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OPINIÃO ECONÔMICA
Previdência: a reforma que queremos
PAULO RABELLO DE CASTRO
A cho que o ministro Ricardo
Berzoini, da Previdência, resumiu o grito preso na garganta
da maioria esmagadora dos brasileiros: "Chega de tantos privilégios!". Desde que o Brasil elegeu
Collor, pensando com isso combater "os marajás", o diagnóstico
das mazelas brasileiras segue sendo o mesmo: muitos pagando pela boa vida de uns poucos.
No momento em que tomou a
palavra, no seminário promovido
pela Bovespa e pela Abamec para
discutir os rumos da reforma, o
ministro deixou bem claro o objetivo central do governo: "Queremos uma Previdência Social mais
justa", disse, acrescentando em
seguida que considera o sistema
atual regressivo, ou seja, os mais
pobres pagam a conta dos mais
ricos.
De fato, as alíquotas da Previdência do povão, que é o INSS,
vão a mais de 30% sobre o salário
básico. A Fipe, lá presente, calculou em 26% a alíquota efetiva sobre a folha salarial, em razão do
teto de dez salários sobre a contribuição da parte dos empregados.
O economista do Ibmec Carlos
da Costa, num trabalho inovador
e informativo, foi mais longe. Calculou a perda de cada brasileiro
que paga a alíquota previdenciária do INSS, ao comparar tudo o
que recolhe ao instituto, em confronto com o que receberá no futuro. O jovem e destacado professor de finanças conseguiu demonstrar o que as pessoas sentem
sem conseguir provar: que o sistema é injusto para quem dele participa do início ao fim da vida,
sem privilégios, porque recebe de
volta menos do que contribuiu.
Lógico que o governo não faz essa injustiça por maldade. O sistema faz uns pagarem para que outros beneficiários da Previdência
oficial possam receber sem ter
contribuído para ela. Uma parte
importante do desequilíbrio financeiro vem daí: benefícios auferidos sem contribuição prévia.
Alguns milhões de beneficiários
foram incorporados pela Constituição de 1988. Deveriam ter tratamento fiscal destacado da Previdência básica. A rede de proteção aos idosos carentes e não-pagantes não é a conta mais grave
do Orçamento federal. Está apenas fora da contabilidade certa,
porque não é Previdência: é assistência social. Sua cobertura seria
por meio dos tributos gerais.
Onde está então o maior desequilíbrio potencial? Nisso todos os
presentes ao seminário pareciam
de acordo: na Previdência dos
servidores públicos. Nesta última,
que tem vários "regimes próprios", a contribuição dos servidores ativos está longe de cobrir
os gastos atuais com inativos do
setor público. E o desequilíbrio só
tende aumentar.
Portanto a urgência maior é
aprovar regras mais sensatas para a Previdência dos servidores,
respeitando os diretos adquiridos
e os benefícios "em formação". O
ex-ministro José Cechin, presente
ao debate, lembrava duas providências de repercussão imediata,
que já dormem nos corredores do
Congresso, à espera de uma iniciativa: 1) aprovar o regime CLT
para os entrantes no serviço público; 2) aprovar o PL-9, que trata
da Previdência complementar
aplicável ao serviço público.
O professor Ives Gandra da Silva Martins, também participante, com sua habitual argúcia,
também lembrou que uma "módica contribuição dos inativos",
mediante regra bem elaborada,
não teria a repulsa do Supremo
Tribunal Federal. O especialista
Raul Velloso a isso acrescentou
que tal procedimento já existe em
certos fundos fechados, como o do
Banco do Brasil (a Previ), em que
o participante em gozo de benefício ainda contribui, por desconto
na inatividade, ou seja, equalizando ganhos ao longo da vida
num conceito de "renda permanente".
Todo esse manancial de boas
idéias concorre para uma conclusão: o governo não precisa esperar
mais. Só não se fará a reforma da
Previdência que o Brasil almeja
se o país dos privilegiados conseguir impor a vontade de uma minoria.
A reforma desejável criará contribuições compatíveis com os benefícios pagos. "Pagou, levou", como dizia o saudoso Chico Previdência, lembrado por seu companheiro de trabalho Kaisô Beltrão.
Sugeri, então, uma lei de responsabilidade previdenciária, que
deve ser elaborada estabelecendo
os princípios básicos da nova Previdência, calçada na relação contribuição/ benefício, na "contratualização" da relação previdenciária, numa rede de proteção aos
idosos e órfãos sem cobertura, no
financiamento dos custos da
transição e na regra de livre opção entre os regimes velho e novo,
para quem já está no sistema
atual.
O INSS -penso eu- deve se
tornar agência autônoma, livre
de infunções políticas, capaz de
representar plenamente os interesses previdenciários dos participantes. Assim como a fiscalização
da Previdência fechada complementar deve melhorar, para tornar o sistema de acumulação de
pecúlios algo totalmente confiável. Hoje ainda não é assim.
A principal barreira a ser vencida não é o chamado custo de
transição da reforma (estimado
em cerca de 40% do PIB, a ser digerido ao longo de 30 anos...). Esse custo, como foi demonstrado
por Carlos da Costa, será completamente absorvível se a reforma
da Previdência for acoplada à reforma tributária.
A barreira maior é o medo da
mudança e o temor do novo, que
ainda nos fazem resistir a saltar
na direção de um futuro de grande prosperidade para todos.
Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de
crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail - paulo@rcconsultores.com.br
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