim da vida, sem privilégios, porque recebe de volta menos do que contribuiu.
Lógico que o governo não faz essa injustiça por maldade. O sistema faz uns pagarem para que outros beneficiários da Previdência oficial possam receber sem ter contribuído para ela. Uma parte importante do desequilíbrio financeiro vem daí: benefícios auferidos sem contribuição prévia. Alguns milhões de beneficiários foram incorporados pela Constituição de 1988. Deveriam ter tratamento fiscal destacado da Previdência básica. A rede de proteção aos idosos carentes e não-pagantes não é a conta mais grave do Orçamento federal. Está apenas fora da contabilidade certa, porque não é Previdência: é assistência social. Sua cobertura seria por meio dos tributos gerais.
Onde está então o maior desequilíbrio potencial? Nisso todos os presentes ao seminário pareciam de acordo: na Previdência dos servidores públicos. Nesta última, que tem vários "regimes próprios", a contribuição dos servidores ativos está longe de cobrir os gastos atuais com inativos do setor público. E o desequilíbrio só tende aumentar.
Portanto a urgência maior é aprovar regras mais sensatas para a Previdência dos servidores, respeitando os diretos adquiridos e os benefícios "em formação". O ex-ministro José Cechin, presente ao debate, lembrava duas providências de repercussão imediata, que já dormem nos corredores do Congresso, à espera de uma iniciativa: 1) aprovar o regime CLT para os entrantes no serviço público; 2) aprovar o PL-9, que trata da Previdência complementar aplicável ao serviço público.
O professor Ives Gandra da Silva Martins, também participante, com sua habitual argúcia, também lembrou que uma "módica contribuição dos inativos", mediante regra bem elaborada, não teria a repulsa do Supremo Tribunal Federal. O especialista Raul Velloso a isso acrescentou que tal procedimento já existe em certos fundos fechados, como o do Banco do Brasil (a Previ), em que o participante em gozo de benefício ainda contribui, por desconto na inatividade, ou seja, equalizando ganhos ao longo da vida num conceito de "renda permanente".
Todo esse manancial de boas idéias concorre para uma conclusão: o governo não precisa esperar mais. Só não se fará a reforma da Previdência que o Brasil almeja se o país dos privilegiados conseguir impor a vontade de uma minoria.
A reforma desejável criará contribuições compatíveis com os benefícios pagos. "Pagou, levou", como dizia o saudoso Chico Previdência, lembrado por seu companheiro de trabalho Kaisô Beltrão. Sugeri, então, uma lei de responsabilidade previdenciária, que deve ser elaborada estabelecendo os princípios básicos da nova Previdência, calçada na relação contribuição/ benefício, na "contratualização" da relação previdenciária, numa rede de proteção aos idosos e órfãos sem cobertura, no financiamento dos custos da transição e na regra de livre opção entre os regimes velho e novo, para quem já está no sistema atual.
O INSS -penso eu- deve se tornar agência autônoma, livre de infunções políticas, capaz de representar plenamente os interesses previdenciários dos participantes. Assim como a fiscalização da Previdência fechada complementar deve melhorar, para tornar o sistema de acumulação de pecúlios algo totalmente confiável. Hoje ainda não é assim.
A principal barreira a ser vencida não é o chamado custo de transição da reforma (estimado em cerca de 40% do PIB, a ser digerido ao longo de 30 anos...). Esse custo, como foi demonstrado por Carlos da Costa, será completamente absorvível se a reforma da Previdência for acoplada à reforma tributária.
A barreira maior é o medo da mudança e o temor do novo, que ainda nos fazem resistir a saltar na direção de um futuro de grande prosperidade para todos.


Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - paulo@rcconsultores.com.br


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