São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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PEIXE FORA D"ÁGUA

Brecha na lei permite desvios no pagamento de benefício durante a fase em que a captura fica proibida

Seguro para pescador vira alvo de fraudes

Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem
O pescador Mauro Silva joga tarrafa na lagoa de Santo Antônio (SC); Ministério Público apura fraudes na concessão do seguro-defeso


JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM LAGUNA (SC)

No primeiro semestre deste ano, houve um salto no pagamento, pelo governo federal, do seguro-defeso, pago como seguro-desemprego ao pescador artesanal. O benefício está sendo usado por pessoas que não têm direito de recebê-lo, segundo investigação do Ministério Público e levantamento da Seap (Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca).
Em 2001, o governo federal pagou R$ 40,2 milhões de seguro-defeso. Nos seis primeiros meses de 2004, o governo federal já desembolsou R$ 130,4 milhões para o mesmo fim.
O seguro-defeso foi criado para ordenar a pesca em nível nacional e paga, até quatro meses por ano, um salário mínimo ao pescador artesanal durante o período em que a captura de pescados está proibida pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Essa proibição varia de época para cada espécie e visa a sua preservação.
A lei nš 10.779, de 25 de novembro de 2003, que flexibilizou as exigências para o recebimento do benefício, explica em parte essa corrida ao seguro-defeso. A Seap (Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca) admite que existem irregularidades, com beneficiados que não são pescadores.
A lei, entre outros pontos, diminuiu de três para um ano a necessidade de comprovação da prática da pesca artesanal com inscrição no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e de pagamento da contribuição previdenciária.
Mas o que mais contribuiu para o surgimento de irregularidades foi a facilidade adotada para se comprovar a pesca profissional artesanal: para obter registro em uma colônia de pesca, o interessado precisava apenas da apresentação de outros dois pescadores já filiados à colônia.
Consulta no site do Ministério do Trabalho e Emprego mostrou que os Estados onde ocorreram mais irregularidades foram Santa Catarina e Rio Grande do Norte. A Seap admitiu a situação e informou que encontrou problemas também na Paraíba e no Amazonas (leia texto nesta página).

Comerciantes
Em Santa Catarina, o caso chamou a atenção do procurador da República em Tubarão, Celso Antônio Três, depois que um servidor federal reclamou que não conseguia registrar em carteira uma empregada doméstica. O motivo: ela não queria perder o direito a receber o seguro-defeso.
Em um primeiro levantamento, o procurador Celso Três descobriu pedreiros, funcionários públicos e empregadas domésticas se beneficiando do seguro-defeso. "Gente que nunca viu um barco de pesca está recebendo como pescador artesanal", afirmou.
Ele investiga 3.076 pessoas que receberam o benefício em Laguna (140 km ao sul de Florianópolis) e outras 1.500 nos municípios de Tubarão e Imbituva (SC).
Em Tubarão, município sem tradição na pesca artesanal, o valor do benefício pago em 2001 foi de R$ 59,9 mil. No primeiro semestre deste ano, o valor pago já chega a RS 229,4 mil. Em Imbituva, o salto foi de R$ 850 mil em 2001 para R$ 1,88 milhão no primeiro semestre deste ano. Em Laguna, se pagou R$ 860 mil em 2001 de seguro-defeso; neste ano já foram pagos R$ 2,4 milhões.
A Agência Folha encontrou comerciantes que dizem receber o seguro. No bairro Farol de Santa Marta, em Laguna, o casal Aldo Santiago de Oliveira Filho e Lucimar Agostinho dos Santos é proprietário de um restaurante e de uma videolocadora. Mesmo assim, recebem o seguro-defeso para a pesca da anchova.
Santos justificou o recebimento por "trabalhar como marisqueira, nos períodos de entressafra da temporada de turismo". O marido dela disse ser pescador profissional e se irritou com a reportagem. "Quem dedurou a gente? Isso é coisa de inimigo, recebo porque tenho direito."
Além do casal, a Agência Folha encontrou quatro mulheres e dois homens, somente no bairro do Farol da Santa Marta, que afirmaram receber o seguro-defeso para a anchova, apesar de exercerem outras atividades.

Acusação
Osvani Gonçalves, presidente do Sindicato dos Pescadores de Santa Catarina, culpou as colônias de pescadores "pela farra do fornecimento de seguro a quem não é pescador". Segundo ele, até o pagamento do seguro para anchova está errado na região.
"A anchova hoje só é pescada em mar aberto na região, por pescadores industriais, que não recebem o seguro-defeso. Esse pagamento é político e eleitoreiro."
Gonçalves acusou o presidente licenciado da colônia Z-14, de Laguna, Obadias Martins Barreira - candidato a vereador pelo PT-, e o ex-subsecretário da Seap Célio Antônio "pela situação na região". Antônio deixou a Secretaria para se candidatar a prefeito de Laguna.


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