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ANÁLISE
Europeus já tinham se preparado para a derrota
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
A vitória no caso do açúcar
não se deu ontem, o dia em
que a OMC emitiu seu parecer
(ainda reservado), mas no dia 14
de julho, quando a União Européia, a parte questionada, lançou
sua proposta para reformar o regime do açúcar.
Os europeus já sabiam que perderiam e resolveram sair na frente, apresentando uma proposta
que consideram "uma radical revisão" do regime açucareiro, conforme expressão contida em comunicado à imprensa emitido
ontem por Arancha González, a
porta-voz para Comércio da UE.
Nesse mesmo comunicado,
aliás, González registra as críticas
à política européia para o açúcar e
nem se dá ao trabalho de rebatê-las, no que soa como confissão de
culpa.
A antecipação européia não reduz, de todo modo, a importância
da decisão de ontem. A reforma
do regime açucareiro é, por enquanto, apenas uma proposta da
Comissão Européia, o braço executivo do conglomerado, que ainda deve ser discutida pelos ministros de Agricultura em reunião especial convocada para outubro.
"Agora, com a decisão, a reforma deve ser aprovada com mais
facilidade e talvez seja mais profunda", torce Pedro de Camargo
Neto, talvez o mais experiente negociador agrícola do setor privado e uma espécie de pai intelectual dos processos tanto do açúcar como do algodão (este contra
os Estados Unidos).
Aliás, ele já tem mais dois produtos para sacar da cartucheira:
lácteos (contra os europeus) e arroz (contra os EUA). Mas, em ambos os casos, o Brasil não é o mais
indicado para liderar os processos, na medida em que os prejuízos maiores são, respectivamente,
para Argentina (lácteos) e Uruguai e Tailândia (arroz).
Os ganhos para o Brasil, com a
decisão da OMC, são de duas naturezas: o econômico, claro, cujo
tamanho varia conforme quem
faz as contas, e o político-diplomático.
O cálculo que soa mais razoável
é de Amy Barry, da ONG britânica
Oxfam, especializada em defender países pobres ou em desenvolvimento nas negociações comerciais: ela diz que, em 2002, os
subsídios europeus ao açúcar custaram aos produtores brasileiros
cerca de US$ 494 milhões.
É lógico supor que ganharão
quantia parecida, quando forem
retirados os subsídios. Aliás,
Eduardo de Carvalho, presidente
da Unica (União da Agroindústria Canavieira de São Paulo), já
havia contabilizado ganhos de
US$ 300 milhões, só num primeiro momento, quando a UE anunciou sua reforma do regime açucareiro.
O segundo ganho é apenas potencial: Antonio Donizeti Beraldo, da Confederação Nacional da
Agricultura, torce para que a decisão sobre o açúcar faça com que
os europeus sejam mais flexíveis
na negociação com o Mercosul,
que será retomada na próxima semana em Brasília.
Há um terceiro ganho, igualmente potencial e paralelo: o fato
de a UE ter se antecipado e anunciado a reforma do regime do
açúcar, deixa os EUA mais isolados e na defensiva, no caso do algodão. Enquanto os europeus já
assimilaram a derrota (e até se anteciparam a ela), os norte-americanos rugiram e estão recorrendo
da decisão desfavorável.
Como o que se julgou é, na essência, igual, ainda que os produtos sejam diferentes, os EUA acabaram sofrendo uma segunda
derrota, embora indireta.
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