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OPINIÃO ECONÔMICA
Operação Shogun e a concorrência desleal
GESNER OLIVEIRA
A concorrência é fundamental para a inovação e o
crescimento. Mas a concorrência
desleal coloca em risco a economia brasileira. O fenômeno é tão
grave a ponto de exigir muito
mais do que a repressão policial,
como a que foi lançada contra o
contrabando nesta semana pela
Operação Shogun da Polícia Federal, com direito a flagrante
transmitido em horário nobre.
Concorrência desleal é um termo muito usado, mas freqüentemente mal-entendido. Trata-se
de oferta de produto ou serviço a
preços artificialmente baixos, algo apenas possível mediante a redução de custos pelo desrespeito
das regras do jogo. Algo equivalente àquilo que os zagueiros argentinos fizeram na última quarta-feira para tentar, em vão, parar Ronaldo. O contrabando de
mercadorias importadas que são
comercializadas nas principais cidades brasileiras sem pagamento
de impostos constitui exemplo típico de concorrência desleal.
Muitas vezes se fala em concorrência desleal, quando na prática
se verifica o dumping. Este constitui a venda de uma mercadoria
estrangeira a preço inferior ao
chamado valor normal, para o
qual se pode tomar como referência que pode ser o preço do bem
no mercado de origem. Isso representa um descumprimento das
normas da OMC (Organização
Mundial do Comércio), justificando uma ação antidumping,
que no Brasil é conduzida pela
Secex (Secretaria de Comércio
Exterior).
Outras vezes se fala em concorrência desleal ou dumping quando o conceito apropriado seria o
de preço predatório, isto é, a venda da mercadoria abaixo de seu
custo. Em polêmica recente acerca da iniciativa da Gol de vender
passagens aéreas a R$ 50, o DAC
(Departamento de Aviação Civil)
aparentemente suspeitou de que
tal prática pudesse representar
preço predatório.
Em outras ocasiões se fala em
concorrência desleal quando na
verdade o que está ocorrendo é
meramente concorrência. Novos
produtos ou processos e melhores
técnicas gerenciais podem permitir a colocação do produto ou serviço a preços mais competitivos.
Isso naturalmente incomoda os
concorrentes, gera muito ruído,
mas favorece o consumidor.
Em contraste com as situações
mencionadas, a redução de custos
na concorrência desleal é obtida
de forma irregular. Tal fenômeno
pode propiciar produtos mais baratos no curto prazo, mas inibe o
investimento em inúmeros segmentos de empresas que não querem fazer parte da economia informal.
No caso brasileiro, o problema
da concorrência desleal assume
proporções dramáticas. Recente
pesquisa divulgada pela Firjan
(Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) revelou
que nada menos do que 59% dos
consumidores compram do comércio informal.
Embora as classes C e D registrem percentuais superiores à média (66% e 60%, respectivamente), a penetração do comércio informal continua elevada nas classes A (47%) e B (49%). Segundo a
mesma pesquisa, os principais
produtos comercializados de maneira informal, isto é, desrespeitando um ou mais itens da legislação, incluem relógios, perfumes,
acessórios, CDs e brinquedos.
Os resultados confirmam a paisagem dos principais centros urbanos do país, que estão repletos
de camelódromos e "feiras do Paraguai"; bem como a falta de
consciência dos consumidores
acerca das implicações nefastas
do contrabando, da pirataria e da
sonegação para os próprios consumidores e para a economia em
geral. Embora fundamentais,
campanhas de conscientização e
a repressão à concorrência desleal
não atacam a raiz do problema.
A concorrência desleal só vai diminuir no Brasil quando houver
menos incentivo econômico à informalidade. Isso requer uma estratégia específica para trazer as
empresas e trabalhadores para a
formalidade -o que, por sua vez,
exige brutal desburocratização e
racionalização do sistema tributário e previdenciário. O que mais
preocupa na atual conjuntura é o
fato de o país avançar muito lentamente nesses pontos; e o pior,
caminhar, por vezes, na direção
diametralmente oposta!
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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