São Paulo, quinta, 5 de março de 1998

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O faturamento falso e o rombo real

ALOYSIO BIONDI
Estatísticas podem enganar sempre, principalmente quando manipuladas por equipes econômicas. IBGE, do governo; Ipea, do governo; e Fiesp, ex-empresarial e hoje governista, dizem que a economia não foi tão mal no primeiro mês do ano, com "surpresas", em alguns setores. Chegam IBGE, Ipea e Fiesp a arriscar previsões de "algum crescimento" no primeiro trimestre do ano, "revendo" expectativas de quedas no PIB para o período. Fica difícil, mas não impossível, entender essa súbita ressurreição do otimismo.
Em janeiro, houve queda até na venda... de remédios, que recuaram 19% em quantidades vendidas, e 16% em valor. E, note-se, não se trata de mero fenômeno passageiro: o setor farmacêutico vem sofrendo retrações desde novembro. Tão ou mais significativa que a queda nesse setor foi a retração da venda de... cerveja, menos 6% em janeiro, apesar das temperaturas incrivelmente altas desse verão.
Há dados negativos por todos os lados: queda de 26% na venda de veículos em fevereiro, novo recuo entre 25% e 30% para eletroeletrônicos em janeiro -e por aí afora. Tudo, perfeitamente explicável devido à perda de poder aquisitivo do consumidor e sua inadimplência: agora, somente na Grande São Paulo, já existem 5 milhões de carnês em atraso, contra algo como 700 mil há três anos, ou mesmo 3 milhões no começo de 1997.
Para a equipe de Polianas, esse quadro recessivo teria uma vantagem: o "desaquecimento" (na verdade, a recessão) deve provocar redução nas importações, reduzindo o "rombo" com as operações do exterior e a dependência do Brasil em relação a empréstimos externos. Isso salvaria, segundo eles, o real. Nem isso é verdade: como esta coluna tem martelado insistentemente, por mais que a produção caia aqui dentro o recuo das importações é infinitamente menor -porque as empresas multinacionais estão importando maciçamente peças, componentes e até matérias-primas (o setor de telecomunicações é um caso exemplar, como demonstrado a seguir).
A recessão não é suficiente para resolver o rombo nas contas externas. E, o que é pior, está aumentando outro "rombo", hoje foco da atenção dos credores e banqueiros internacionais: a saber, o déficit nas contas da União, Estados e municípios. Por causa da recessão, São Paulo enfrentou, em fevereiro, o quarto recuo consecutivo na arrecadação do ICMS: uma perda de nada menos de 9,5% no mês. De um lado, queda da receita. De outro, aumento de gastos com pagamentos de juros. Como é que a equipe FHC pretende "reequilibrar" o setor público e recuperar a confiança dos credores internacionais para evitar um "ataque" ao real?
Prosperidade irreal
Com investimentos de nada menos de R$ 8,5 bilhões em 1997, o setor de telecomunicações é apontado como um dos novos "carros chefes" da economia, capazes de garantir algum crescimento para o PIB. Acontece que as multinacionais do setor vêm batendo recordes, sim -mas de importação. Torraram nada menos de US$ 2,5 bilhões em 1997, novo recorde com avanço de 25% sobre o recorde de US$ 2,0 bilhões em 1996.
Além de contribuir para o "rombo" real, essas importações tornam enganosas as estatísticas sobre o pretenso aumento das vendas -e dos índices sobre a indústria nacional. Por quê? Quando se diz que a venda de determinados equipamentos cresceu 10%, ignora-se qual o percentual de peças e componentes importados utilizado pelas "montadoras", pretensamente fabricantes. O avanço das estatísticas é ilusório.
Maquiavelismo - 1
O governo divulga anúncio acenando com a possibilidade de falta de energia, ou "apagaços", no Sudeste. Bom para esfriar as críticas à Light/Cerj -e para tentar justificar a privatização a toque de caixa? Mas o comunicado desmente o próprio ministro de Minas e Energia, que em sucessivas entrevistas tem dito que o nível das represas este ano está ótimo, por causa das chuvas -e afasta o risco de apagaços...
Maquiavelismo - 2

Ah, sim, várias usinas estão ficando prontas antes do prazo previsto (inclusive Serra da Mesa, com 1.200 mWh, que vai funcionar já no mês que vem). Quando é que o governo FHC vai parar de fazer terrorismo pela imprensa, acenando com hipotéticos "racionamentos" e "apagaços" no segundo semestre?
Maquiavelismo - 3

O ministro Malan volta a insistir, em longas entrevistas, que a economia e o desemprego estão mal somente em São Paulo. Verdade? Segundo o IBGE, a queda no emprego industrial em dezembro chegou a 7,3%. Atingiu todas as regiões do país. Nem o Nordeste escapou: foram 5,5% de vagas a menos na região.


Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. É diretor-geral do grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



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