São Paulo, domingo, 05 de abril de 2009

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ALBERT FISHLOW

Fé, esperança e caridade


A plena implementação das medidas acordadas na reunião do G20 requererá tempo; isso é apenas o começo

O G20 (Grupo dos 20) acaba de concluir sua reunião de Londres, com ampla unanimidade. Os mercados de ações mundiais apresentaram grande alta na quinta, em resposta. Todos os temores de potenciais dissensões e diferenças sobre os quais surgiram alertas nos últimos dias se evaporaram.
Tudo transcorreu quase exatamente como o planejado. Há um documento final com 29 seções. Houve acordo quanto a expandir o papel do FMI e dos bancos multilaterais de desenvolvimento, a fim de compensar a redução no fluxo de recursos privados estrangeiros que aconteceu nos últimos meses; um acordo para conter o protecionismo e tentar sustentar o volume do comércio e dos serviços internacionais via a ampliação do financiamento ao comércio; um acordo para pôr fim aos abrigos internacionais sigilosos para contas financeiras, usados para evitar tributação; um acordo para transformar o Fórum de Estabilidade Financeira em Conselho de Estabilidade Financeira, abarcando os membros do G20, com a missão de reportar quanto aos esforços regulatórios nacionais sobre instituições como fundos de hedge, fundos de capital privado, derivativos etc.; e, por fim, um acordo quanto a uma resposta fiscal agressiva.
A reunião mal durou um dia e envolveu os líderes de países que representam quase 90% do PIB mundial. Muitos dos que expressaram suas fortes reservas publicamente -em parte, pode-se suspeitar, na esperança de obter benefícios eleitorais futuros- estão entre as figuras que sorriem nas fotos de encerramento do evento.
Dificilmente poderia haver um contraste maior com a última Conferência de Londres, em junho de 1933, quando o esforço de britânicos e franceses para incorporar os EUA à estabilização internacional que estava sendo tentada fracassou no último minuto. O presidente Roosevelt optou por desvalorizar o dólar e levar o New Deal adiante sozinho, em meio a um mundo cada mais sombrio -com a invasão japonesa da Manchúria, a eleição de Hitler como chanceler [primeiro-ministro] da Alemanha, Mussolini à frente da Itália e o comércio internacional em acentuada retração. A conferência, que atraiu mais de mil pessoas, representando 66 nações, durou seis semanas. Já era tarde demais: a Grande Depressão, afinal, remontava a 1929.
Talvez, quem sabe, a história não precise se repetir sempre em desastre. A globalização agora é uma realidade. Virtualmente todos os países passaram a depender de sinais dos mercados internacionais a fim de ajudá-los a orientar a alocação interna de recursos. No entanto, as reuniões regulares do G7 (Grupo dos 7) ao longo das décadas pouco fizeram para combater a perigosa magnificação dos riscos inerente à abrupta escalada dos fluxos financeiros alavancados.
Ampliar o número de países participantes, tentar impor maior transparência, elevar uma vez mais o fluxo de capital oficial -e não apenas do FMI- a fim de assistir os países em desenvolvimento: todas essas são medidas que ajudarão. A regulamentação e a fiscalização serão intensificadas, como deveriam, a fim de compensar as deficiências de um mercado completamente livre. A plena implementação dessas medidas requererá tempo. Isso é apenas o começo.
Com sorte, quando os resultados reais extremamente negativos do primeiro trimestre de 2009 vierem a ser divulgados, os sinais iniciais de uma potencial recuperação unificada serão suficientemente aparentes para que mais atenção seja direcionada aos novos avanços tecnológicos requeridos para tornar viável o crescimento global em médio prazo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


ALBERT FISHLOW, 73, é professor emérito da Universidade Columbia e da Universidade Berkeley. Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.


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