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OPINIÃO ECONÔMICA
Geisel sobre política externa
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Lê-se cada vez menos, mas
publica-se cada vez mais, inclusive muita coisa que deveria
ficar rigorosamente inédita.
Antigamente, ter livros publicados era uma distinção e uma
honra. Hoje, não. Até analfabetos matriculados ostentam
livros em seus currículos. Generalizou-se o hábito de publicar
as idéias que não se tem. E tudo em péssimo estilo.
A falta de critério editorial é
visível. As prateleiras das nossas estantes rangem sob o peso
da profusão de bobagens que
saem do prelo continuamente.
E, como sempre, os livros que
mais vendem e mais repercutem são de uma banalidade à
toda prova.
Os economistas têm dado a
sua contribuição. Mas não vou
dar exemplos. Não é de economistas que quero falar hoje,
mas de um livro recente que
não teve a repercussão merecida. Provavelmente porque destoa bastante dos consensos
beócios das últimas duas décadas.
Refiro-me ao depoimento do
presidente Ernesto Geisel ao
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas. O livro foi
organizado por Maria Celina
D'Araujo e Celso Castro e lançado pela editora da FGV em
1997.
Merecem especial destaque os
capítulos que tratam do seu período na Presidência da República, da presença do Estado
na economia e de política internacional. Por falta de espaço, vou tratar só deste último
aspecto.
No século 20, e particularmente depois da Segunda
Guerra, o relacionamento com
os EUA foi sempre o tema central da política externa do Brasil e demais países latino-americanos. O período Geisel caracterizou-se, nesse terreno,
pelo esforço de manter uma
postura mais independente.
O depoimento do presidente
traz a marca do que foi a política externa do seu governo:
um nacionalismo moderado,
algo que é relativamente raro
na história brasileira. Em geral, o nosso posicionamento internacional oscila entre arroubos antiamericanos, retóricos e
demagógicos, e a subordinação
mais ou menos descarada em
relação aos EUA. Esta última é,
como se sabe, a linha dominante.
Geisel tinha consciência disso. Observou que nos governos
militares anteriores, inclusive
no de Médici, "o Ministério das
Relações Exteriores procurava
fazer boa figura, aparecer e
prestar serviços aos Estados
Unidos". (Vejam que o comportamento atual do Itamaraty tem raízes relativamente
fundas.)
Geisel sustentava, ao contrário, que a política externa brasileira tinha que ser "realista e,
tanto quanto possível, independente". Sabia evidentemente o peso que tinham as pressões americanas, mas não aceitava que andássemos "demasiadamente a reboque dos Estados Unidos".
O seu apelo era modesto. Pedia apenas que tivéssemos "um
pouco mais de soberania, um
pouco mais de independência"
e não fossemos "tão subservientes em relação aos Estados
Unidos".
Bem. Há quem diga que, num
país como o nosso, uma frase
como essa pode parecer quixotesca e até utópica. Seja como
for, é um apelo que guarda toda a sua atualidade na era
FHC. Desde Castelo Branco,
não se via no Brasil um governo tão alinhado à agenda dos
EUA.
Esse alinhamento não seria
problemático se as relações entre as nações fossem marcadas
pela benevolência e pela cooperação. Mas, como mostra o depoimento do presidente Geisel,
o jogo norte-americano é pesado. Geisel relatou as pressões e
até chantagens que sofreu
quando divergiu da posição
dos EUA, especialmente em
matéria nuclear. As passagens
em questão constituem leitura
edificante.
O presidente chegou a afirmar que "a orientação do governo americano é de natureza
imperialista" e que as relações
com os Estados Unidos tornaram-se "muito desagradáveis"
em seu governo.
A certa altura, Geisel comentou "en passant" que o seu ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, "era mais conciliador, mais inclinado a ceder aos americanos em várias
questões, para colher boa vontade e apoio para os nossos
problemas financeiros (...)".
Notem bem: apoio para nossos problemas financeiros. Nesse comentário, há mais do que
pode parecer à primeira vista e
do que reconheceu o próprio
Geisel. É verdade que, no seu
governo, ensaiou-se a retomada de um projeto nacional.
Mas o projeto tinha um calcanhar-de-aquiles: a dependência em relação ao capital externo como fonte de financiamento do desenvolvimento econômico. Entre 1974 e 1978, acumularam-se desequilíbrios e
passivos externos que foram
tornando a economia mais e
mais vulnerável.
Com os choques externos do
final dos anos 70 e início dos
anos 80, o governo brasileiro
acabou de pires na mão, à mercê das demandas dos Estados
Unidos. Ao longo dos anos 80,
a crise da dívida externa acabaria desarticulando gradualmente as resistências nacionais
à pressão dos interesses externos e seus parceiros domésticos.
O endividamento externo é o
cavalo de Tróia dos projetos de
desenvolvimento nacional.
Paulo Nogueira Batista Jr., 42, professor da
Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@uol.com.br
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