São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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Sob Lula, inflação sobe menos para pobres

Custo de bens e serviços para famílias que ganham menos subiu cerca de 24% desde 2003, contra 29% para as que têm rendimento maior

Apreciação do real a partir de 2004 conteve preço dos alimentos, que consomem quase 30% do salário da população de baixa renda

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a inflação enfrentada pelas famílias de baixa renda foi menor do que a inflação dos mais ricos. Os bens e serviços que pesam mais no orçamento das famílias que ganham até R$ 600 subiram cerca de 24% de 2003 até setembro de 2006. No mesmo período, a cesta de consumo dos que ganham mais de R$ 6.000 subiu 29%.
A inflação sob controle e o seu impacto no bem-estar das famílias mais pobres -que não têm como se defender da alta de preços por meio de produtos financeiros- são sempre lembrados pelos membros do Banco Central quando defendem a política monetária. Algo que Henrique Meirelles, presidente do banco, não se cansa de repetir e que deve ser a arma usada por ele na defesa da manutenção da política econômica no segundo mandato de Lula.
O desempenho da inflação nos últimos quatro anos diverge daquele verificado no segundo mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso. Em 2001, a inflação para uma família com renda de até R$ 600 mensais foi de 8,25%. Para os que ganham mais de R$ 6.000, a taxa ficou um pouco menor, em 7,88%. A discrepância aumenta em 2002: 14,3% para o estrato de renda mais baixo e 11,9% para o mais alto.
O câmbio explica boa parte da diferença entre os últimos anos de FHC e o primeiro mandato de Lula. O período de valorização cambial a partir de 2004 ajudou a conter e reduzir os preços de boa parte dos alimentos que pesam nos gastos das famílias mais pobres.
Quem ganha até R$ 600 gasta 28% da renda com alimentação, enquanto apenas 11% do rendimento dos mais ricos é comprometido com esse gasto. Entre 2002 e setembro de 2006, os alimentos subiram em média 7,15%, contra alta de 51% nos quatro anos do segundo mandato de FHC.
Desde 2004, ajudou o câmbio e, lembra Zeina Latif, economista do Unibanco, também o fato de o país não ter enfrentado crise grave de oferta na agricultura. "A apreciação cambial ajudou, mas os preços dos produtos não-comercializáveis [que não podem ser exportados ou importados] também."
O quadro nos últimos oito anos, a despeito da aceleração da inflação no último ano de FHC, é o mesmo: a inflação para as famílias de mais baixa renda ficou em 74%, enquanto a taxa para os mais ricos fica em torno de 82%. Vale lembrar que, do ponto de vista dos tucanos, a inflação de 2002, quando a alta de preços foi de 12,53%, foi em parte causada pelo então futuro presidente Lula, que assustava os mercados, gerava fuga de divisas e causava desvalorização da moeda, alimentando a inflação. Vale também lembrar o contra-argumento dos petistas: caso a economia não estivesse vulnerável do ponto de vista externo, não haveria crise de confiança.

Inflação maior
Debate político à parte, o fato é que as famílias mais pobres puderam manter o poder de compra de seus salários, tendência que deve continuar em 2007, com a inflação de ricos e pobres convergindo para níveis similares. "A inflação vai ser um pouco maior no próximo ano, com o câmbio agora estável, mas nada preocupante", diz Marcela Prada, da Tendências.
Zeina, do Unibanco, lembra que, se por um lado o câmbio não vai mais contribuir para conter ou baixar os preços dos alimentos, por outro não há nenhuma grande pressão à vista. Ela prevê certa estabilidade da taxa de câmbio em 2007. Cerca de metade dos alimentos, diz a economista do Unibanco, não depende do câmbio, mas das condições da agricultura interna, o que torna difícil prever o comportamento dos preços. Ainda assim, a inflação projetada por ela, de 4% em 2007, seria benigna do ponto de vista de manutenção poder de compra. "Temos uma perspectiva de inflação baixa. O efeito geral é de preservação do salário real."
"A inflação tem agora uma variância menor, os preços relativos se distorcem menos. Hoje o BC tem credibilidade, o erro de precificação é menor", diz Tomas Málaga, economista do Itaú. Quando a taxa de inflação é previsível, fica mais difícil errar na hora de o trabalhador tentar recompor o salário.
As taxas de inflação para diferentes classes de renda foram calculadas pela Folha com base no IPCA e nos gastos de consumo das famílias brasileiras estimados pela POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), ambos publicados pelo IBGE.


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