São Paulo, terça-feira, 05 de setembro de 2006

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BENJAMIN STEINBRUCH
Sobre metas e coragem


Desde o início do Plano Real, o Brasil não conseguiu investir mais do que 21% do PIB, pouco para um emergente


SÓ EXISTIRÁ certeza em matéria de eleições depois que os votos forem digitados nas urnas eletrônicas, em 1º de outubro. Mas, se prevalecer o que dizem hoje as pesquisas, o presidente Lula deverá ser reeleito.

É oportuno, portanto, analisar aspectos do programa divulgado na semana passada pelo presidente para o seu provável segundo mandato. O ponto mais comentado foi a ausência de metas quantitativas. A única fixada, que os organizadores do programa chamaram de "mãe" de todas as metas, é a que estabelece a elevação da taxa de investimento para pelo menos 25% do PIB.

Não é pouco, mas não é tudo. O investimento, público ou privado, é importante indutor do crescimento da economia e do emprego. Desde o início do Plano Real, há 13 anos, o Brasil nunca conseguiu investir mais do que 21% do PIB, índice muito baixo para um país emergente. Na China, por exemplo, os investimentos representaram 49% do PIB no ano passado, cerca de US$ 1,1 trilhão.

Infelizmente, não podemos ter a pretensão de acompanhar números chineses. Economistas ponderados estimam que o nível de 25% é razoável para permitir ao Brasil crescimento econômico a um ritmo de 5% ao ano sem gerar pressões inflacionárias.

É bastante significativo o valor adicional de recursos que serão investidos na economia brasileira caso Lula consiga ver cumprida sua única meta quantitativa em seu provável segundo mandato.

No ano passado, os setores público e privado investiram R$ 386 bilhões, valor que representou 20% do PIB. Se conseguir elevar a taxa para 25%, o país fará investimentos adicionais de R$ 96,5 bilhões por ano. Em quatro anos, serão exatamente R$ 386 bilhões a mais. Ou seja, levando em conta o nível de 2005, o país terá avançado cinco anos em quatro em matéria de investimentos. E terá investido, no quadriênio, quase R$ 2 trilhões.

Trata-se, portanto, de um número nada desprezível para um país carente de obras tanto no setor público, principalmente em infra-estrutura, quanto no privado, para alavancar a produção principalmente em setores industriais.

O programa de Lula preocupa não pela pouca relevância da meta-mãe -pode-se, afinal, considerar que, cumprido o objetivo de elevar os investimentos, haverá um natural estímulo à expansão da economia e do emprego. A preocupação advém da ausência de alguns compromissos concretos em áreas que poderiam gerar recursos para o setor público cumprir seu compromisso de investir. Não houve, por exemplo, promessas explícitas de cortes de gastos públicos correntes e o programa incluiu apenas uma citação genérica à necessidade de melhoria da gestão da Previdência, sem nenhum comprometimento com reformas nessa área que representa um ralo sugador de recursos da União. Também faltou menção objetiva a respeito da redução da carga tributária, um clamor nacional, que é o principal obstáculo para os investimentos privados. O corte dos juros, que consomem R$ 160 bilhões por ano, foi tratado genericamente. O problema da valorização do real, que desestimula inversões em projetos para exportações, foi ignorado.

Tirando a meta de investimentos, o programa lançado pelo presidente é um conjunto de generalidades. Não pode, portanto, ser a última palavra em matéria de planos para o próximo quadriênio. Se Lula for mesmo reeleito em 1º de outubro, precisará ter a coragem de apresentar ao país um plano de metas, incluindo crescimento do PIB (que, aliás, foi pífio no segundo trimestre), dos empregos, dos índices de qualidade de vida, de saúde, saneamento, educação, segurança etc.

O medo de ser cobrado no futuro por objetivos não alcançados não pode impedir a busca corajosa da realização de sonhos nacionais. Quando decidiu construir Brasília, nos anos 1950, Juscelino era considerado um sonhador. As primeiras estacas da praça dos Três Poderes foram fincadas em 4 de janeiro de 1958. Pouco mais de dois anos depois, às 9h30 do dia 21 de abril de 1960, no Salão de Despachos do Palácio do Planalto, JK fez o discurso que inaugurou a nova capital.

BENJAMIN STEINBRUCH , 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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