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OPINIÃO ECONÔMICA
Dona Maria, espantada com o dr. David
ALOYSIO BIONDI
Família de classe média, marido
executivo bem-sucedido, dona
Maria é uma brasileira dinâmica,
que resolve montar uma confecção com mais três amigas. Sua
marca conquista o mercado, as
vendas crescentes justificam novas ampliações da empresa e até a
abertura de lojas para vendas diretas. Ao fim de três anos, as sócias já aplicaram R$ 500 mil na
empresa e, aí, resolvem dar uma
descansada.
Não querem, porém, vender a
firma. Decidem arrendá-la, isto é,
entregá-la a outros(as) empresários(as), que passarão a explorar
o lucrativo negócio. Como é feito o
arrendamento? Dona Maria e
suas sócias passarão a ter uma
participação, digamos de 1%, sobre o faturamento da confecção,
agora nas mãos de um arrendatário.
Mas é claro que essa participação de 1% é uma ninharia quando
comparada com os investimentos
de R$ 500 mil que dona Maria e
suas amigas já fizeram na empresa. Claro. Por isso mesmo, nesses
negócios de arrendamento, o novo "dono", o arrendatário, "devolve" também uma parte do investimento que foi feito pelos criadores da empresa.
Dona Maria é dinâmica, esperta. Só entrega a empresa a quem
lhe der 20% ou 30%, isto é, R$ 100
ou R$ 150 mil do dinheiro que ela
e suas sócias aplicaram. É assim
que se faz qualquer negócio, em
qualquer país do mundo. Por isso
mesmo, dona Maria, apesar de ser
"tucana", está absolutamente espantada com as explicações que o
governo FHC vem dando sobre os
leilões que vai realizar este mês,
nos próximos dias, para permitir
que empresas multinacionais (37)
e brasileiras (5) arrendem áreas
onde se sabe que existem bilhões e
bilhões de barris de petróleo:
Eu não acredito, diz ela ao marido, Pacheco, no café da manhã.
Os jornais noticiam que as ofertas
iniciais das empresas interessadas nessas áreas são de R$ 50 mil
a R$ 150 mil... Será que os jornais
não erraram e querem dizer R$ 50
milhões? Afinal, sabe-se que nessas áreas surgem poços de petróleo fantásticos, que produzem até
10 mil barris de petróleo por dia
cada um...
- Por dia ? Mas isso é uma loucura, os pocinhos dos EUA produzem uma titica, de 100 barris por
dia e olhe lá.
- Eu também não sabia, foi a Sílvia que me alertou. Será possível
que o governo está distraído, como aconteceu em outras privatizações? Afinal, pondera dona Maria, nem eu entrego minha empresa por tostões.
- Não é distração, não. Eu vi
uma entrevista do presidente da
Agência Nacional do Petróleo, o
sr. David Zylbersztajn. Ele dizia
que esse preço tem de ser baixo,
simbólico mesmo, porque o petróleo sofreu violenta queda no mercado mundial.
- Ah, Pacheco. Essa explicação
não serve mais. O petróleo subiu
60% a 80%, de US$ 10 para US$ 16
ou US$ 18 o barril, nos últimos
meses. Esse, aliás, é o fato econômico mais importante do ano,
pois vai agravar a crise dos EUA,
que importa de seis a oito milhões
de barris de petróleo por ano.
- Dizem até que é por isso que
países como o Brasil estão sendo
pressionados pelo Fundo Monetário e países ricos a entregar seu
petróleo a multinacionais. Os
EUA e os países ricos dependem
do petróleo. E não é para fabricar
gasolina e movimentar automóveis, como a maioria das pessoas
pensam, não. É para produzir
energia elétrica, em usinas chamadas termelétricas. Sem petróleo, a economia dos EUA e de outros países ricos pára, simplesmente, pondera Pacheco.
Dona Maria faz um gesto de enfado:
- Olha, não quero nem entrar
nesse tipo de discussão. Mas quero, e acho que todo brasileiro deveria querer também, que o país
receba um preço justo pelas suas
reservas de petróleo. Depois que
os preços internacionais do petróleo subiram, sabe o que o sr. David Zylbersztajn está dizendo
agora?
- Acho que vi alguma coisa...
- Imagine só, Pacheco, ele diz
que as jazidas de petróleo podem
ser dadas a preços de banana porque o que importa são os impostos
que o governo vai arrecadar depois, com a produção do petróleo...
Pacheco concorda:
- Raciocínio estranho...
- Só pode ser distração... Até eu,
diz dona Maria, se arrendar minha confecção, não vou "dar" para o interessado os R$ 500 mil que
investi nela. Ninguém faz isso..
- Você tem razão. O governo
Fernando Henrique Cardoso está
confundindo os impostos futuros,
que qualquer empresa tem mesmo de pagar, em qualquer lugar
do mundo, com a participação
que todos os governos, de qualquer país do mundo, cobram sobre a exploração do petróleo...
Alias, no resto do mundo esses impostos chegam a ser de 60% a 70%
do valor do petróleo extraído, e
aqui vai ser cobrado a um nível
muito mais baixo, de 19% a 50%.
Note bem: esses impostos não iam
sair do bolso do consumidor, não.
Eles sairiam dos lucros fabulosos
das empresas petrolíferas...
- Engraçado, reflete dona Maria. Os poços daqui vão ser os
mais lucrativos do mundo, e a
parte do governo, isto é, do país,
vai ficar entre as menores do
mundo?
- Pacheco levanta-se, limpa a
boca com o guardanapo e prepara-se para sair.
- Só mais uma coisa, Pacheco.
Ouvi dizer também que as multinacionais estão comprando por
R$ 300 mil os estudos que a população brasileira financiou durante décadas, para descobrir petróleo em todo o território do país.
Será possível? Mas esses estudos
custaram bilhões de reais à população, bilhões da classe média, povão e empresários, agricultores.
Não deveriam ser vendidos a um
preço decente, ainda mais que são
esses estudos que garantem que as
multinacionais vão apenas perfurar e o petróleo vai começar a jorrar? Esses estudos são o mapa da
mina e estão sendo cedidos pelo
preço de um apartamento ou um
carro importado?
- Pacheco faz um gesto de desalento com os ombros e despede-se.
Dona Maria resmunga:
- É por isso que o governo comete os maiores absurdos no Brasil.
Está doando o que não lhe pertence. Ninguém reage, ninguém pressiona o Congresso. Imagine se isso
aconteceria nos EUA, onde o cidadão quer saber como é usado cada
tostão do seu patrimônio e dos
seus impostos.
- O Brasil está sendo literalmente saqueado por países estrangeiros, arrematou, indignada, dona
Maria.
Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico. Foi
editor de Economia da Folha. Escreve aos sábados no caderno Dinheiro.
E-mail: aloybi@homeshopping.com.br
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