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CONCORRÊNCIA
Busca por espaço divide o conselho, cria transtornos em julgamentos, preocupa o governo e advogados da área
Disputa política tumultua sessões do Cade
JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Disputas políticas transformaram as usualmente sóbrias sessões do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) em
tardes quentes. A busca por espaço divide o conselho e tumultua
julgamentos, preocupando o governo e advogados que militam
na área de defesa da concorrência.
Integrantes do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, em
conversas reservadas, classificam
o clima reinante de "circo" e dizem que ele tem produzido uma
imagem negativa do conselho para o mercado e dentro do próprio
governo.
Em sessões recentes, o plenário
do tribunal da concorrência chegou a ser dominado por bate-bocas. Hoje, a temperatura voltará a
subir com a retomada do julgamento de um dos casos mais polêmicos que o Cade já apreciou: a
fusão da Chocolates Garoto com a
multinacional suíça Nestlé.
A divisão cada vez mais evidente coloca, de um lado, o conselheiro Luiz Alberto Scaloppe e o subprocurador-geral da República
Moacir Guimarães. Do outro, os
demais conselheiros e a procuradora-geral do Cade, Maria Paula
Dallari, liderados pela presidente
da instituição, Elizabeth Farina.
Farina e três outros conselheiros são recém-chegados ao conselho. Em julho, os mandatos do então presidente, João Grandino
Rodas, e de outros integrantes expiraram. Com a nova formação,
100% das nomeações do Cade
passaram a ter a assinatura do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Scaloppe, que assumiu o posto
em setembro do ano passado, é o
único dos conselheiros cujo nome
não foi sugerido pelo Ministério
da Justiça ao Palácio do Planalto.
A escolha foi do próprio presidente Lula. O conselheiro tem um histórico petista. Foi vereador e candidato ao governo de Mato Grosso, em 1990, pelo PT.
O episódio que deixou clara a
divisão envolve a definição de
quem é o conselheiro mais antigo
do Cade: Scaloppe ou Roberto
Pfeiffer. O decano da instituição é
uma espécie de vice-presidente.
Tem a prerrogativa de comandar
os julgamentos nos casos em que
o presidente do órgão está impedido ou ausente.
O caso não é o único. Scaloppe
já emitiu dois despachos e enviou
aos gabinetes de todos os conselheiros "sugestões" de procedimentos para a análise dos processos no órgão. "Tenho 23 anos de
experiência jurídica e a obrigação
cívica de fazer isso. O Cade não
tem muito profissionalismo em
algumas coisas", afirma.
Nas últimas semanas, ele tem se
mostrado abatido e diz se sentir
isolado no Cade. "Se uma pessoa
se sente isolada é porque alguém a
isolou", declara. Para ele, o fato de
não ter sido indicado pela Justiça
e não comungar das idéias defendidas pelo ministério pode ser o
motivo de seu isolamento.
O conselheiro chegou a pensar
em renunciar ao seu mandato em
janeiro, mas por motivos pessoais. Mudou de idéia. "Agora decidi que vou até o fim."
No mês passado, na votação que
resultou na condenação de quatro
empresas aéreas (Vasp, Varig,
TAM e Transbrasil) por formação
de cartel na ponte aérea Rio-São
Paulo, as divergências entre conselheiros, a presidente Farina e o
Ministério Público mais uma vez
ficaram explícitas.
No tumulto, Farina se atrapalhou e mudou três vezes de opinião ao avaliar se suspendia ou
mantinha o julgamento. Se tivesse
suspendido, poderia ter gerado
um fato inédito no Cade: deixar o
caso em aberto, mesmo depois de
todos os conselheiros terem apresentado seu voto.
A troca de críticas entre os lados
tem sido pública e também velada. "Existe uma animosidade. O
clima está tenso. Há uma resistência à minha forma de atuar. Mais
que isso. Querem me excluir",
afirma Moacir Guimarães.
"O Grandino era um grande
presidente, sabia conduzir isso. A
Farina não tem a mínima experiência jurídica", acrescenta Guimarães, que não poupa ataques à
procuradora-geral do Cade. "Ela
não é conselheira nem assessora
jurídica dos conselheiros. Mas age
como se fosse."
A Folha apurou que integrantes
do governo avaliam que a situação de Guimarães no Cade se tornará insustentável e culminará
com sua remoção do Cade pelo
Ministério Público. Em dezembro, termina seu mandato para
atuar na área.
Em tom conciliatório, a presidente Farina diz que são episódicas as situações em que os conselheiros se expressam com "maior
contundência". "Isso acontece
em casos específicos e naqueles
em que existem muitos interesses
envolvidos", disse.
Na avaliação da presidente, é
exagero falar de disputa de poder
dentro do Cade. O conselheiro
Pfeiffer também avalia que são
pontuais os casos em que falta ao
debate serenidade. "De maneira
nenhuma isso é uma constante.
Nem será."
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