São Paulo, terça-feira, 05 de novembro de 2002

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LUÍS NASSIF

Revelações de FHC

Durante uma hora e meia Fernando Henrique Cardoso falou ao "Programa Econômico" -que estreou ontem na TV Cultura, às 21h40. Ao final, considerou a entrevista como "defesa de tese". Ontem, foram levados ao ar pequenos trechos dela, em que o presidente aborda três temas relevantes: o início do Real; os erros do câmbio e os erros da política energética.
Em relação ao Real, o plano começou a ser pensado no final de 1993, pouco depois de FHC assumir o Ministério da Fazenda do governo Itamar. A primeira precondição para o plano foi a renegociação da dívida externa, em moratória desde o governo José Sarney. Pedro Malan empenhou-se na tarefa, primeiro como negociador, depois como presidente do BC.
Havia muita resistência da burocracia do FMI em endossar o plano. FHC conseguiu o endosso pessoal de Michel Camdessus, então diretor-gerente do FMI, por meio de uma carta, em francês, que foi encaminhada aos bancos credores.
Na época, pensou-se em lançar Antônio Britto à Presidência, mantendo FHC na Fazenda. Pensou-se até em Lula, por meio de tratativas de Tasso Jereissati. Acabaram não vingando, e FHC foi lançado.
Em dezembro de 1994, ainda no governo Itamar, tentou-se corrigir o câmbio, diz FHC. O futuro ministro do Planejamento, José Serra, e o economista Pérsio Arida, indicado para a presidência do Banco Central, prepararam a transição para o novo modelo. Mas a crise do México impediu a mudança.
Depois, se tentou em março. Não havia discordância sobre a necessidade de mudar o câmbio, mas sobre a forma. Serra e Arida defendiam uma mudança forte e, depois, a fixação do câmbio em novo patamar. Outro grupo defendia a implantação do sistema de bandas, mais lento e cauteloso. Houve erro de implementação, que levou à fuga de US$ 8 bilhões das reservas. Em seguida, houve a saída de Pérsio Arida do governo, e, em meados de 1995, apareceu o fantasma de uma crise bancária, diz FHC. Constatou-se que a mudança de câmbio precipitaria a crise bancária. Por isso, manteve-se a política cambial anterior até que o sistema fosse saneado, o que ocorreu com o Proer.
Em 1996 e meados de 1997, o câmbio poderia ter sido alterado. Foi o que o presidente denomina de período de trégua. Ele chegou a fazer várias reuniões com economistas no Palácio do Alvorada, ouvir exportadores, opiniões das mais variadas. Havia os que não recomendavam mudar o câmbio, com receio de volta da inflação e de fuga de recursos, confiando na melhoria da produtividade interna. Um grande exportador sustentou que um ajuste de 5% seria suficiente. Serra e o ministro da Administração, Luiz Carlos Bresser Pereira, eram os mais radicais. Bresser dizia ser imprescindível um ajuste de 30%. Fernando Henrique ficou em meio a esse tiroteio de opiniões e decidiu apostar na melhoria da produtividade interna.
Em meados de 1997, quando se constatou que a aposta tinha sido errada, nada mais havia a fazer, segundo Fernando Henrique. A essa altura, ele recebera um "paper" do economista José Roberto Mendonça de Barros, antecipando a crise da Ásia. Depois, veio a crise da Rússia. Pior que isso, segundo ele, foi o "grampo" do BNDES, que acabou tirando do governo praticamente toda a equipe que operaria a mudança do câmbio.
Passadas as eleições, FHC disse que tomou pessoalmente a decisão de mudar a política cambial, substituindo Gustavo Franco por Chico Lopes na presidência do BC. Admite que se enredou na mudança, defende a honorabilidade de Lopes e, indagado acerca de sua inexperiência operacional, afirma que ele foi indicado por todos os defensores da mudança cambial.
Em fevereiro de 1999, com o país explodindo, apenas o ministro da Fazenda, Pedro Malan, ainda insistia em que não havia necessidade de mudar o câmbio. Mas FHC deixa a entender que muitos economistas, que depois se apresentaram como críticos acerbos da política cambial, na época defendiam a sua manutenção.
Não dá nomes. Mas diz que apenas Serra e Bresser mantiveram durante todo o período a postura crítica em relação à política cambial.

E-mail - LNassif@uol.com.br


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