São Paulo, sexta-feira, 05 de julho de 2002

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LUÍS NASSIF

A reestruturação da dívida e o calote

Há muita confusão acerca dessa história de reestruturação da dívida interna e muito desencontro a respeito das formas de amenizar a crise. Em geral, recorre-se a slogans e a palavras mágicas, sem se atentar para seu significado mais profundo.
Quem é o mercado, o cliente de títulos públicos? São investidores grandes, sim. Mas também são todos os cotistas de fundos de investimento, fundos de pensão que garantem a aposentadoria dos trabalhadores e investidores individuais. Portanto, quando se fala em reestruturar a dívida, não se está pensando em Davi enfrentando o Golias mercado, mas no governante tratando com a poupança dos investidores, entre os quais os cidadãos nacionais.
Reestruturação da dívida significa trocar papéis de prazos e taxas diferentes, presume-se que papéis com taxas maiores por papéis com taxas menores. Se se muda a remuneração do papel, automaticamente cai o seu preço e o de todos aqueles fundos que têm papéis velhos em carteira. A recente crise dos fundos DI, que perderam de 1% a 4% de seu valor patrimonial, é um pré-ensaio do que significaria uma pancada maior.
Há várias maneiras de proceder. Uma delas -a mais temida- é enfiar a reestruturação goela abaixo dos investidores. A segunda maneira seria lançar um papel novo, com maior segurança do que o papel antigo e, com isso, praticamente obrigar os investidores a trocar de papel. Os bancos e fundos sairiam do papel ruim para o papel bom.
O candidato Ciro Gomes diz que está sendo mal interpretado quando fala em reestruturação da dívida, porque propõe o processo voluntário. Não está sendo, não.
Em um caso e em outro, a pancada em cima dos investidores é a mesma. Trocou inopinadamente títulos de maior taxa por títulos de menor taxa, o efeito sobre o patrimônio dos fundos será o mesmo. É impossível qualquer trabalho de reestruturação da dívida que não afete diretamente o patrimônio dos poupadores. Qualquer processo de reestruturação rápida de dívida vai tungar o investidor, seja grande ou pequeno. Foi esse o processo da única bala na agulha, de Fernando Collor.
Para evitar esse risco, o processo alternativo de reduzir os juros é fazê-lo de forma gradativa, administrada, reduzindo os fatores de risco do país. Nessa empreitada estamos todos no mesmo barco, BC, governo, partidos de oposição e imprensa. Por isso mesmo, há que reduzir desconfianças recíprocas e má interpretação do que está sendo dito.
Quando o presidente do BC, Armínio Fraga, diz que em 30 meses o Brasil poderá obter o "investment grade", está fazendo uma afirmação positiva. O Brasil nunca conseguiu esse status. Armínio está dizendo que, independentemente do presidente que entrar, se ele se aplicar no rumo da estabilidade fiscal, o país poderá conseguir essa qualificação, que permitirá o grande recurso para enfrentar qualquer movimento especulativo: acesso a crédito farto e barato. A tragédia atual é que o Brasil enfrenta crise de liquidez e não tem acesso a crédito barato para o movimento anticíclico.
Quando se está a caminho do "investment grade", os benefícios surgem muito antes. A mera perspectiva de melhorar o "rating" já barateia o dinheiro e melhora o fluxo de crédito. Quando Armínio fez profissão de fé no "investment grade", independentemente de quem será o próximo presidente, levantou a bola para a oposição chutar a gol. Em vez de chutar, parou-se o jogo para reclamar da jogada a favor.

S&P
A avaliação da Standard & Poor's sobre o Brasil deve ser considerada no seu sentido macro: a agência avalia o tamanho da dívida e o seu custo. Depois de dois meses de intensas discussões, com reuniões quase diárias, a agência rebaixou o país, mas nem de longe aposta no caos. A percepção é que a dívida interna é perfeitamente administrável e a externa só terá problemas se houver fuga de recursos, algo que não aconteceu nem em 1999.

E-mail - LNassif@uol.com.br



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