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São Paulo, terça-feira, 05 de agosto de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

A economia precisa de um tranco

BENJAMIN STEINBRUCH

As últimas notícias da China dão conta de que o país está afogado em dólares. As reservas monetárias atingem US$ 340 bilhões, mais de dois terços do PIB brasileiro. As incertezas e volatilidades da economia internacional pouco afetaram esse país asiático. No ano passado, recebeu mais de US$ 52,7 bilhões em investimento direto estrangeiro, superando até os Estados Unidos.
Desde que iniciou sua abertura econômica, há 20 anos, a China já aprovou o ingresso de 426 mil empresas estrangeiras no país e tem investimentos contratados de US$ 837 bilhões. Essa forte atração de capital produtivo transformou a China num fenômeno em matéria de crescimento econômico, com taxas em torno de 10% ao ano. Em 2003, com toda a crise mundial e os problemas da Sars (síndrome respiratória aguda grave), o PIB (Produto Interno Bruto) do país ainda deve avançar 7%. O caso chinês, portanto, comprova a teoria básica de que só é possível crescer de forma sustentada com investimentos, sejam eles nacionais ou estrangeiros.
Nessa matéria, infelizmente, o Brasil caminhou nos últimos anos, e ainda caminha, na contramão. A política econômica, em parte por constrangimentos reais e em parte por opções equivocadas, levou os setores público e privado a restringir investimentos. A taxa de inversões, que atingia 23% do PIB nos anos 70, reduziu-se seguidamente, a ponto de situar-se em apenas 15% nos primeiros anos da década atual.
No primeiro semestre deste ano, os investimentos diretos estrangeiros no Brasil foram uma decepção. Entraram apenas US$ 3,5 bilhões líquidos, menos da metade do valor do mesmo período do ano passado. Ressalve-se o ambiente internacional adverso, que fez o bolo mundial de investimento direto cair de US$ 1,5 trilhão em 2000 para apenas US$ 500 bilhões no ano passado. Mas o ambiente interno colaborou muito para o desempenho pífio.
Uma pesquisa patrocinada pela Câmara Americana de Comércio com executivos de multinacionais não deixa dúvidas sobre a percepção das empresas que poderiam investir no país. Numa escala de zero a cem, o Brasil obteve apenas 49 pontos na avaliação dos vários quesitos que influenciam a decisão de investir. A qualidade do sistema de transporte foi considerada muito ruim. Notas muito baixas também foram atribuídas à disponibilidade de financiamento, ao custo de capital, ao nível geral de educação, ao peso da tributação, aos encargos trabalhistas, à legislação sobre propriedade intelectual e às questões regulatórias em geral.
As percepções que desencorajam o capital produtivo estrangeiro igualmente influem no ânimo do nacional. O setor público, por conta do desequilíbrio fiscal e também pelo conservadorismo exagerado, parou de investir. Para as empresas, a situação se agrava porque os recursos de financiamento são escassos e caros. O crédito da rede bancária está praticamente fechado pelas elevadíssimas taxas de juros. O BNDES dispõe de recursos para emprestar a custos moderados -o orçamento do segundo semestre contempla R$ 23 bilhões-, mas poucas empresas se animam a correr riscos de ampliar produção numa conjuntura de queda de consumo e estoques elevados.
O lado bom que persiste -apesar da conturbação político-social causada pela tramitação das reformas e da volta da volatilidade aos mercados nos dois últimos dias úteis- é a confiança generalizada nas boas intenções do governo Lula.
A economia precisa de um tranco que ponha o motor em movimento, porque ninguém contesta a evidência estatística de que o país sempre teve vocação para crescer. Um tranco que já poderia ter sido dado há duas semanas, quando o Banco Central perdeu a oportunidade de fazer um corte mais arrojado nas taxas de juros.
Outro tranco necessário é o do investimento público, que depende em parte do sucesso das reformas, mas que pode ser dado antes mesmo de sua conclusão, se o governo tiver coragem para atenuar o conservadorismo fiscal. No primeiro semestre, o superávit fiscal consolidado do governo (União, Estados e municípios) atingiu R$ 40 bilhões, cerca de R$ 5,5 bilhões além do que previa o acordo com o FMI. Um dinheiro que poderia ter sido usado para investimento público, que estimularia a economia e criaria empregos.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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