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ANÁLISE
Funcionários, forçados a investir em ações da empresa, perdem com colapso
PAUL KRUGMAN
COLUNISTA DO "THE NEW YORK TIMES"
Quando uma empresa aparentemente lucrativa quebra
de repente, há lições a aprender.
Quando é a mais admirada dos
EUA, elogiada pelos teóricos dos
negócios como a corporação mais
representativa do século 21, pode-se pensar se ela seria a ponta do
iceberg. E quantos teríamos, sem
saber, passagens no Titanic?
Levará um tempo, e muitos processos judiciais serão necessários
antes que toda a história do colapso da Enron seja revelada. Mas
uma coisa já é clara: o caso demonstra até que ponto os executivos são eficientes na transferência
de riscos para longe de si e em direção aos funcionários. Os líderes
da Enron saíram do desastre abalados, mas ricos. Muitos dos empregados -entre os quais alguns
dos leais trabalhadores que me
enviavam cartas furiosas quando
eu criticava a Enron- perderam
as economias de suas vidas.
Por trás desse desastre para os
trabalhadores temos uma mudança radical, mas não muito divulgada, do sistema norte-americano de aposentadorias. Vinte
anos atrás, a maior parte dos funcionários tinha planos de pensão
com "benefícios definidos", ou
seja, seus empregadores lhes prometiam uma aposentadoria fixa.
Hoje, a maior parte tem planos de
"contribuição definida", ou seja,
investem nas aposentadorias e
aceitam o risco. As contribuições
costumam ser subsidiadas pelo
empregador e têm tratamento
tributário especial, mas isso não
adianta muito se, como no caso
da Enron, os ativos perderem a
maior parte de seu valor.
É fácil defender um argumento
teórico em favor da contribuição
definida. Ela aumenta as opções
dos trabalhadores, que podem escolher quanto poupar e de que
maneira investir. E mais opções
quase sempre são uma boa idéia.
Mas o destino da Enron mostra
a diferença entre teoria e prática.
Como escreveu Gretchen Morgenson, do "New York Times", os
trabalhadores do país foram coagidos ou seduzidos a investir muito da poupança em ações das empresas onde trabalham. A natureza exploratória desse incesto foi
enfatizada pelo "ferrolho" da
Enron, sob o qual, por coincidência, segundo os executivos da empresa, novas regras forçavam os
funcionários investir na empresa,
no exato momento em que ela iniciava a espiral que a levou à morte. Grande liberdade de escolha.
E mesmo quando os trabalhadores tinham escolhas reais, fica-se a imaginar se eles compreendiam o risco. O abandono do sistema de aposentadoria coincidiu
com uma enorme alta nas Bolsas;
muitos trabalhadores que jamais
viram ações em queda desde que
se tornaram investidores subestimaram o risco de perdas.
Espera-se que as quebras não
virem ocorrência cotidiana. Mas é
provável que milhões de trabalhadores tenham experiências semelhantes às da Enron, descobrindo
que enormes porções de suas
poupanças desapareceram. Serão
dependentes do único programa
de benefícios definidos de grande
porte que resta: o Seguro Social.
Se ele continuar existindo.
A comissão de reforma do Seguro Social criada pelo governo
Bush lançou um relatório na semana passada, no momento em
que a Enron iniciava seus estertores. A maior parte das críticas à
comissão, entre elas as minhas, se
concentravam em, claro, práticas
de contabilidade parecidas com
as da Enron: itens pareciam ser
incluídos e excluídos nos balanços segundo as conveniências da
comissão. Assim, quando o sistema de Seguro Social recebe mais
dinheiro do que gasta, isso não
tem importância: o Orçamento é
unificado, de modo que não quer
dizer nada quando uma parte tem
superávit. Mas em 2016, quando o
Seguro Social começar a pagar
mais do que arrecada, haverá
uma crise, porque então ele terá
de se virar por conta própria.
Mas a comissão recorre a truques baratos de contabilidade para defender a tese que é seu objetivo: transformar o Seguro Social
de um sistema definido por benefícios, que garante a aposentados
uma renda básica, em sistema definido por contribuições, sob o
qual os não-sensatos ou os azarados teriam uma velhice pobre.
Alguns analistas acreditam que
o Seguro Social será convertido
em sistema de contribuições definidas. Não que seja boa idéia, mas
o setor financeiro -que tem
grande poder em um sistema político movido por dinheiro- ganha com a conversão. Espero que
estejam errados. Senão, o destino
dos funcionários da Enron, vítimas da diretoria, que acreditavam
estar a seu lado, pode mesmo representar a imagem do porvir.
Paul Krugman, economista, é professor
na Universidade Princeton
Tradução de Paulo Migliacci
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