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São Paulo, sexta-feira, 05 de setembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Vinculação e progresso

Um dos sofismas mais difundidos nos anos 90 pelos cabeças de planilha foi a idéia de que a crise fiscal brasileira é decorrência das vinculações orçamentárias previstas na Constituição de 1988. Nos anos 90, a preponderância absoluta do financeiro sobre todos os demais aspectos da vida nacional, em vez de dar eficácia à gestão, criou a chamada lassidão fiscal, com ampliação de despesas, aumento desmedido de receitas, criação de contribuições e fundos especiais visando reduzir a participação de Estados e municípios. Se posso gastar mais e arrecadar mais, por que me preocupar em ser eficiente?
Depois que a situação fiscal complicou, os cabeças de planilha passaram a martelar o conceito de que o que importava era o superávit fiscal, de que natureza fosse. Para eles, o único aspecto que interessava era o governo assegurar a capacidade do Estado de continuar pagando juros exorbitantes.
Recentemente, o economista José Alexandre Scheinkman apresentou diversos indicadores de evolução do país, comparativamente à Coréia do Sul. Até 1980 o país avançou em vários indicadores. Aí, passou a ficar para trás de quase todos eles, em termos absolutos e comparativos. Um dos poucos indicadores em que o Brasil caminhou para trás até os anos 80 e passou a melhorar depois disso foi o da educação básica. Nos anos 90, os da saúde também.
Os dados de Scheinkman tomaram como base estudos de Naércio Aquino de Menezes Filho, da Faculdade de Economia e Administração da USP, publicado em livro em que foi o coordenador ao lado de Marcos Lisboa.
Qual a razão para essa melhora? O pensamento financista que preponderou depois da era Marcílio? Não, foi a vinculação orçamentária, aquele "anacronismo" previsto na Constituição de 1988, e que resultou na criação do Fundef. Com todos os problemas fiscais dos anos 90, com os contingenciamentos, com os juros mais altos do planeta, foi essa vinculação que impediu que todos os indicadores relevantes de desenvolvimento virassem pó em uma mesa de operações do mercado.
Imagine se a gestão Pedro Malan tivesse a flexibilidade para se apossar desses recursos. Tudo teria ido para a vala comum do aumento da dívida pública sem contrapartida de investimentos.
Já é hora de parar com esse primarismo de aceitar que todo gasto que não seja para o pagamento de juros seja, por princípio, ineficiente. Todo gasto que se destina ao cidadão é por princípio mais eficiente que o que se destina ao pagamento de juros para sustentar modelos irracionais.
O que se tem a fazer é aprimorar a aplicação dos recursos vinculados, para conseguir cada vez mais eficácia na aplicação desses recursos. Nesse sentido, vale a pena avaliar o requerimento da deputada Denise Frossard, de sugerir ao Ministério do Planejamento o encaminhamento ao Congresso de projeto de lei complementar para incluir, no Plano Plurianual da União, Estados e municípios, a obrigatoriedade do cumprimento de metas baseadas no Índice de Desenvolvimento Humano, para evitar que os recursos sejam canalizados para obras não diretamente relacionadas com a melhoria da educação.

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