São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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RECEITA ORTODOXA

Melhora dos fundamentos é apontada como razão principal para país dispensar renovação com o FMI

Brasil não precisa de acordo, dizem analistas

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Nunca se viu tanta unanimidade: de banqueiros a industriais, passando por economistas de várias tendências, consultados pela Folha, todos afirmam que o Brasil não precisa mais manter um acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Alguns, porém, acreditam que, apesar de o país poder andar com as próprias pernas, é bom manter um escudo protetor contra eventuais turbulências. "As reservas internacionais do país, apesar de terem melhorado muito, ainda são baixas; o Fundo é um mecanismo de segurança para neutralizar os efeitos de choques externos", diz Armando Monteiro Neto, presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
O atual acordo acaba no final do ano, mas só a partir de março de 2005 o governo terá de definir sua relação com o Fundo. A discussão, porém, já está na mesa. Na sexta, o diretor-gerente do FMI, Rodrigo Rato, reuniu-se em Brasília com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O governo ainda não tem uma posição definida. Mas a torcida dos analistas já se organiza. "É bom não ter um novo acordo, pois isso mostrará que a economia está em ordem e que as políticas atuais são do país, não do Fundo", diz Luiz Fernando Figueiredo, diretor de Política Monetária do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso.
Figueiredo é sócio do ex-presidente do BC, Armínio Fraga, na Gávea Investimentos. Segundo ele, no final do ano passado, quando foi feita a última renovação, Fraga já dizia que o Brasil não precisava do acordo.
Para Raul Velloso, especialista em finanças públicas, o Brasil não precisa nem do dinheiro nem do aval do Fundo à política macroeconômica. As contas externas ganharam solidez com os elevados saldos comerciais e o país tem hoje um superávit de US$ 6,8 bilhões nas transações correntes (que inclui todas as operações de bens e serviços com o exterior). "A situação está muito folgada", diz.
Em 2002, quando foi assinado o atual acordo, o país tinha um déficit de US$ 7,7 bilhões nas transações externas e dificuldades de se financiar. O fluxo de capitais para os emergentes havia encolhido e, no caso do Brasil, secara devido à proximidade das eleições. Agora, segundo Velloso, há um quadro de liqüidez internacional e os resultados da política econômica dão credibilidade ao país e dispensam o aval do Fundo.

Ajuste externo
O sucesso do ajuste externo foi "tão estrondoso", segundo Octávio de Barros, economista-chefe do Bradesco, que "o Brasil mostrou que tem condições de andar sozinho, sem o FMI".
Outro indicador positivo é o nível das reservas internacionais líqüidas (sem o dinheiro do FMI). Hoje, estão cerca de US$ 10 bilhões acima do patamar de janeiro de 2003, quando Lula assumiu. Também é conseqüência dos saldos comerciais crescentes.
Os analistas apontam outros avanços significativos nas contas públicas. "A relação dívida/PIB, um dos indicadores de solvência de um país, que, em 2003, estava em 58,7%, caiu para 55% em julho", diz Barros.
O principal problema apontado pelos economistas que são contra a renovação é a relação custo/benefício de manter a relação. "O preço de um acordo com o FMI é muito alto, o país perde a autonomia para conduzir sua política econômica", diz Fernando Cardim, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Tais amarras, segundo ele, são um problema, pois, se o governo quiser reorientar sua política, como rever a meta de superávit primário, terá de negociar com o Fundo. "Se ocorrer uma crise cambial e estivermos atados ao FMI, só haverá uma saída: subir os juros", diz Cardim.
Poucos acreditam, entretanto, que sem o FMI ocorram mudanças tão radicais. "Com ou sem o FMI, o governo vai manter a disciplina fiscal, vai perseguir o superávit primário, buscar convergência da inflação para as metas e fazer superávit comercial. Essa política é a política do governo, não do FMI", afirma Renato Raglione, sócio da MS Consult.
Nessas condições, é melhor manter o acordo e ter um "cheque especial" à disposição para eventuais turbulências externas, diz.
Em defesa da renovação do acordo, Gabriel Jorge Ferreira, presidente da CNF (Confederação Nacional das Instituições Financeiras), lembra que, pela primeira vez na história, essa discussão ocorre fora de um momento de crise. "Temos uma memória negativa dos acordo com o Fundo, pois eles sempre significaram a adoção de medidas muito duras e extremas que comprometiam os programas de governo voltados para a área social", diz.
Hoje, segundo ele, a economia vive um bom momento, e a renovação do acordo pode ocorrer sem pressão. "É possível fazer essa discussão com tranqüilidade e negociar condições vantajosas, já que o país não precisaria do FMI."
O governo poderia, por exemplo, negociar prazos e taxas melhores para as parcelas do acordo que vão vencer, afirma. O país deverá pagar ao FMI US$ 700 milhões em setembro e US$ 915 milhões em dezembro. No próximo ano vencem US$ 6,7 bilhões e, em 2006, US$ 8,3 bilhões. Em 2007, a fatura será de US$ 8,6 bilhões.


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