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OPINIÃO ECONÔMICA
A importância de não ser economista
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Quando antonio Palocci
Filho foi escolhido ministro
da Fazenda, fiquei feliz. O novo
ministro tinha pelo menos duas
vantagens importantes. Primeira:
não era economista (fato que o
presidente da República, aliás,
sempre faz questão de salientar).
Não sendo economista, estava,
em princípio, livre de todos os vícios, taras e deformações dessa
nossa profissão algo sinistra.
Quando o seu nome foi ventilado, a imprensa entrou em frenética atividade. Deram busca em todos os arquivos. E logo instalou-se
o pânico nas redações. Ninguém
encontrou nenhuma frase comprometedora do novo ministro,
nenhuma previsão errada, nenhum conceito tosco ou mal trabalhado. Nada. O futuro titular
da Fazenda era inteiramente virgem de bobagens econômicas. Os
jornais ficaram à míngua (imagine-se, por outro lado, se a escolha
de Lula tivesse recaído sobre certos economistas do PT...).
Segunda vantagem: Palocci não
falava inglês. Todos estão solidamente convencidos de que falar
inglês é fundamental. É um equívoco. O brasileiro monoglota está
automaticamente salvo de vários
tipos de constrangimento. Por
exemplo: não corre o risco de ter
estudado nos EUA. O brasileiro
(com poucas exceções) é estruturalmente incapaz de estudar nos
EUA ou na Europa. Volta, em geral, solidamente catequizado e
colonizado. Todas as suas inibições de subdesenvolvido são multiplicadas por mil. A sua capacidade de pensar por conta própria,
se algum dia existiu, desaparece
sem deixar rastros.
Nos seus contatos com estrangeiros, credores, investidores e superpotências, Palocci terá sempre
a protegê-lo a inexpugnável barreira linguística ou, na pior das
hipóteses, a barreira de um intérprete.
Figure-se, leitor, a seguinte cena. Um representante da hiperpotência lança contra o nosso ministro da Fazenda uma frase forte,
uma exigência descabida qualquer. Palocci se faz de desentendido. Entra em ação o intérprete.
Enquanto isso, o ministro pensa.
Usa os preciosos segundos para
preparar a resposta certeira e fulminante. E o dia está salvo.
Assim fantasiava eu. Mas, como
sabemos, alegria de subdesenvolvido dura pouco. O ministro Palocci cercou-se de uma equipe de
economistas ortodoxos, alguns recém-saídos da academia, muitos
com passagem por universidades
norte-americanas ou instituições
financeiras. O Ministério da Fazenda e o Banco Central passaram a ser dirigidos, em grande
medida, por um grupo razoavelmente coeso de economistas, banqueiros, financistas ou candidatos a tal. De vez em quando, muito raramente, nota-se a presença
de um economista petista por lá,
sobrevivendo a duras penas no
meio da selva ortodoxa.
Há poucas semanas, fui a Brasília, pela segunda vez, conversar
com o ministro Palocci. O diálogo
com ele é interessante. Trata-se de
um político ponderado e inteligente. Mas, logo que cheguei ao
Ministério da Fazenda, ocorreu
um fato que me deixou um pouco
inquieto. Na ante-sala ministerial, estava um dos assessores do
ministro, um economista recém-chegado de longa permanência
em Washington, que me deu notícias entusiasmadas sobre ele: "O
Palocci me impressiona mais a
cada dia. Está demonstrando
uma compreensão fantástica dos
problemas. Até parece um economista, com Ph.D. por uma das
melhores universidades dos Estados Unidos". O leitor pode bem
imaginar o meu mudo e desolado
escândalo.
Palocci me recebe, cordial e sorridente, e vai escutando pacientemente o meu rol de preocupações
e fixações (Alca, vulnerabilidade
externa, valorização do real, reservas, juros etc.). A cada passo,
interrompe com observações e
questionamentos pertinentes. Entretanto, à medida que a conversa fluía, fui percebendo que o ministro estava, de fato, com ares de
economista -algo que não notara em nosso encontro anterior.
Em alguns momentos, passava a
impressão de já ter opiniões firmes e consolidadas sobre temas
econômicos altamente controvertidos.
Declarações dos últimos dias
sugerem que a conversão do ministro da Fazenda em economista
continua avançando. O objetivo
do governo é "matar e esquartejar a inflação", não apenas reduzi-la, esclareceu Palocci. "Não há
como gerar crescimento e enfrentar a inflação ao mesmo tempo",
garantiu. Segundo ele, tolerar a
inflação "leva a um desastre absolutamente certo". Descartou,
também, redução de juros com
controle cambial e políticas para
evitar a queda do dólar.
Para completar o quadro, reclamou da "pobreza" do debate econômico no Brasil. Enquanto tratamos de temas macroeconômicos, disse Palocci, "o mundo inteiro está discutindo microeconomia" (onde será que ele foi buscar
essa pérola?). Só faltou entremear
as explicações com expressões em
inglês.
Todas essas afirmações do ministro da Fazenda são discutíveis
e preocupantes, para dizer o mínimo. Se não houver cuidado e
equilíbrio, o governo corre o risco
de "esquartejar" a economia e o
emprego. Os sintomas de que esse
risco existe são cada vez mais perceptíveis. Mas, como notou o senador Eduardo Suplicy, dos 55
parágrafos da ata da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central),
em que se decidiu manter os juros
básicos em 26,5%, apenas dois
tratam do mercado de trabalho e
do nível de emprego.
É uma lástima. O ministro da
Fazenda não tem por que se comprometer com dogmas econômicos e teses potencialmente perigosas. Nem deveria mimetizar os rituais e preconceitos da ortodoxia
econômica.
Por isso, lanço aqui o apelo enfático: não queira ser economista,
Palocci! Continue político, médico sanitarista e monoglota.
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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