São Paulo, sexta-feira, 05 de março de 2004

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LUÍS NASSIF

As certezas do caso AmBev

Há certezas e dúvidas sobre o episódio AmBev-Interbrew. A certeza é que, de fato, foi uma venda, não uma fusão. Houve troca de ações entre os sócios controladores da AmBev e a Interbrew. Criou-se um notável sofisma de que foi fusão porque o conselho da Interbrew terá 50% de sócios brasileiros.
Parem com isso! Consumada a operação, Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles serão sócios da Interbrew. Sua lógica de homens de negócio será a que for melhor para a Interbrew. O que define a lógica financeira da empresa é a lógica dos seus controladores, não sua nacionalidade.
A AmBev poderá ser prejudicada ou até beneficiada por planos conduzidos a partir da matriz. Mas não caberá a ela definir a estratégia. Se amanhã for do interesse da Interbrew reduzir as exportações da AmBev, nada poderá ser feito, mesmo o país precisando de exportações, por exemplo.
Marcel Telles, um dos sócios da Braco (a holding que junta as ações dos três), sustenta que a gestão da AmBev continuará compartilhada entre a Fundação Antonio e Helena Zerrenner, os três conselheiros atuais (que trocam o chapéu da Braco pelo da Interbrew) e um da Interbrew. É sabido que a participação da Fundação na AmBev é meramente figurativa. E na próxima reunião do conselho o trio assumirá suas funções com o chapéu da Interbrew.
As suspeitas que corriam no mercado ontem acabaram confirmadas pela edição de hoje do "Wall Street Journal". Uma das informações do jornal é que o prêmio de controle pago pela Interbrew à Braco foi de 100% sobre o valor das ADRs da AmBev na Bolsa de Nova York. Em geral, prêmios de controle ficam na faixa dos 20% a 30% acima das cotações das demais ações.
A segunda informação é a de que a AmBev pode estar pagando pela Labatt (a cervejaria controlada pela Interbrew que, na operação, passará para a AmBev) cerca de 1 bilhão a mais do que a participação da Interbrew nas companhias que têm participação da Labatt.
Se confirmados esses dados, as suspeitas sobre o negócio são da seguinte ordem:
1) a troca de ações teria visado mascarar a aquisição da AmBev pela Interbrew, para driblar o acordo firmado com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), na época da aquisição da Antarctica, de que os ativos não seriam vendidos pelo prazo de pelo menos dez anos. Mas é evidente que a venda atropelou esse acordo -essa é a razão para a interferência do órgão, não eventuais danos ao direito econômico;
2) o prêmio de controle pago à Braco pode ter saído do bolso dos acionistas minoritários da AmBev, por meio do suposto sobrepreço que pagarão pela compra da Labatt. Não haverá como a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) deixar de se pronunciar sobre o episódio;
3) os argumentos dos controladores da Fundação Antonio e Helena Zerrenner para o fato de não terem vendido também sua participação para a Interbrew ainda são vistos com desconfiança. Recebi correspondência da Fundação esclarecendo que perderia a imunidade tributária se aplicasse em ativos estrangeiros, além de a Interbrew não garantir dividendos mínimos. Essas teriam sido as duas razões para não aderir ao acordo. Embora, se aderisse, o inviabilizaria, por expor de maneira explícita sua natureza: a venda do controle da AmBev.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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