São Paulo, sábado, 05 de outubro de 2002

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LUÍS NASSIF

Novos tempos, velhos discursos

O último debate entre candidatos, na TV Globo, tem de longe um vitorioso: a cobertura da mídia. E tem de longe um perdedor: idéias-força criativas.
Em geral há uma mistificação nesses debates, dos candidatos se comportando como vestibulandos, com excesso de citação de números e siglas e carência de conceitos.
O que se espera de um presidente da República não é a decoreba de números, siglas e datas, mas a visão de futuro, a identificação e publicidade de novos valores, a definição de prioridades, a concatenação de ações, a explicitação da estratégia política.
Apesar de toda a visibilidade dada aos candidatos durante a campanha, não se conseguiu sair das soluções convencionais. É como se a crise econômica tivesse embotado toda capacidade de inovação do país.
É evidente que há um conjunto de soluções padrão para problemas antigos. Ocorre que os anos 90 consolidaram alguns valores fundamentais para o país, e nenhum deles se transformou em bandeira dos candidatos -como ocorreu com a crítica do modelo econômico fechado, na campanha de Collor, ou a defesa da estabilização inflacionária na primeira campanha de Fernando Henrique Cardoso.
Um desses novos paradigmas é a questão da gestão pela qualidade e dos indicadores de acompanhamento. Esse é o grande desafio nacional, a ferramenta que, associada ao governo eletrônico e ao planejamento estratégico, permitirá a implementação das idéias, a melhoria das contas públicas sem aumento da arrecadação, a boa governança, a transparência de dados.
Com uma idéia-força dessas, Juscelino Kubitschek criou a mística do "Plano de Metas", que influenciou o universo de empresas brasileiras, introjetando princípios de gestão que foram fundamentais para a modernização dos anos posteriores. Agora, nem tchum!
Durante a campanha, Lula chegou a esboçar o slogan do planejamento estratégico e dos indicadores, e Serra, o dos indicadores e do governo eletrônico. Mas não ousaram avançar. Preferiram não correr o risco do discurso inovador.
Um segundo paradigma importantíssimo é a questão da articulação das iniciativas regionais e setoriais. Embora os discursos políticos possam ser diferentes na superfície, no mais profundo todos os candidatos partem da mesma visão de Estado provedor, dissonante com os tempos modernos e com a crise fiscal.
O desenvolvimento e a geração de empregos no país cada vez menos dependerão de investimentos públicos (como pretende Lula) ou da mera criação de ambiente macroeconômico favorável (como pensa Serra). O papel do Estado será articular de maneira horizontal iniciativas existentes, tanto no plano econômico e científico-tecnológico quanto no social, sem a visão hierarquizada e burocratizada convencional.
Tome-se o caso da bambuzeria Capricho, de Cajueiro (AL), região com canaviais decadentes, bambuzais inúteis e trabalhadores sem emprego. Bastou colocar na parada um designer, que bolou um tipo de cabide moderno, e uma rede de lojas que decidiu adquirir a produção para se gerarem instantaneamente 80 novos empregos, de pessoas recebendo um salário mínimo para a região, o equivalente a cerca de três salários mínimos nas grandes cidades.
O investimento do Sebrae no projeto foi de meros R$ 35 mil, menos de R$ 500 para criar empregos permanentes e em expansão. No seu rastro foram criados os projetos Pindorama, em Cururipe, e União dos Palmares, com mais 180 pessoas recebendo o mínimo para montar legos de bambus.
Em Pernambuco, em Santa Cruz do Capibaribe não existe um desempregado, entre os 50 mil habitantes. Lá, em um eixo que passa por Doritama e Caruaru, foram criados centros têxteis informais, geração espontânea, com cada família dispondo de uma máquina de costura em casa. Já existem 20 mil empresas e 8.000 pontos-de-venda. Montado o complexo, o Senai entrou com uma escola de designer; o Sebrae, com um programa de desenvolvimento.
Esses são os novos paradigmas nacionais, ainda à espera de um candidato que ouse inovar o velho discurso.

E-mail - LNassif@uol.com.br


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