São Paulo, quinta-feira, 05 de agosto de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Reforma das instituições monetárias

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Está meio fora de foco a controvérsia sobre a permanência ou não do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. As denúncias devem ser investigadas, é claro. Meirelles deve comparecer ao Congresso para apresentar as suas explicações. Mas de que adiantará substituí-lo por uma pessoa de perfil equivalente, como ocorreu com Luiz Candiota? Troca-se seis por meia dúzia, e tudo continua como está.
O fundamental é tratar da reforma das instituições monetárias e quebrar a dependência do Banco Central e da política monetária em relação a interesses financeiros privados. Como comentei no artigo da semana passada, existem dois problemas principais. Primeiro, a estrutura do CMN (Conselho Monetário Nacional), que é controlado pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central. Segundo, a composição da diretoria do próprio Banco Central, que inclui alguns funcionários de carreira do BC, mas é dominada por profissionais oriundos do sistema financeiro e que voltam a ele ao sair.
Comecemos pelo CMN, que fixa as metas de inflação e outras variáveis importantes, como a TJLP (Taxa de Juro de Longo Prazo). Esse conselho tem atualmente apenas três membros: o ministro da Fazenda (que o preside), o ministro do Planejamento e o presidente do Banco Central. Por que não ampliá-lo para incluir "ex officio" outros integrantes do governo diretamente ligados à produção, ao comércio exterior e ao emprego? Por exemplo: o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o ministro da Agricultura, o ministro do Trabalho e os presidentes de bancos públicos como o BNDES e o Banco do Brasil. Isso evitaria que decisões cruciais ficassem inteiramente nas mãos da área econômica do governo.
Outra possibilidade seria incluir também algumas pessoas representativas dos empresários e trabalhadores dos principais setores da economia (comércio, indústria, agricultura e sistema financeiro). Isso tornaria o CMN ainda mais sensível às percepções e prioridades da economia real. As metas de inflação não mais seriam fixadas apenas por meia dúzia de macroeconomistas, muitos dos quais com limitada vivência fora das áreas acadêmica ou financeira.
Haveria acesso a informações privilegiadas para agentes privados? Não necessariamente. A condução das políticas financeiras no dia-a-dia (taxas básicas de juro, operações de mercado aberto, depósitos compulsórios, política cambial etc.) continuaria sendo da responsabilidade do Banco Central. As reuniões do CMN são menos freqüentes e têm caráter estratégico. De qualquer maneira, conviria torná-las transparentes. Uma forma de fazê-lo seria divulgar a íntegra das notas taquigráficas dessas reuniões. Outra, seria transmiti-las ao vivo por canais de televisão. Por exemplo: a TV Câmara ou a TV Senado, como sugeriu o senador Eduardo Suplicy, o que seria coerente com a função fiscalizadora do Poder Legislativo.
Quanto à diretoria do Banco Central, o essencial é torná-la mais eclética. É recomendável que dela façam parte funcionários de carreira do BC e pessoas com experiência no mercado financeiro. Mas os seus integrantes devem ter origens mais variadas. Profissionais com vivência na indústria, no comércio ou na agricultura seriam bem-vindos, assim como economistas mais independentes da ortodoxia ensinada em universidades norte-americanas ou instituições multilaterais como o FMI.
Outro aspecto importante: estabelecer quarentena rigorosa na saída dos diretores do Banco Central. A passagem pelo BC proporciona informações valiosas sobre as instituições financeiras. O poder dessas informações privilegiadas diminui com o tempo. Seria importante aprovar uma lei que estabelecesse um período de, digamos, três anos, durante o qual um ex-diretor do BC ficaria proibido de exercer funções executivas, de assessoramento ou de consultoria em qualquer instituição financeira. Ficaríamos, assim, automaticamente livres dos yuppies oportunistas que vêem a passagem pelo BC como mero trampolim para carreiras milionárias no sistema financeiro.
Só assim se poderia começar a pensar seriamente em dar autonomia formal ao Banco Central e mandato fixo para seus diretores.


Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
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