|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
A revanche do encilhamento
Uma pequena monografia,
vencedora do Prêmio
BNDES de 1983, pode conter a
chave para explicar o grande desastre cambial do Plano Real. Seu
autor era o jovem Gustavo Franco, abordando o período pré-encilhamento, no alvorecer da República.
O tempo era de um mundo em
grandes transformações tecnológicas, enormes mudanças no sistema financeiro internacional, e
uma febre de desenvolvimento e
industrialização que chacoalhava todo o Brasil, no rastro da
Abolição da Escravatura e no aumento da migração.
Na época, o Conselheiro Saraiva resolve desenhar o novo modelo monetário e vai buscar auxílio
no conselheiro Francisco de Paula
Mayrink, banqueiro. Aos olhos do
historiador Franco, Mayrink tem
a dimensão de um Barão de
Mauá. De fato, trouxe capitais de
fora, construiu estradas de ferro,
explorou Caxambu, comprou o
Palácio do Catete.
Em sua monografia, esmiúça os
novos paradigmas do período.
Glorificava-se a concorrência, havia resistência a qualquer forma
de controle e, especialmente, de
controle cambial, apesar do livre
fluxo de capitais provocar oscilações enormes no câmbio.
O modelo de Saraiva contemplava a criação de inúmeros pequenos bancos capazes de reciclar
o capital externo. Mas quem ousaria entrar no jogo, estando sujeito a enorme volatilidade cambial, em um país de comércio exterior estreito, e com a globalização financeira passando por um
período extraordinariamente vigoroso?
Aí Saraiva pensou no grande
instrumento, um superbanco capaz de, por seu poder de fogo,
atuar como agente moderador da
volatilidade cambial. E convenceu o conselheiro Mayrink a fundir seu banco com um concorrente e assumir a missão e o monopólio da emissão de moeda.
Em várias partes do livro, Franco conjetura sobre o que poderia
ter sido o Brasil se o grande banco
tivesse vingado. Poderia ter a vitalidade industrialista do encilhamento, o novo mercado financeiro reciclando poupança externa, sem o final terrível da época
-cuja história terminou em um
enorme crack e, depois, da política deflacionista de Joaquim Murtinho, que dizimou a indústria incipiente.
A Proclamação da República
pegou o projeto no meio. Ruy
Barbosa entrou na Fazenda trazendo novos discursos sobre o
câmbio, mas encampando o modelo. O historiador vai juntando
as peças, observando que, a cada
vez que Ruy tentava enfrentar os
interesses rentistas, havia uma
atoarda que chacoalhava os mercados, ecoava na imprensa e só
refluía quando Ruy recuava.
Lembra até o ex-presidente do
Banco Central Gustavo Franco
que, meses atrás, indagado sobre
o neonacionalismo, respondia peremptório: "O mercado não deixa".
Ao contrário da historiografia
convencional, seu trabalho tenta
provar que o que levou à hiperinflação não foram as emissões descontroladas de moeda por parte
de Ruy: foi a grande farra cambial que pegou o país desarmado,
justamente porque as pressões políticas impediram Ruy de implementar o projeto na íntegra.
Onze anos depois de escrita a tese, o historiador fecha o livro, assume um cargo relevante no Banco Central, e parte para a revanche de Saraiva. Agora se tinha o
grande banco para tourear o
câmbio -o BC. Há a promessa
da estabilização que permite o
florescimento de inúmeros pequenos bancos, especializados em
trazer dinheiro de fora, com a segurança que faltou aos que se perderam nos solavancos cambiais
do alvorecer da República. E essa
poupança, garantir o desenvolvimento que o encilhamento abortou.
Faltou ao historiador pegar a lição de Ruy, citada em seu livro,
de que o câmbio tem de refletir as
condições efetivas de competitividade da economia, não o livre fluxo cambial.
Fim
Por inadequação com os temas
econômicos do caderno Dinheiro,
a coluna de domingo deixa de
abordar temas ligados à música,
à memorialística e à história. Aos
leitores de domingo, com quem
compartilhei lembranças e informações extra-econômicas, meus
agradecimentos pela paciência
desses anos todos.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
Texto Anterior: Comércio exterior: Câmbio fixo lesa a China, dizem EUA Próximo Texto: Óleo volátil: Importadora de querosene chinesa pede concordata Índice
|