São Paulo, quarta-feira, 05 de maio de 2004

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LUÍS NASSIF

Os donos do poder

O maior desafio político do Brasil nos próximos anos será conter o extraordinário apetite dos novos grupos que surgiram no país, a partir da privatização dos anos 90.
Quando deu início ao processo de abertura da economia, Fernando Collor de Mello se deu conta de que no rastro da desregulamentação da economia surgiriam novos grupos que desbalanceariam o jogo do poder no setor privado. Sem relações maiores com setores mais sofisticados, apostou suas fichas em grupos como os de Wagner Canhedo, que levou a Vasp, e os irmãos Martinez, da CNT.
No governo FHC, o jogo foi mais sofisticado, e a privatização foi feita com a nova classe dos empresários financeiros, mais alguns não-financeiros que conseguiram pegar carona no processo, grande parte com recursos de terceiros. Grupos industriais tradicionais foram jogados para o segundo plano, e o setor financeiro tradicional foi conquistado com as benesses da política monetária.
Tomando o controle de grandes corporações privatizadas, esses novos grupos passaram a acumular um poder sem paralelo na história moderna do país. Em geral, estão entre os maiores anunciantes da mídia. São também os maiores contratantes de pareceres. Conseguiram o poder da pena de consultores econômicos com espaço na mídia e dos maiores escritórios de advocacia do país, estendendo sua influência sobre a Justiça e as agências reguladoras. Tudo com recursos das empresas das quais assumiram o controle.
Constituídas para substituir o anacrônico modelo de fiscalização do Estado por um modelo de regulação flexível, algumas dessas agências se tornaram alvo fácil da influência desses grupos -que, a exemplo dos grandes grupos norte-americanos aventureiros dos anos 90, passaram a ganhar dinheiro aprendendo a entender e controlar processos regulatórios nos diversos países que privatizaram suas empresas. Em alguns casos, se prevaleceram da falta de transparência, como é o caso da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), cujos processos não são públicos, e da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
No governo FHC, o poder desses grupos era patente e ficou claro no famoso jantar no Palácio da Alvorada, no qual o presidente recebeu o dono do Opportunity em pleno processo de tiroteio com os fundos de pensão.
No poder, a estratégia do PT não foi a de enquadrar, mas a de cooptar esses grupos, trocando velhas alianças pelos novos grupos, e com menos sutileza que FHC no controle das agências. Documentos recentes que circularam demonstram que minutas para reajustes de tarifas foram preparadas nos próprios escritórios de companhias telefônicas. A sucessão da CVM irá cair no colo de um aliado do presidente atual.
Constituídos para arejar o ambiente econômico do país, esses grupos são hoje o ponto central de influência política e candidato certo a crises políticas futuras. Se não tratarem de moderar o apetite e adotar ações legitimadoras, serão o tema preferencial de qualquer campanha de oposição.
Seu poder está se tornando uma questão de segurança nacional.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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