São Paulo, Sexta-feira, 05 de Novembro de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Reforma tributária: o projeto Mussa é melhor


MAILSON DA NÓBREGA

Há muitas semelhanças entre o projeto de reforma tributária defendido pelo secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, e o apresentado pelo deputado Mussa Demes.
Ambos propõem um novo Imposto sobre o Valor Agregado, IVA, para substituir as atuais incidências sobre o consumo: IPI, ICMS, ISS, Cofins e Pis, as duas últimas em cascata.
Ambos sugerem a tributação no destino, o que facilitaria a desoneração do IVA nas exportações, aumentando a competitividade das empresas brasileiras.
Ambos propõem um Imposto sobre Vendas a Varejo cobrado pelos municípios.
Em suma, ambos desejam um sistema tributário moderno, já que o atual se tornou inviável. O ICMS virou um tributo nocivo à economia, com 27 regimes distintos, que geram custos desnecessários e estimulam a sonegação e a corrupção.
O problema está nas diferenças. O projeto Everardo prevê um IVA único, arrecadado pela União e repartido automaticamente com os Estados e municípios.
O projeto Mussa prevê a partilha da base do IVA entre a União e os Estados. Os Estados arrecadariam nas transações dentro de seu território e a União nas transações interestaduais.
O projeto Everardo prevê impostos seletivos cobrados pelos Estados sobre telecomunicações, energia elétrica, automóveis, fumo e bebidas. O projeto Mussa propõe alíquotas diferenciadas do IVA para esses mesmos casos.
Quando o projeto Everardo foi apresentado no final de 1996, o defendi mais de uma vez nesta coluna. O debate veio mostrar, todavia, que, embora tecnicamente competente, o projeto não passou no teste da negociação no eixo federativo. Além disso, seria inconveniente atribuir aos Estados impostos seletivos sobre serviços essenciais como telecomunicações e energia elétrica.
O então secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Pedro Parente, que negociou o projeto com os Estados, aceitou que o IVA fosse arrecadado na esfera estadual e repartido com a União e os municípios. O imposto seletivo seria cobrado pela União e distribuído aos Estados.
O projeto Everardo voltou à estaca zero e piorou. Incluiu a transformação da CPMF em imposto permanente, IMF, uma maluquice que público mal informado aceita porque acha que o tributo é justo, uma vez que todos pagariam, incluindo os atuais sonegadores.
A Receita diz que o IMF seria devolvido, pois deseja apenas obter informações dos sonegadores. Parlamentares influentes se entusiasmaram com a explicação. Para surpresa de muitos, o ministro da Fazenda, conhecido por seu robusto conhecimento de macroeconomia e do sistema financeiro, passou também a defender o monstrengo.
Os partidários do IMF não se dão conta de que, mesmo sendo devolvido, o estrupício terá um efeito devastador sobre o mercado de capitais, inibindo uma das maiores revoluções em curso no país, que poderá criar formas mais amplas e baratas de financiamento da economia.
Mussa não acolheu a esdrúxula idéia, apesar das pressões que recebeu de seu próprio partido, o PFL, cujos caciques acham o IMF uma maravilha (por sinal a mesma sigla, em inglês, do Fundo Monetário Internacional).
Somente por essa atitude, o projeto Mussa merece ser considerado melhor. Seu ponto alto é, todavia, a partilha da base de cálculo do IVA entre a União e os Estados. É o que se adapta melhor ao federalismo brasileiro e assim tem maiores chances políticas.
Cabe lembrar, a propósito, que o atual ICMS pertence aos Estados e representa mais de 90% de sua receita própria. Transferir sua competência para o governo federal, nos moldes de federações como a alemã, pode fazer lógica técnica, mas tem pouco sentido político e nenhuma aderência à nossa realidade.
O projeto Mussa, tal qual o de Everardo, assegura a uniformidade do IVA. Suas normas básicas e alíquotas seriam fixadas em nível federal, eliminando os 27 regimes do ICMS. A existência de alíquotas da União e dos Estados não seria o complicador que alguns pensam.
O projeto Mussa preserva certo grau de autonomia estadual. Mantém a parcela dos Estados sob sua administração e permite variações de até 20% da alíquota nas operações realizadas no seu território. O projeto Everardo é mais centralista.
Apesar de melhor, o projeto tem pontos que precisam ser debatidos, tais como a imunidade nas passagens aéreas, a ampliação dos incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus, a vinculação de recursos para obras rodoviárias, a reinstituição do imposto único sobre combustíveis (um retrocesso) e a inexplicável partilha de 15% do imposto de importação em favor dos Estados e municípios.
Mais e mais fica claro que a reforma não sairá se o governo federal, por meio do presidente ou do ministro da Fazenda, não assumir a liderança na sua condução.


Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
E-mail: mailson@palavra.inf.br



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