São Paulo, quarta-feira, 05 de março de 2008

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Câmbio da Ásia pode ajudar Brasil, diz UBS

Para conter inflação, China deve permitir apreciação de sua moeda, o que melhoraria a competitividade brasileira, prevê relatório

Real deverá ficar menos valorizado ante o dólar, porém mais apreciado em comparação com moedas asiáticas, diz economista

MARIA CRISTINA FRIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Moedas atreladas ao dólar norte-americano a taxas competitivas, como a da China, podem ter de se apreciar fortemente para conter a inflação em seus países. Isso levaria a um enfraquecimento do crescimento global porque as exportações asiáticas se tornariam menos competitivas. Essas são algumas das conclusões de um relatório global intitulado "Câmbio: o Delicado Balanço", do banco suíço UBS, divulgado ontem. Caso se confirme esse cenário, a competitividade do Brasil tenderia a crescer em relação a economias da Ásia.
"As forças globais vão na direção de um real menos apreciado em relação ao dólar, porém mais apreciado em relação às moedas asiáticas", diz Paulo Tenani, analista-chefe do UBS Pactual, responsável pela parte relativa ao Brasil no relatório.
Além desse movimento global, há os efeitos da política monetária do Banco Central brasileiro, o BC mais conservador do mundo, segundo Tenani.
Para o banco, o real segue se valorizando até o BC afrouxar a política monetária. A projeção do analista é de o dólar estar em R$ 1,60 no curto prazo (entre três e seis meses) e em R$ 1,70 em 12 meses.

 

FOLHA - As economias asiáticas têm resistido às pressões para valorizar suas moedas. Por que elas seriam levadas a ceder?
PAULO TENANI -
Não é claro quando isso vai acontecer. Esses países se acostumaram a um tipo de crescimento que é baseado em salários baixos. A manter as taxas de câmbio superdesvalorizadas e competitivas, o que significa salários baixos em relação ao mundo.
Vou ter um crescimento em que vou trabalhar, trabalhar e conseguir exportar. Não se pode ter alguém exportando sempre. Significa que alguém estará importando sempre, o que não é sustentável. O que está acontecendo agora é que você começa a ter pressões que, talvez, façam esses países pensarem que vale a pena apreciar o câmbio.
É um dilema para eles. Ter de passar para um crescimento em que meu salário aumenta e as minhas exportações diminuem. Passo a importar mais.
Agora, há pressões inflacionárias, que vêm da desvalorização do dólar e da existência da própria China, pressionando o preço de commodities. Que não seja este ano, que não seja o próximo, mas pressões inflacionárias surgem, e esses países todos têm conta corrente forte, positiva, salários baixos e um câmbio desvalorizado, têm o PIB real crescendo, emprego crescendo. Mas, quando você não consegue ter essas coisas, é a inflação que cresce, muitos países vão optar pela valorização cambial. Esse, talvez, tenha sido o dilema do Brasil. Talvez, aquela incapacidade de o Brasil crescer sem ter inflação tenha levado o Banco Central a escolher: não, eu quero o câmbio se apreciando. Não é claro esse dilema. Mas é um dilema que os países asiáticos agora estão sentindo.

FOLHA - E o Brasil?
TENANI -
O Brasil já sofreu com parte dos custos [para o ajuste dos Estados Unidos], com a taxa de câmbio apreciada. O emprego cresce menos do que deveria. Com a apreciação da moeda, o país exporta emprego para os outros. [Se as moedas asiáticas se valorizarem] farão seu papel de suavizar... A exportação de empregos ocorrerá mais com moedas da Ásia e menos com a do Brasil. Além disso, tem o efeito interno, da política do Banco Central brasileiro. Com a taxa Selic em 11,25% e as taxas de juros sobre a dívida externa soberana do Brasil em 6,5%, o diferencial de juros continua extremamente elevado, mais que compensa o risco de moeda no Brasil. Os juros teriam de recuar 9% para que os investidores recebessem uma remuneração justa.

FOLHA - Esse movimento global é um desdobramento de um problema estrutural dos Estados Unidos?
TENANI -
É o ajuste na conta corrente americana, que chegou a ser 6,7% do PIB e agora está em 5,5%.
Na medida em que eu tenho alguns países que controlam a taxa de câmbio, grande parte desse ajuste está vindo de países como a Europa e o próprio Brasil. O Brasil é pequenininho, mas ele está ajudando muito no ajuste da conta corrente americana, na medida em que os Estados Unidos estariam exportando muito mais desemprego para o Brasil do que deveriam, porque o Brasil é um país de taxa de câmbio flexível num mundo onde a Ásia inteira fixa a taxa de câmbio. Não estão sendo suficientes para resolver o problema dos Estados Unidos algumas poucas moedas flexíveis, e o que nós vamos precisar agora é que uma China também aprecie, Japão, que as economias da Ásia, que nunca souberam crescer baseadas em salários altos, em importações, aprendam uma nova maneira de crescer.

FOLHA - Mas e a China...
TENANI -
A China é o tipo de país que até lembra o nosso, não é? Desemprego enorme. Então, na hora em que eu vou optar por crescer aumentando o salário ou aumentando uma unidade de emprego: eu prefiro dar R$ 100 a mais para um cara desempregado a dar R$ 100 a mais para um cara já empregado. Então, a apreciação cambial na China é algo que eles lutaram violentamente contra pelo excesso de desemprego que têm. Pela grande força de trabalho excedente que existe na China. Só que agora as pressões inflacionárias estão vindo, e eles vão entrar nesse dilema que o Banco Central brasileiro, também teve, de considerar uma apreciação cambial e aumento de salário. Emprego não aumenta tanto, mas ao mesmo tempo eu amenizo o problema da inflação, que dobrou num período bastante curto.

FOLHA - Os grandes beneficiados seriam Europa e EUA...
TENANI -
O setor produtivo fora da Ásia será incapaz inicialmente de atender à demanda. Essas mudanças podem beneficiar produtores principalmente da Europa e dos Estados Unidos. A Europa com a inflação muito acima do que é considerado confortável pelo Banco Central Europeu, que é um BC que olha apenas a inflação e que tem raízes no BC alemão, talvez, o segundo banco central mais conservador do mundo, depois do nosso. Mais cedo ou mais tarde o dólar se aprecia perante o euro.


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