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O faturamento falso e o rombo real
ALOYSIO BIONDI
Estatísticas podem enganar
sempre, principalmente quando
manipuladas por equipes econômicas. IBGE, do governo; Ipea, do
governo; e Fiesp, ex-empresarial e
hoje governista, dizem que a economia não foi tão mal no primeiro mês do ano, com "surpresas",
em alguns setores. Chegam IBGE,
Ipea e Fiesp a arriscar previsões
de "algum crescimento" no primeiro trimestre do ano, "revendo" expectativas de quedas no
PIB para o período. Fica difícil,
mas não impossível, entender essa súbita ressurreição do otimismo.
Em janeiro, houve queda até na
venda... de remédios, que recuaram 19% em quantidades vendidas, e 16% em valor. E, note-se,
não se trata de mero fenômeno
passageiro: o setor farmacêutico
vem sofrendo retrações desde novembro. Tão ou mais significativa que a queda nesse setor foi a
retração da venda de... cerveja,
menos 6% em janeiro, apesar das
temperaturas incrivelmente altas
desse verão.
Há dados negativos por todos
os lados: queda de 26% na venda
de veículos em fevereiro, novo recuo entre 25% e 30% para eletroeletrônicos em janeiro -e por
aí afora. Tudo, perfeitamente explicável devido à perda de poder
aquisitivo do consumidor e sua
inadimplência: agora, somente
na Grande São Paulo, já existem
5 milhões de carnês em atraso,
contra algo como 700 mil há três
anos, ou mesmo 3 milhões no começo de 1997.
Para a equipe de Polianas, esse
quadro recessivo teria uma vantagem: o "desaquecimento" (na
verdade, a recessão) deve provocar redução nas importações, reduzindo o "rombo" com as operações do exterior e a dependência do Brasil em relação a empréstimos externos. Isso salvaria,
segundo eles, o real. Nem isso é
verdade: como esta coluna tem
martelado insistentemente, por
mais que a produção caia aqui
dentro o recuo das importações é
infinitamente menor -porque as
empresas multinacionais estão
importando maciçamente peças,
componentes e até matérias-primas (o setor de telecomunicações
é um caso exemplar, como demonstrado a seguir).
A recessão não é suficiente para
resolver o rombo nas contas externas. E, o que é pior, está aumentando outro "rombo", hoje
foco da atenção dos credores e
banqueiros internacionais: a saber, o déficit nas contas da
União, Estados e municípios. Por
causa da recessão, São Paulo enfrentou, em fevereiro, o quarto
recuo consecutivo na arrecadação do ICMS: uma perda de nada
menos de 9,5% no mês. De um
lado, queda da receita. De outro,
aumento de gastos com pagamentos de juros. Como é que a
equipe FHC pretende "reequilibrar" o setor público e recuperar
a confiança dos credores internacionais para evitar um "ataque"
ao real?
Prosperidade irreal
Com investimentos de nada
menos de R$ 8,5 bilhões em 1997,
o setor de telecomunicações é
apontado como um dos novos
"carros chefes" da economia, capazes de garantir algum crescimento para o PIB. Acontece que
as multinacionais do setor vêm
batendo recordes, sim -mas de
importação. Torraram nada menos de US$ 2,5 bilhões em 1997,
novo recorde com avanço de 25%
sobre o recorde de US$ 2,0 bilhões em 1996.
Além de contribuir para o
"rombo" real, essas importações
tornam enganosas as estatísticas
sobre o pretenso aumento das
vendas -e dos índices sobre a
indústria nacional. Por quê?
Quando se diz que a venda de
determinados equipamentos
cresceu 10%, ignora-se qual o
percentual de peças e componentes importados utilizado pelas
"montadoras", pretensamente
fabricantes. O avanço das estatísticas é ilusório.
Maquiavelismo - 1
O governo divulga anúncio
acenando com a possibilidade de
falta de energia, ou "apagaços",
no Sudeste. Bom para esfriar as
críticas à Light/Cerj -e para
tentar justificar a privatização a
toque de caixa? Mas o comunicado desmente o próprio ministro
de Minas e Energia, que em sucessivas entrevistas tem dito que
o nível das represas este ano está
ótimo, por causa das chuvas -e
afasta o risco de apagaços...
Maquiavelismo - 2
Ah, sim, várias usinas estão ficando prontas antes do prazo
previsto (inclusive Serra da Mesa, com 1.200 mWh, que vai funcionar já no mês que vem).
Quando é que o governo FHC vai
parar de fazer terrorismo pela
imprensa, acenando com hipotéticos "racionamentos" e "apagaços" no segundo semestre?
Maquiavelismo - 3
O ministro Malan volta a insistir, em longas entrevistas, que a
economia e o desemprego estão
mal somente em São Paulo. Verdade? Segundo o IBGE, a queda no
emprego industrial em dezembro
chegou a 7,3%. Atingiu todas as
regiões do país. Nem o Nordeste
escapou: foram 5,5% de vagas a
menos na região.
Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi
editor de Economia da Folha. É diretor-geral do
grupo Visão. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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