São Paulo, sábado, 05 de abril de 2008

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ANÁLISE

Bush se despluga da economia

SHERYL GAY STOLBERG
DO "NEW YORK TIMES"

O PRIMEIRO indício de que o presidente Bush talvez tenha se desligado dos problemas econômicos do país surgiu em fevereiro, quando ele reconheceu que não havia ouvido falar de previsões sobre o preço da gasolina.
Depois, Bush foi a Wall Street para alertar contra a "intervenção maciça do governo nos mercados de habitação".
Isso, dois dias antes de seu governo ajudar a intermediar a venda do banco de investimento Bear Stearns. No meio da semana, enquanto o presidente pronunciava na Europa Oriental seu discurso de despedida da Otan (Organização para o Tratado do Atlântico Norte), no Senado democratas e republicanos batalhavam para produzir um projeto de lei que ajudasse os proprietários de imóveis endividados, exatamente a espécie de intervenção contra a qual Bush havia alertado.
Para um homem que chegou ao posto como o primeiro presidente americano portador de um diploma de MBA, Bush conseguiu se fazer notavelmente invisível em meio à crise da habitação e do crédito. E à medida que a economia supera o Iraque como principal preocupação dos eleitores, até mesmo alguns dos aliados republicanos do presidente dizem que ele corre o risco de parecer desinteressado dos problemas.
"Ele está lá discutindo quem deve ser admitido à Otan, e o povo dos EUA está preocupado com as suas carteiras", disse Kenneth Duberstein, chefe da Casa Civil no segundo mandato presidencial de Ronald Reagan.
"Ele falou sobre a economia, mas isso não foi visto como resposta satisfatória." Com o país absorto na disputa por sua sucessão, vem se tornando cada vez mais difícil para ele ganhar posição central no cenário nacional. Bush cedeu sua posição central na economia a outras figuras de Washington -líderes legislativos, o secretário do Tesouro, Henry Paulson, e o presidente do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA), Ben Bernanke.
Enquanto Bush visitava a Romênia, na quarta-feira, Bernanke estava no Congresso para oferecer opinião muito mais pessimista que a do presidente sobre a economia. Bush admitiu apenas que o país está num "percurso acidentado".
Quando a Casa Branca anunciou seu plano de reforma do sistema de regulamentação financeira, foi Paulson e não Bush que falou. E o plano de Paulson, de acordo com o secretário mesmo, não tem por objetivo oferecer assistência imediata aos proprietários que podem perder suas casas por força da execução de hipotecas.
"Creio que, em geral, o governo esteja agindo certo no combate aos problemas econômicos que enfrentamos", disse o deputado Peter King, republicano de Nova York. "Mas acredito que, taticamente, seria melhor que o presidente mesmo assumisse posição mais visível, em lugar de deixar tanto a cargo de Paulson. Quando existe uma percepção de crise nacional, é importante que o presidente tome a dianteira".
Ainda assim, porque o público pouco confia em Bush, poderia ser difícil a ele assumir esse papel, ainda que conte com um diploma de MBA por Harvard.
Apenas 25% do público aprova a condução à política econômica, o que representa total ainda inferior ao de seu índice geral de aprovação, segundo pesquisa da rede de TV CBS na metade do mês passado. Dessa forma, não admira que Bush esteja deixando que outros falem em seu lugar, dizem alguns republicanos.
"A boa notícia para Bush é que ele conta com Paulson, que desfruta de credibilidade quanto a esse assunto", disse John Fehery, estrategista do Partido Republicano. "Paulson está fazendo um bom trabalho em termos de criar a impressão de que há algo sendo feito."
Outros presidentes tentaram, com graus variáveis de sucesso, aproveitar a posição de comando em momentos de crise. Franklin Roosevelt usava pronunciamentos semanais pelo rádio para acalmar um país traumatizado pela Grande Depressão. Mas Gerald Ford foi ridicularizado por usar um broche com a sigla de uma campanha contra a inflação. O mesmo houve com Jimmy Carter, quando disse que reduziria a temperatura do sistema de aquecimento da Casa Branca para economizar combustível.

Palavra vetada
Bush, em contraste, faz o que pode para não soar pessimista. Até agora, por exemplo, ele evitou usar a palavra "recessão". Dois meses atrás, foi elogiado por unir republicanos e democratas em apoio a um pacote de estímulo econômico.
Mas ele resistiu a apelos da presidente da Câmara, Nancy Pelosi, pela realização de uma conferência econômica bipartidária a fim de tratar da crise no mercado hipotecário.
A resistência talvez tenha razões filosóficas. Como declarou em Wall Street, Bush não acredita em resgate do governo àqueles que tenham decidido assumir riscos no mercado.
Mas, ainda assim, já que o Congresso parece estar se unindo em torno de um plano de alguma espécie, James Thurber, diretor do Centro de Estudos Legislativos e Presidenciais da American University, diz que Bush deveria assumir papel central. "Ele tem a chance de demonstrar que é bipartidário e que pode se colocar acima das diferenças e resolver problemas", afirmou Thurber.
Funcionários da Casa Branca rejeitam vigorosamente a alegação de que Bush não vem demonstrando liderança. Dizem que foi tratado de maneira injusta por seu comentário sobre o preço da gasolina.
Representantes da Casa Branca dizem que Bush anunciou em agosto pacote de propostas com o objetivo de ajudar os proprietários de imóveis de baixa renda, e que o Congresso, sob controle democrata, ainda não aprovou as medidas.
"Ele sabe muito bem como anda a economia", disse Tony Fratto, da assessoria de imprensa da Casa Branca. "Viaja muito pelo país. Fala sobre a economia com regularidade", acrescentou.
Embora Bush possa estar falando, os norte-americanos não parecem estar ouvindo. Quando o presidente visitou um centro de aconselhamento para pessoas endividadas, em Nova Jersey, isso não atraiu interesse da mídia. Mas os jornais estavam repletos de notícias sobre o apoio do senador Bob Casey, da Pensilvânia, à candidatura presidencial do senador Barack Obama.
Alguns republicanos dizem que isso não vai mudar, não importa o que Bush faça ou diga; as opiniões do público estão tão estabelecidas, argumentam, que Bush seria considerado culpado mesmo que agisse de maneira mais agressiva. Mas Duberstein, ex-chefe da Casa Civil de Reagan, diz que Bush deveria tentar.
"Ele precisa voltar a ser tema de conversas", disse Duberstein. "Hoje, só se conversa sobre Obama, Clinton e McCain."


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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