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OPINIÃO ECONÔMICA
A economia precisa de um tranco
BENJAMIN STEINBRUCH
As últimas notícias da China dão conta de que o país
está afogado em dólares. As reservas monetárias atingem US$ 340
bilhões, mais de dois terços do PIB
brasileiro. As incertezas e volatilidades da economia internacional
pouco afetaram esse país asiático.
No ano passado, recebeu mais de
US$ 52,7 bilhões em investimento
direto estrangeiro, superando até
os Estados Unidos.
Desde que iniciou sua abertura
econômica, há 20 anos, a China já
aprovou o ingresso de 426 mil empresas estrangeiras no país e tem
investimentos contratados de
US$ 837 bilhões. Essa forte atração de capital produtivo transformou a China num fenômeno em
matéria de crescimento econômico, com taxas em torno de 10% ao
ano. Em 2003, com toda a crise
mundial e os problemas da Sars
(síndrome respiratória aguda
grave), o PIB (Produto Interno
Bruto) do país ainda deve avançar 7%. O caso chinês, portanto,
comprova a teoria básica de que
só é possível crescer de forma sustentada com investimentos, sejam eles nacionais ou estrangeiros.
Nessa matéria, infelizmente, o
Brasil caminhou nos últimos
anos, e ainda caminha, na contramão. A política econômica, em
parte por constrangimentos reais
e em parte por opções equivocadas, levou os setores público e privado a restringir investimentos. A
taxa de inversões, que atingia
23% do PIB nos anos 70, reduziu-se seguidamente, a ponto de situar-se em apenas 15% nos primeiros anos da década atual.
No primeiro semestre deste ano,
os investimentos diretos estrangeiros no Brasil foram uma decepção. Entraram apenas US$ 3,5
bilhões líquidos, menos da metade do valor do mesmo período do
ano passado. Ressalve-se o ambiente internacional adverso, que
fez o bolo mundial de investimento direto cair de US$ 1,5 trilhão
em 2000 para apenas US$ 500 bilhões no ano passado. Mas o ambiente interno colaborou muito
para o desempenho pífio.
Uma pesquisa patrocinada pela
Câmara Americana de Comércio
com executivos de multinacionais
não deixa dúvidas sobre a percepção das empresas que poderiam
investir no país. Numa escala de
zero a cem, o Brasil obteve apenas
49 pontos na avaliação dos vários
quesitos que influenciam a decisão de investir. A qualidade do
sistema de transporte foi considerada muito ruim. Notas muito
baixas também foram atribuídas
à disponibilidade de financiamento, ao custo de capital, ao nível geral de educação, ao peso da
tributação, aos encargos trabalhistas, à legislação sobre propriedade intelectual e às questões regulatórias em geral.
As percepções que desencorajam o capital produtivo estrangeiro igualmente influem no ânimo do nacional. O setor público,
por conta do desequilíbrio fiscal e
também pelo conservadorismo
exagerado, parou de investir. Para as empresas, a situação se
agrava porque os recursos de financiamento são escassos e caros.
O crédito da rede bancária está
praticamente fechado pelas elevadíssimas taxas de juros. O
BNDES dispõe de recursos para
emprestar a custos moderados
-o orçamento do segundo semestre contempla R$ 23 bilhões-, mas poucas empresas se
animam a correr riscos de ampliar produção numa conjuntura
de queda de consumo e estoques
elevados.
O lado bom que persiste -apesar da conturbação político-social
causada pela tramitação das reformas e da volta da volatilidade
aos mercados nos dois últimos
dias úteis- é a confiança generalizada nas boas intenções do governo Lula.
A economia precisa de um tranco que ponha o motor em movimento, porque ninguém contesta
a evidência estatística de que o
país sempre teve vocação para
crescer. Um tranco que já poderia
ter sido dado há duas semanas,
quando o Banco Central perdeu a
oportunidade de fazer um corte
mais arrojado nas taxas de juros.
Outro tranco necessário é o do
investimento público, que depende em parte do sucesso das reformas, mas que pode ser dado antes
mesmo de sua conclusão, se o governo tiver coragem para atenuar
o conservadorismo fiscal. No primeiro semestre, o superávit fiscal
consolidado do governo (União,
Estados e municípios) atingiu R$
40 bilhões, cerca de R$ 5,5 bilhões
além do que previa o acordo com
o FMI. Um dinheiro que poderia
ter sido usado para investimento
público, que estimularia a economia e criaria empregos.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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