São Paulo, Sábado, 05 de Junho de 1999
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GLOBALIZAÇÃO
Protecionismo agrícola explica decisão; americano fala em "resistir" à Europa, e Lampreia se diz surpreso
França veta negociação com Mercosul

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
da Sucursal de Brasília

A França vetou ontem em Colônia, Alemanha, recomendação dos chefes de governo da União Européia para iniciar até dezembro de 2000 negociações com o Mercosul para criar área de livre comércio entre os dois blocos.
O veto francês ameaça esvaziar a conferência de 48 chefes de Estado e governo da Europa, América Latina e Caribe, dias 28 e 29, no Rio de Janeiro.
A decisão do presidente Jacques Chirac joga o Mercosul nos braços dos EUA no intricado xadrez político do comércio internacional.
O embaixador Peter Scher, negociador especial de comércio dos EUA, que estava ontem em Brasília, disse à Folha que a decisão da França "não chega a ser surpresa" e constitui "clara indicação de que Mercosul e EUA precisam trabalhar juntos" a questão européia.
Para Scher, "é preciso resistir" à intenção da Europa de realizar negociações de comércio sem incluir os produtos da agricultura.

Surpresa
O ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, afirmou, em entrevista à Folha, que o veto francês é "uma surpresa estarrecedora". Embora a decisão ainda possa ser revertida antes da cúpula do Rio, Lampreia reconhece que, "tendo havido esse impasse em nível de chefes de governo, agora a coisa se complica".
Scher, inteirado da reação de Lampreia, disse que a "aplaudia". "Da perspectiva dos EUA, melhor não fazer negociação nenhuma a negociar sem incluir agricultura."
Lampreia havia chegado otimista ontem de viagem à Europa, em que teve conversas "muito francas e diretas" (que, na linguagem cifrada dos diplomatas, significa terem sido bastante duras) com seu colega francês Hubert Vedrine.
Segundo o ministro brasileiro, "insucesso tão expressivo não poderia deixar de ser visto como desinteresse da Europa por uma relação especial com o Mercosul".
O recado parecia ter sido entendido por Vedrine, e havia claras indicações de que, em Colônia, os chefes de governo europeus adotariam resolução favorável às negociações com o Mercosul.

Declaração
O texto da declaração conjunta que eles assinariam estava pronto; o item 89 dizia que a Comissão da União Européia devia receber mandato nesse sentido e que as conversações deveriam ser sobre "a totalidade dos temas".
Essa é a posição do Brasil em relação ao assunto: "Nada está acordado enquanto tudo não estiver acordado". Ou seja: os assuntos devem ser negociados e resolvidos em bloco, não por setores.
Chirac vetou o item 89 da resolução assinada ontem porque seu país deseja começar a negociar o comércio de produtos agrícolas com o Mercosul a partir de 2003, quando, se prevê, estará concluído o novo acordo mundial de comércio, a Rodada do Milênio.
A França tem sido a líder do protecionismo europeu de sua agricultura, um setor em que os países do Mercosul são bastante competitivos. A Irlanda e o Reino Unido costumam acompanhar a França nas posições mais duras em favor de seus produtos agrícolas.
Do outro lado, fechando com a posição do Mercosul, têm estado Portugal e Espanha, talvez devido aos laços culturais que os unem à América do Sul. A Alemanha, atual presidente da Comissão Européia, tem tentado mediar as divergências entre seus colegas.
O item vetado pela França ontem havia sido preparado pela Alemanha. Lampreia acredita que os alemães ainda vão tentar obter um compromisso antes do Rio.
Ele argumenta que "não há dúvidas do desejo da União Européia pelo Mercosul", demonstrado, inclusive, pela presença de empresas e capitais dos países que a integram na América do Sul.
A última chance para reverter a decisão será no dia 21, quando se reúnem os ministros das relações exteriores da União Européia.


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