São Paulo, terça-feira, 05 de outubro de 2004

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CONCORRÊNCIA

Busca por espaço divide o conselho, cria transtornos em julgamentos, preocupa o governo e advogados da área

Disputa política tumultua sessões do Cade

JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Disputas políticas transformaram as usualmente sóbrias sessões do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) em tardes quentes. A busca por espaço divide o conselho e tumultua julgamentos, preocupando o governo e advogados que militam na área de defesa da concorrência.
Integrantes do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, em conversas reservadas, classificam o clima reinante de "circo" e dizem que ele tem produzido uma imagem negativa do conselho para o mercado e dentro do próprio governo.
Em sessões recentes, o plenário do tribunal da concorrência chegou a ser dominado por bate-bocas. Hoje, a temperatura voltará a subir com a retomada do julgamento de um dos casos mais polêmicos que o Cade já apreciou: a fusão da Chocolates Garoto com a multinacional suíça Nestlé.
A divisão cada vez mais evidente coloca, de um lado, o conselheiro Luiz Alberto Scaloppe e o subprocurador-geral da República Moacir Guimarães. Do outro, os demais conselheiros e a procuradora-geral do Cade, Maria Paula Dallari, liderados pela presidente da instituição, Elizabeth Farina.
Farina e três outros conselheiros são recém-chegados ao conselho. Em julho, os mandatos do então presidente, João Grandino Rodas, e de outros integrantes expiraram. Com a nova formação, 100% das nomeações do Cade passaram a ter a assinatura do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Scaloppe, que assumiu o posto em setembro do ano passado, é o único dos conselheiros cujo nome não foi sugerido pelo Ministério da Justiça ao Palácio do Planalto. A escolha foi do próprio presidente Lula. O conselheiro tem um histórico petista. Foi vereador e candidato ao governo de Mato Grosso, em 1990, pelo PT.
O episódio que deixou clara a divisão envolve a definição de quem é o conselheiro mais antigo do Cade: Scaloppe ou Roberto Pfeiffer. O decano da instituição é uma espécie de vice-presidente. Tem a prerrogativa de comandar os julgamentos nos casos em que o presidente do órgão está impedido ou ausente.
O caso não é o único. Scaloppe já emitiu dois despachos e enviou aos gabinetes de todos os conselheiros "sugestões" de procedimentos para a análise dos processos no órgão. "Tenho 23 anos de experiência jurídica e a obrigação cívica de fazer isso. O Cade não tem muito profissionalismo em algumas coisas", afirma.
Nas últimas semanas, ele tem se mostrado abatido e diz se sentir isolado no Cade. "Se uma pessoa se sente isolada é porque alguém a isolou", declara. Para ele, o fato de não ter sido indicado pela Justiça e não comungar das idéias defendidas pelo ministério pode ser o motivo de seu isolamento.
O conselheiro chegou a pensar em renunciar ao seu mandato em janeiro, mas por motivos pessoais. Mudou de idéia. "Agora decidi que vou até o fim."
No mês passado, na votação que resultou na condenação de quatro empresas aéreas (Vasp, Varig, TAM e Transbrasil) por formação de cartel na ponte aérea Rio-São Paulo, as divergências entre conselheiros, a presidente Farina e o Ministério Público mais uma vez ficaram explícitas.
No tumulto, Farina se atrapalhou e mudou três vezes de opinião ao avaliar se suspendia ou mantinha o julgamento. Se tivesse suspendido, poderia ter gerado um fato inédito no Cade: deixar o caso em aberto, mesmo depois de todos os conselheiros terem apresentado seu voto.
A troca de críticas entre os lados tem sido pública e também velada. "Existe uma animosidade. O clima está tenso. Há uma resistência à minha forma de atuar. Mais que isso. Querem me excluir", afirma Moacir Guimarães.
"O Grandino era um grande presidente, sabia conduzir isso. A Farina não tem a mínima experiência jurídica", acrescenta Guimarães, que não poupa ataques à procuradora-geral do Cade. "Ela não é conselheira nem assessora jurídica dos conselheiros. Mas age como se fosse."
A Folha apurou que integrantes do governo avaliam que a situação de Guimarães no Cade se tornará insustentável e culminará com sua remoção do Cade pelo Ministério Público. Em dezembro, termina seu mandato para atuar na área.
Em tom conciliatório, a presidente Farina diz que são episódicas as situações em que os conselheiros se expressam com "maior contundência". "Isso acontece em casos específicos e naqueles em que existem muitos interesses envolvidos", disse.
Na avaliação da presidente, é exagero falar de disputa de poder dentro do Cade. O conselheiro Pfeiffer também avalia que são pontuais os casos em que falta ao debate serenidade. "De maneira nenhuma isso é uma constante. Nem será."


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