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LUÍS NASSIF
A reestruturação da dívida e o calote
Há muita confusão acerca
dessa história de reestruturação da dívida interna e muito
desencontro a respeito das formas de amenizar a crise. Em geral, recorre-se a slogans e a palavras mágicas, sem se atentar para seu significado mais profundo.
Quem é o mercado, o cliente de
títulos públicos? São investidores
grandes, sim. Mas também são
todos os cotistas de fundos de investimento, fundos de pensão
que garantem a aposentadoria
dos trabalhadores e investidores
individuais. Portanto, quando se
fala em reestruturar a dívida,
não se está pensando em Davi
enfrentando o Golias mercado,
mas no governante tratando
com a poupança dos investidores, entre os quais os cidadãos
nacionais.
Reestruturação da dívida significa trocar papéis de prazos e
taxas diferentes, presume-se que
papéis com taxas maiores por
papéis com taxas menores. Se se
muda a remuneração do papel,
automaticamente cai o seu preço
e o de todos aqueles fundos que
têm papéis velhos em carteira. A
recente crise dos fundos DI, que
perderam de 1% a 4% de seu valor patrimonial, é um pré-ensaio
do que significaria uma pancada
maior.
Há várias maneiras de proceder. Uma delas -a mais temida- é enfiar a reestruturação
goela abaixo dos investidores. A
segunda maneira seria lançar
um papel novo, com maior segurança do que o papel antigo e,
com isso, praticamente obrigar
os investidores a trocar de papel.
Os bancos e fundos sairiam do
papel ruim para o papel bom.
O candidato Ciro Gomes diz
que está sendo mal interpretado
quando fala em reestruturação
da dívida, porque propõe o processo voluntário. Não está sendo,
não.
Em um caso e em outro, a pancada em cima dos investidores é
a mesma. Trocou inopinadamente títulos de maior taxa por
títulos de menor taxa, o efeito sobre o patrimônio dos fundos será
o mesmo. É impossível qualquer
trabalho de reestruturação da
dívida que não afete diretamente o patrimônio dos poupadores.
Qualquer processo de reestruturação rápida de dívida vai tungar o investidor, seja grande ou
pequeno. Foi esse o processo da
única bala na agulha, de Fernando Collor.
Para evitar esse risco, o processo alternativo de reduzir os juros
é fazê-lo de forma gradativa, administrada, reduzindo os fatores
de risco do país. Nessa empreitada estamos todos no mesmo barco, BC, governo, partidos de oposição e imprensa. Por isso mesmo, há que reduzir desconfianças recíprocas e má interpretação do que está sendo dito.
Quando o presidente do BC,
Armínio Fraga, diz que em 30
meses o Brasil poderá obter o
"investment grade", está fazendo
uma afirmação positiva. O Brasil
nunca conseguiu esse status. Armínio está dizendo que, independentemente do presidente
que entrar, se ele se aplicar no rumo da estabilidade fiscal, o país
poderá conseguir essa qualificação, que permitirá o grande recurso para enfrentar qualquer
movimento especulativo: acesso
a crédito farto e barato. A tragédia atual é que o Brasil enfrenta
crise de liquidez e não tem acesso
a crédito barato para o movimento anticíclico.
Quando se está a caminho do
"investment grade", os benefícios
surgem muito antes. A mera
perspectiva de melhorar o "rating" já barateia o dinheiro e melhora o fluxo de crédito. Quando
Armínio fez profissão de fé no
"investment grade", independentemente de quem será o próximo presidente, levantou a bola
para a oposição chutar a gol. Em
vez de chutar, parou-se o jogo
para reclamar da jogada a favor.
S&P
A avaliação da Standard &
Poor's sobre o Brasil deve ser
considerada no seu sentido macro: a agência avalia o tamanho
da dívida e o seu custo. Depois de
dois meses de intensas discussões, com reuniões quase diárias,
a agência rebaixou o país, mas
nem de longe aposta no caos. A
percepção é que a dívida interna
é perfeitamente administrável e
a externa só terá problemas se
houver fuga de recursos, algo
que não aconteceu nem em 1999.
E-mail - LNassif@uol.com.br
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