São Paulo, sábado, 05 de junho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Operação Shogun e a concorrência desleal

GESNER OLIVEIRA

A concorrência é fundamental para a inovação e o crescimento. Mas a concorrência desleal coloca em risco a economia brasileira. O fenômeno é tão grave a ponto de exigir muito mais do que a repressão policial, como a que foi lançada contra o contrabando nesta semana pela Operação Shogun da Polícia Federal, com direito a flagrante transmitido em horário nobre.
Concorrência desleal é um termo muito usado, mas freqüentemente mal-entendido. Trata-se de oferta de produto ou serviço a preços artificialmente baixos, algo apenas possível mediante a redução de custos pelo desrespeito das regras do jogo. Algo equivalente àquilo que os zagueiros argentinos fizeram na última quarta-feira para tentar, em vão, parar Ronaldo. O contrabando de mercadorias importadas que são comercializadas nas principais cidades brasileiras sem pagamento de impostos constitui exemplo típico de concorrência desleal.
Muitas vezes se fala em concorrência desleal, quando na prática se verifica o dumping. Este constitui a venda de uma mercadoria estrangeira a preço inferior ao chamado valor normal, para o qual se pode tomar como referência que pode ser o preço do bem no mercado de origem. Isso representa um descumprimento das normas da OMC (Organização Mundial do Comércio), justificando uma ação antidumping, que no Brasil é conduzida pela Secex (Secretaria de Comércio Exterior).
Outras vezes se fala em concorrência desleal ou dumping quando o conceito apropriado seria o de preço predatório, isto é, a venda da mercadoria abaixo de seu custo. Em polêmica recente acerca da iniciativa da Gol de vender passagens aéreas a R$ 50, o DAC (Departamento de Aviação Civil) aparentemente suspeitou de que tal prática pudesse representar preço predatório.
Em outras ocasiões se fala em concorrência desleal quando na verdade o que está ocorrendo é meramente concorrência. Novos produtos ou processos e melhores técnicas gerenciais podem permitir a colocação do produto ou serviço a preços mais competitivos. Isso naturalmente incomoda os concorrentes, gera muito ruído, mas favorece o consumidor.
Em contraste com as situações mencionadas, a redução de custos na concorrência desleal é obtida de forma irregular. Tal fenômeno pode propiciar produtos mais baratos no curto prazo, mas inibe o investimento em inúmeros segmentos de empresas que não querem fazer parte da economia informal.
No caso brasileiro, o problema da concorrência desleal assume proporções dramáticas. Recente pesquisa divulgada pela Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) revelou que nada menos do que 59% dos consumidores compram do comércio informal.
Embora as classes C e D registrem percentuais superiores à média (66% e 60%, respectivamente), a penetração do comércio informal continua elevada nas classes A (47%) e B (49%). Segundo a mesma pesquisa, os principais produtos comercializados de maneira informal, isto é, desrespeitando um ou mais itens da legislação, incluem relógios, perfumes, acessórios, CDs e brinquedos.
Os resultados confirmam a paisagem dos principais centros urbanos do país, que estão repletos de camelódromos e "feiras do Paraguai"; bem como a falta de consciência dos consumidores acerca das implicações nefastas do contrabando, da pirataria e da sonegação para os próprios consumidores e para a economia em geral. Embora fundamentais, campanhas de conscientização e a repressão à concorrência desleal não atacam a raiz do problema.
A concorrência desleal só vai diminuir no Brasil quando houver menos incentivo econômico à informalidade. Isso requer uma estratégia específica para trazer as empresas e trabalhadores para a formalidade -o que, por sua vez, exige brutal desburocratização e racionalização do sistema tributário e previdenciário. O que mais preocupa na atual conjuntura é o fato de o país avançar muito lentamente nesses pontos; e o pior, caminhar, por vezes, na direção diametralmente oposta!


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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