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São Paulo, terça-feira, 05 de agosto de 2003

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SAFRA

Após representar 75% do consumo nos anos 80, cultura nacional foi esquecida nos 90; agora, bons preços atraem agricultor

Brasil produzirá 50% do trigo que consome

Mauro Zafalon/Folha Imagem
Início da colheita de trigo na fazenda Mississipi, em Sertaneja, no norte do Paraná


MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

O Brasil começa a colher aquela que poderá ser a maior safra de trigo dos últimos 14 anos. Cultura esquecida pelos agricultores nos anos 90, devido aos elevados custos de produção, o trigo nacional volta a representar metade do que o país consumirá neste ano. Na década de 80, representava 75%; na de 90%, apenas 25%.
A safra nacional deverá atingir 5 milhões de toneladas em 2003. Algumas estimativas mais otimistas, como a do cerealista paranaense José Pitoli, de Cornélio Procópio (PR), chegam a 5,5 milhões de toneladas. Mas tudo depende da não-ocorrência de geadas e da ausência de chuvas durante a colheita.
O consumo total, incluindo o uso do cereal para farinhas, sementes e rações, chega a 10,69 milhões de toneladas, segundo a Conab (Companhia Nacional do Abastecimento). As indústrias estimam menos de 10 milhões.
O Brasil semeou 2,38 milhões de hectares neste ano, 16% mais do que em 2002, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Dois motivos favoreceram o aumento: preços internacionais elevados em 2002 e incentivos do governo ao produtor.
A quebra de produção nos principais mercados em 2002, entre eles Austrália, Canadá e Argentina, forçou a alta da tonelada para R$ 550 no mercado interno. O governo também fez a sua parte e elevou o preço mínimo no Sul para R$ 400 por tonelada, valor atraente para os agricultores.
O cenário de comercialização deste ano, no entanto, não é tão animador para o produtor como o de 2002. Os grandes produtores mundiais voltaram a elevar a produção e os preços internacionais recuaram, afetando também os internos, que estão próximos de R$ 430 por tonelada. Os produtores já querem a adoção de mecanismos de comercialização por parte do governo. Mas o governo ainda não pensa na implementação desses mecanismos.
Nesse cenário, os produtores nacionais estão preocupados com as indústrias, que deverão buscar mais produto no exterior, principalmente na Argentina, que vai produzir de 14 milhões a 14,5 milhões de toneladas neste ano.

Produto argentino
Lawrence Pih, do moinho Pacífico, diz que "os produtores nacionais têm uma janela de agora até novembro para comercializar o trigo". Após esse período, começa a chegar ao mercado o produto argentino, que poderá derrubar os preços do nacional.
Pih alerta para dois fatores que podem impedir a subida dos preços do trigo neste ano no Brasil. As safras brasileira e argentina, somadas aos estoques que sobraram do ano passado, devem superar 20 milhões de toneladas. Desse volume, apenas 14 milhões serão consumidos pelas indústrias de farinha brasileiras e argentinas.
Outro fator inibidor dos preços é a redução no consumo de trigo devido à queda da renda. A estimativa do empresário é que o consumo de trigo no país caia para 9 milhões de toneladas. O preço da saca de farinha, que estava a R$ 32 no início de 2002, subiu para R$ 72 no auge da crise de oferta do produto no final do ano passado. Os preços atuais são de R$ 46 por saca, o que tira muitos consumidores do mercado, acrescenta.
Paulo Magno Rabello, gerente de Alimentos Básicos da Conab, lembra, no entanto, que a oferta mundial ainda não foi regularizada e que há forte demanda por trigo norte-americano na Europa.
Magno diz que o governo brasileiro precisa ficar atento à cultura do trigo nos próximos anos. Nas contas do gerente da Conab, se forem mantidas as mesmas condições de queda de produção em relação ao consumo dos últimos anos, os estoques mundiais de 2005/6 deverão recuar para apenas 80 milhões de toneladas. Os de 2000/1 eram de 190 milhões de toneladas. "O Brasil deve pensar sério no aumento de produção no Centro-Oeste", diz Magno.
Ataídes Jacobsen, especialista em trigo da Emater-RS, diz que a área plantada vai crescer nos próximos anos. Uma das principais causas é a desvalorização cambial, que dá mais competitividade ao produto brasileiro.
Um dos motivos da forte queda de produção na década de 90 foi a abertura econômica, a desregulamentação do setor e a manutenção do real valorizado, diz.
Mesmo com a queda nos preços neste ano, o produtor de trigo terá lucro. O custo de produção é de R$ 2.200 por alqueire no Paraná, e a previsão de colheita é de 120 sacas, o que renderia R$ 3.100 aos preços atuais.
O início de colheita no Paraná mostra produção de cem sacas por alqueire. O ritmo da colheita deverá aumentar nas próximas semanas, e a previsão é de produtividade maior do que a registrada neste início de colheita.
Dois Estados se destacam na produção: Paraná e Rio Grande do Sul. No Paraná, "a cultura vai muito bem", diz Vera Zardo, do Deral. A previsão do órgão é de 2,7 milhões de toneladas (o mercado prevê 3 milhões ou mais).
No Rio Grande do Sul, Estado onde a área cresceu 24% neste ano, a safra deverá atingir 1,7 milhão de toneladas, diz Jacobsen.


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